Em fevereiro de 2010 escrevi um texto chamado "o outro carnaval", - TopicsExpress



          

Em fevereiro de 2010 escrevi um texto chamado "o outro carnaval", o qual julgo hoje pertinente republicá-lo aqui, por diversas razões - junto, o vídeo com o samba que o inspirou. Espero que apreciem. "E vem chegando mais um Carnaval. Essa festa do avesso, na qual ruas cotidianamente sisudas, de gente indo e vindo apressadamente e mente estagnada em obrigações laborais, viram rios de gente sem nenhum outro compromisso que não beber, dançar, se divertir. O apelo é irresistivelmente catártico, e acontece: dissipação de tensões para que as ruas voltem a ser engarrafado trânsito sufocante? Pode até ser. Mas o que conta para quase todos é a apropriação e recriação do sentido. Dessa forma, em vários outros aspectos, é uma libertação. Nossa história, do passado e do presente, é também subvertida. Casais de negros, tataranetos de escravos, bailam para os aplausos fazendo as vezes de reis. Nos blocos de ruas, homens vestem-se de mulheres. Do morro miserável, descem as mais ricas e belas fantasias. Para todos, a possibilidade. Inclusive a de não se precisar inverter-se para existir. Foi assim com a Acadêmicos do Grande Rio, escola de samba de Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense – um desses rincões em que a pobreza é escondida dos olhos sensíveis da monetariedade. Era 1992, e a agremiação ainda não era a potência de hoje – desfilava no Grupo A, a segunda divisão das escolas de samba do Rio de Janeiro. A comunidade, esmagadoramente negra, e faxineira, e porteiro, e pedreiro, e biscateiros, e afins, adentrava a Marquês de Sapucaí cantando, a plenos pulmões, o samba “Festa para um Rei Negro”: É hora de seguir com fé E pedir axé para o Deus Maior Chega de violência, sofrimento e dor O Pelourinho ainda não findou Para os ocultos opressores da nação Há de vir um Negro Rei, para purificar Nossa libertação com as águas de Oxalá Sapucaí, meu quilombo, vou cantar! Grande Rio é a bandeira, vou lutar! Se é isto que nos resta Vamos fazer nossa festa Nos costumes de além-mar Tem frutos da natureza É bom demais! (bis) Vamos dar em oferendas Para o Rei dos Orixás Todo mundo quer saber, quer saber Da real libertação O anseio de um povo De nascer um Brasil novo Livre dessa servidão Será, que quem traçou nosso caminhos Deixou outro pergaminho pra nova libertação? Voa divina pomba da paz, igualdade vê se traz Para todos eu espero E quando esse milagre então fluir Todos vão se produzir Nas cores verde e amarelo (Porque) Para ser livre Nunca é tarde demais (bis) Onde há fé e esperança A crença não se desfaz Algo extremamente representativo. Reconheciam que eram o resultado presente da exclusão de sempre, e se valiam daquela concessão interessada para, consciente de que aquilo era o que lhes restava, cantar em negros costumes de além-mar essa festa de esperança – e nessa expressão definidora do ser, e apesar do Pelourinho do dia-a-dia massacrante que não findou, fazer da Sapucaí um quilombo. Ser um rei negro, senhor de si, e se bastando em sua própria nobreza. Uma subversão carnavalesca que não era no oposto externo e opressor onde se a encontrava: era no inverso de si, o que era oprimido e excluído, e que vinha à tona sem medo, sem preconceito, valorizado, e livre: e generoso, pois permite a igualdade em toda a sua diferença, sem a necessidade de que haja um outro lado para afirmação somente definida por contraposição. Assim clamavam, entre alegorias, esse delírio norteador do fim do colonialismo que, se antes era da terra, hoje exaure nossas mentes e cérebros. Um país onde todos se sejam, e não sejam para. Uma paridade que permita o reconhecimento de si como brasileiro, pertinente, e não com um sonho de nobreza e brancura européia que jamais será nosso, e que sempre exigirá a perversão. Ali, desembocando rumo à Praça da Apoteose, sob aplausos de todos, o escuro fluxo antes invisível brilhava, reluzia, e produzido em verde e amarelo simulava, no espaço do sonho, o desejo. O desejo e a concessão. Outra inversão. E o fim dela. E quando tudo isso for além, seremos então de todas as cores: os reais tons verdes e amarelos abrigarão, dignamente, todas as suas matizes. Aí então o Carnaval será outro. Será, para sempre, como o desfile da Acadêmicos do Grande Rio em 1992." youtube/watch?v=geN8YL4DmEs
Posted on: Mon, 30 Sep 2013 21:31:26 +0000

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