Ensaio sobre a finitude. Essa história de que envelhecer é - TopicsExpress



          

Ensaio sobre a finitude. Essa história de que envelhecer é lindo, é arte da fidalguia fisiológica, é a caminhada para o auge da beleza fundamental, é a apoteose da leveza do ser, é a melhor idade, é a sabedoria alcançada, é a terceira idade, tudo isso é uma verdadeira pregação subterfugiosa do medo da finitude. É isso que a velhice representa: uma ameaça à vida em contagem regressiva! O homem vive em eterno desacato ao processo natural da vida e esse fato se dá, cada dia mais me convenço, em virtude do seu próprio medo perante a conclusão do ciclo vital cronometrado, definitivo, inexorável. É a luta contra um tempo que se faz imperativo, e não há acordo que inverta suas missões a cumprir. Tenho a impressão de que as vaidades se originam deste evento: o temido fim. As negações, idem! Um dos mais graves indicadores da inaceitação do envelhecimento é o culto ao imaginário da infinitude que se realiza desde as transformações que o ser humano tenta realizar no próprio corpo até as crenças a que adere. Todas elas. É a fuga ensimesmada. O homem ocupa-se tanto com buscas por justificativas pela eternidade inalcancável, com a ilusão de que viverá cada vez mais e melhor, com os paradigmas de corpos perfeitos e com o inventariar das indumentárias desarmoniosas - não condizentes com o seu estágio etário- que se esquece de qualificar o potencial espiritual a fim de tentar se tornar melhor nessa experiência humana pela qual passa. Aliena-se de preparar, conscienciosamente, um autoencontro, desnudo de intrusos exteriores, que é circunstância certeira com a qual terá de lidar, quer queira quer não, para já se ir acostumando à ideia de que o homem nasce só e morre só. Será o tempo da solidão fundamental quando tudo vai-se afunilando para o desfecho inevitável. Encontro bases mais científicas que filosóficas, para confirmar tais questões, nas leituras em Kafka, especificamente, A Metamorfose, ao me colocar na condição da personagem, a barata, quando esta, na qualidade de humana, demonstra a sua indignação diante da grande pergunta que se faz: Como é que os humanos suportam lidar com a consciência de que findarão um dia? Para o inseto, não há castigo maior. Para o humano, tenho a impressão de que não seja diferente. Experiências trocadas e questionadas por ambos, ser humano e inseto não se equidistanciam. O ortóptero se sobrepõe ao homem. Sua indignação fica por conta de se sentir supremo, dada a sua irracionalidade e, por esse motivo, ter o privilégio da ignorância à existência e suas consequências, ou seja, a de que há um princípio e um fim. A involuntária reação negativa à velhice tem gerado uma autopatia que se agrava à proporção que a competitividade por um Mundo Sem Rugas e com muitos músculos - mesmo que sejam os de silicone - se instala e o investimento na fuga à realidade natural dos fatos vai tomando conta do ser que se torna, cada dia mais, inconsciente de si na essência. É a guerra travada entre o ego, o superego e o Id dos preceitos freudianos. Não é justa a generalização, admito, pois conheço pessoas caridosas, sem vaidade excessiva e simples, embora, mesmo estas, se doam a uma busca desenfreada por fortalecer sua fé em uma vida após a morte, desgastando-se na tentativa de convencer a todos sobre os seus valores adquiridos em função do temor à pena capital, desde o seu nascimento. Quase em devaneios, na verdade, os seus esforços são muito mais para autoconvencerem-se do que convencer. É uma forma de negação, não deixa de ser. Esse gênero chega a converter tudo o que disse no que não disse de tanto que diz. Coisas do ser humano, sempre se conectando a algo por seu próprio interesse. Essa teoria eu generalizo. Mas, calma! Não faço uso do pessimismo nem do altruísmo, apenas tornei-me humanamente assumida e realista por tantas experiências vividas sem ceticismo. Há famosos escritores por aí que filosofam o envelhecimento humano como se fosse a mais bela conjuntura da vida e este chega a ser a metáfora de um queijo gorgonzola, por ser muito saboroso, tornando-se, portanto, por seu tempo de vida prolongado, mais e mais sápido. Nesse caso da sapiência, não o queijo, mas o velho. Eufemismos à parte, cotejo mais tolo não pude ter visto: O velho x O gorgonzola. Fungos se apossam dele e assim se torna nobre, um dos mais saborosos, e, portanto, um dos mais caros. Nunca vi tamanha bizarrice, sobretudo porque, mesmo na metáfora, a circunstância é aludida à mulher e, ao ler tamanha asneira, senti-me verdadeiramente ofendida por ser comparada a algo comestível que, mesmo velho, continua passível de ser comido e saboroso. Nunca fui iguaria para ninguém. Adoro gorgonzola, sobretudo se servido com damascos, mel, nozes ou pistaches, mas nunca fui fã da velhice, e isso exclui os velhos de quem sou fã e o desejo de alcançar com saúde tal estágio. Contudo, achei estúpido uma escritora elogiar a tal fase querendo se equidistanciar filosoficamente e entusiasticamente de Erasmo de Roterdã em sua obra O Elogio da Loucura, mesmo que de forma involuntária. O livro é uma manifestação de sentimentos, uma produção intelectual, que traz um ensaio escrito em 1509 e publicado em 1511, mas serve para hoje sob várias ópticas. O Elogio da Loucura é considerado um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos catalisadores da Reforma Protestante. Ele se inicia com um aspecto satírico e se desdobra para uma situação sombria, em uma série de orações, já que a loucura aprecia a auto-depreciação, e passa então a uma apreciação mordaz, vesicatória, dos abusos supersticiosos da doutrina católica e das práticas corruptas da Igreja Católica Romana. O ensaio se conclui com um testamento transparente e, por sua vez, emocionante, dos ideais cristãos. Foi mais ou menos nesse nível de emoção e de narração, com traços de descrição, que li uma crônica e quase a chamei de Ensaio da Loucura de quem não aceita envelhecer, assinada pela atriz Maitê Proença, embora não haja comprovações de que seja ela a autora. Sendo ou não, há uma autora que assim assina e que me deixou indignada com sua evasiva e artificiosa paixão pela velhice. Primeiro por comparar a mulher a um queijo gorgonzola quando envelhecida, substituindo o cansativo dito do vinho que quanto mais velho, melhor, segundo por se tratar de um produto consumível, degustável, comestível. Sinto muito, e sinto também por quem tenta se enganar na poesia filosofando desvarios. Achar belo envelhecer é nem comentar, é viver suas cãs, suas gorduras mal distribuídas, suas perdas de memória, suas esquisitices, sua reclusão aos poucos, sua farmacinha cada dia mais lotada de remédios, sua roupinha mais largada. Isso, sim, é envelhecer assumidamente, aceitavelmente. E mais, sem culpa ou vergonha das dores nas juntas, da pele enrugada, dos lapsos de memória, do esquecimento, da gagueira, da exclusão, da discriminação e, muitas vezes, dos nojos que os mais jovens sentem por tudo o que essa turma faz. Nenhuma mulher, eu que o diga e não temo generalizar, fica feliz com a entrada e com a chegada da velhice em si e disparada. Mentira pura a de que se trata de uma fase linda e bela comparada ao gorgonzola. Acreditar é bônus para viver melhor, concordo , e adiro à busca pela longevidade, no entanto, penso que cada um tenha o seu tempo cronometrado e a sua missão a cumprir. Ninguém irá me fazer confiar que essas dores nas articulações, as famosas juntas doídas, é uma sinfonia de clássicos a serem curtidos; ninguém venha me dizer que celulites, intestino preso, pressão alta, enxaquecas, necessidade de um cafezinho, vertigens, vista curta, pele ressecada, sinais nas mãos e nas costas, glúteos caindo ou caídos, seios descendo para o térreo, dificuldade para levantar, caso se consiga agachar, perda da cintura e perda óssea, olhos gordos em sua aposentadoria e em seus bens não possam ser comparados às práticas corruptas da vida, aquelas cotejadas às da igreja católica romana na época, ou seja, uma verdadeira inquisição da vida sobre o frágil ser humano. Envelhecer é realmente nobre do ponto de vista da prova que elucida a continuidade da vida. No entanto, chamar de bela a degeneração de um esqueleto ainda em vida é hipocrisia. Sem contar que, nesse estágio, sua credibilidade cai muitos pontos percentuais diante de uma sociedade que está cada dia mais jovem e no comando de tudo. As crenças, com a chegada da velhice, vão se transformando em drenagem linfática, botox e pilates, além de um terço nas mãos e um escapulário pendurado no pescoço para a salvação da alma; a bíblia vale para os evangélicos também como amuleto. Tudo vai se acentuando de forma doentia, quando, na verdade, um fisioterapeuta e um geriatra, nessa fase, seriam a melhor e mais inteligente indicação acentuada. Os sinais da adesão da velhice no homem e seu ápice se apresentam nas mais diversas formas. Enjoa-se tudo o que se adorava, a exemplo de Mc Donalds, chocolates, chicletes, pipoca, hot dog, refrigerantes e gorgonzola. O paladar fica menos apurado e exige algo mais leve, pois o metabolismo já não permite mais uma digestão fácil. Tudo isso passa a ser substituído por banana frita ou cozida com café e queijo, uma papinha, saladinhas, maçã e uva como lanche, chás, adoçantes, e de bônus ainda é taxado de ridículo caso queira relembrar paladares novos ou usar uma roupinha leve para a caminhada prescrita pelo cardiologista. As músicas também tomam um outro segmento, o barulho já incomoda; o axé, o samba, o funk, o rap vão se tornando insuportável e João Gilberto passa a ser compreendido e absorvido, além de absolvido, já que antes era odiado. Um echarpe é fundamental para fazer charme no pescoço, e cálcio, muito cálcio para prevenir a osteoporose que já lhe exige saltinhos mais baixinhos nos sapatos. Uma meia de alta compressão é sempre bem vinda como antitrombótica usada duas horas por dia. Diante de tantas questões, de tanta reflexão, caio nas teias de me deparar com a infeliz analogia a um queijo gorgonzola ou um vinho à velhice humana e feminina. Não é de fácil digestão, mesmo! E os óculos? Sempre pedindo lentes mais fortes... Que venha a velhice, estou pronta e pedindo a Deus para alcançá-la, mesmo consciente de que a memória vai-se diluindo, ficando mais lenta e sendo substituída pelas saudades e recordações no silêncio que se faz diante do dilema de que nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. O coração vai palpitando muito mais acelerado pelos medos do que pelas paixões... Para os que têm filhos, melhor é se preparar para recebê-los como visitantes, isso se contar com a sorte grande de tê-los sobre o mesmo solo. A juventude é uma mentira, a velhice é outra mentira, o gorgonzola é uma verdade, mas não é análogo dos sensatos. O que há de verdade nesse dilema é o que os céticos defendem: A vida é uma farsa. As coisas que há de verdade nessa vida são o nascimento e a morte. Desses ninguém escapa de comprová-los e experimentá-los diariamente. Um terço nas mãos consola, uma Bíblia também, mas um gorgonzola, não! Por gentileza, economizemo-nos para uma vida melhor! Pensemos nos queijos gorgonzolas, na Maitê Proença e no que está nas entrelinhas do seu cotejo: o medo. Livrar-se dele é o grande desafio para a humanidade e uma das técnicas é tentar inúmeras vezes até atingir a desconstrução da fé na vida superficial, que é a própria vida. Organizemo-nos! O futuro nos aguarda e nós o desejamos mais que tudo, com ou sem gorgonzola, mas na pretensão de nunca nos cotejarmos a um. Agora eu perdoo a Maitê!
Posted on: Sun, 17 Nov 2013 16:32:56 +0000

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