Entre os animais falanteso poeta é o que mais diz coisas - TopicsExpress



          

Entre os animais falanteso poeta é o que mais diz coisas interessantes aos colegas racionais. Diz-lhes que a lua é de gesso que o Norte pode ser Sul que o avanço é retrocesso e que o céu não é azul. Diz-lhes que o espaço vazio está todo por alugar e que há poemas vagos de inspiração limitada em prédios de antologia bem situados nas letras com duas assoalhadas vistas largas logradoiro e porteira analfabeta que serve de vazadoiro é bem falante e discreta. Diz-lhes ainda que sabe que por motivos urgentes de autodemolição há boas peças de pano de padrão surrealista a vender ao desbarato no armazém dum artista que as salda por desengano a preços fim de estação. Informa também haver senhora de meia idade com alguns adjectivos que deseja conhecer para fins recto-activos editor de posição que não se meta em política seja honrado quarentão e tenha amigos na crítica. Muito em segredo murmura que uma donzela neurótica de raiz alentejana trabalha de literatura e à luz do candeeiro borda poemas eróticos para consumo na cama. Mais promete por um tema já usado e descosido três metros de bom poema que sirvam para vestir a pobreza envergonhada dum menos favorecido na sorte de produzir mercadoria rimada. Em palavras repassadas de condoída tristeza lança o apelo patético duma viúva burguesa que pede soro poético para um filhinho que tem trinta e seis anos de idade e que se morre não sobe ao céu da celebridade. A fim de prestar serviço às esquerdas e direitas denuncia o compromisso duma família insuspeita que prima pelo respeito porte limpeza e decência e que aluga ideias feitas para curta permanência. Assim relata o poeta entre a oferta e a procura as condições de hipoteca da moderna literatura. Assim disfarça a miséria fingindo que tem fartura — que a poesia é coisa séria e se não for deletéria poderá ser mordedura que lhe inocule no sangue não só veneno de cobra mas três cruzes de lirismo que virão minar-lhe a obra e tolher de reumatismo a pena com que depena os patos do modernismo que podem valer-lhe a pena. Grande Zé Carlos Ary dos Santos
Posted on: Sat, 06 Jul 2013 07:56:33 +0000

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