Era um pássaro, e por isso mesmo voava livre, acostumado à imensidão dos céus e ao precipício em que se resumia tudo o que estava abaixo de si. Consciência de que sobre si havia apenas os céus, e abaixo tudo o mais, ele de fato não tinha, não fazia idéia, porque para ele havia apenas o voo. Voar era de fato a experiência que o conduzia à todas as outras experiências... esta era sua virtude. Ocorre que num dia não tão belo decidiram criar as regulamentações para voos. É que tanto os céus, quanto os abismos, agora tinham donos. Os religiosos defenderam de pronto, afinal, o grande criador havia consentido que assim fosse ao "dar" céus e abismos àquele donatário; bençãos e dádivas cujos motivos só o criador poderia julgar. Restaria aos sábios agradecer e obedecer. Pesquisadores científicos surgiram para estudar e verificar a legitimidade da causa, ocorre que coube às academias preparar àqueles que agora poderiam voar. Logo surgiram teses brilhantes sobre todas as teorias de voo e legitimidade da posse de céus e abismos, posse esta que, aliás, ficou mais que comprovada que era de natureza inata, haja visto que os atuais donatários traziam em sua estrutura cerebral e nos gens os elementos e características determinantes de tal condição. As leis foram criadas, e com elas cargos a serem ocupados para garantir que seriam observadas. E os pássaros? Bom, eles descobriram que sua técnica de voo puramente empírica não condizia com as leis nem as conclusões científicas. Se quisessem voar teriam que fazer os cursos necessários, que, note-se, estavam todos sendo ministrado sob o comando das baleias, que óbvio, eram doutoras no assunto. Muitos pássaros descobriram que na verdade eram répteis, e que só voaram até então devido a um tal de complexo de Ícaro. Um número impressionante de pássaros, que passou a viver se arrastando no solo, questionou-se sobre os riscos "reais" que correram antes das intervenções legais e científicas em suas vidas, e muito admiraram tamanha proteção, afinal, como poderiam ter vivido tanto tempo sem isto? Poucos pássaros ousaram continuar voando, solitários e arbitrariamente, em áreas menos vigiadas, e por isso mesmo, muitos destes foram abatidos em plena atividade de desobediência legal. O pássaro feliz do início deste texto não foi chamado para decidir nada disto, não concordou com tudo isto e morreu de tédio, ou você esperava que ele tivesse se ajustado ao ponto de se arrastar por todo o resto de sua existência? Eu heim?
Posted on: Wed, 04 Sep 2013 02:25:06 +0000
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