Esperança para o diabetes CÁPSULAS DE ILHOTAS Cientistas da USP - TopicsExpress



          

Esperança para o diabetes CÁPSULAS DE ILHOTAS Cientistas da USP estudam o transplante desses micro-órgãos envolvidos em uma proteção feita com biomaterial. Embora ainda seja cedo demais para afirmar que diabéticos do tipo 1 dispensarão definitivamente a aplicação de doses de insulina, há grandes expectativas Fernanda Cirenza Texto: Mais de 245 milhões de pessoas sofrem de diabetes no mundo. No Brasil, o número é superior a 6 milhões. As perspectivas, por um lado, não são muito promissoras: estima-se que, até 2025, serão 380 milhões de diabéticos. Por outro, as pesquisas em torno da doença são animadoras e uma delas vem sendo desenvolvida pela CellProtect Biotechnology, empresa que nasceu no campus da Universidade de São Paulo e é capitaneada pelo médico mineiro Thiago Mares Guia, que tem uma história antiga com o diabetes. Com o NUCEL (Núcleo de Terapia Celular e Molecular da USP), coordenado pela bióloga Mari Sogayar, Thiago e uma notável equipe de pesquisadores estudam o uso de biomateriais que permitem o encapsulamento de ilhotas pancreáticas, pequenos órgãos produtores de insulina, além de outros hormônios. No diabetes tipo 1, o problema está justamente nessa parte do organismo: o sistema imunológico ataca e destrói as células de ilhotas. “Tratar esse diabético com insulina fabricada é perfeito, já salvou a vida de milhões de pessoas nos últimos cem anos. Mas não é suficiente”, afirma Thiago. Acervo ICB/UFMG Marcos Mares Guia (ao centro) defende tese de doutorado em Enzimologia, na Tulane University of Louisiana (1964 Transplante de ilhotas nuas (ou não encapsuladas) não é exatamente uma novidade no mundo − no Brasil, desde 2002, cinco pacientes foram submetidos a essas cirurgias. Thiago conta que eles tiveram melhoria no controle dos níveis de glicemia no sangue, mas, com o tempo, as ilhotas transplantadas foram novamente atacadas. Isso, sem mencionar outras questões complicadas, como os medicamentos de imunossupressão induzida (para evitar a rejeição) e o local onde as ilhotas se alojam: no fígado. Na prática, as cápsulas protegem as ilhotas de forma tão específica e eficiente, gerando esperança aos diabéticos do tipo 1 de, um dia, abandonarem definitivamente a insulina fabricada. Herança Thiago Mares Guia entrou em contato com o diabetes e as cápsulas de ilhotas há mais de 15 anos. Sobrinho de Marcos Mares Guia, grande cientista e um dos fundadores da extinta Biobrás, ele se envolveu, ainda na década de 1990, com os experimentos do tio, que estavam sendo realizados em Miami, nos Estados Unidos. As primeiras experiências de Marcos usavam gel de alginato, um carboidrato extraído de algas marinhas, poderoso agente espessante na fabricação das cápsulas. No entanto, essa substância também era estudada por outros pesquisadores que tinham finalidades semelhantes às de Marcos. “O pulo do gato que ele deu foi agregar outras substâncias ao alginato, como sulfato de condroitina, que é uma matriz extracelular capaz de passar sinais para as ilhotas, dizendo que estão no ambiente delas e, portanto, precisam executar bem suas funções”, explica. Arquivo Riobrás Parte das instalações da Biobrás, farmacêutica nacional que ocupou a quarta posição na produção mundial de insulina fabricada Em outras palavras, Marcos Mares Guia pensava em um conjunto de soluções para recriar um entorno propício para acolher as ilhotas. A tecnologia foi patenteada, mas havia, na época, um longo caminho ainda para ser percorrido. No entanto, Marcos morreu em 2002 em decorrência de uma cirurgia (ironicamente no pâncreas) e o projeto ficou suspenso até 2006, quando Thiago retomou as pesquisas do tio. A equipe do NUCEL fez experiências positivas com camundongos. Alguns animais receberam ilhotas nuas e, assim como em humanos, deu certo por pouco tempo (no máximo, uma semana), mas depois voltaram a ficar diabéticos – os animais não receberam nenhum medicamento imunossupressor. Outros receberam ilhotas encapsuladas e se mantiveram normais por 150 dias (ou cinco meses), um resultado bastante expressivo. “Havíamos estabelecido como meta fazer com que os diabéticos tivessem a glicemia normalizada pelo período de um ano, o que representa cerca da metade da vida desses animais.” Luiza Sigulem As cápsulas que protegem ilhotas pancreáticas recebem um gel extraído de algas marinhas, que é poderoso agente espessante Esse resultado foi alcançado quando a mesma equipe agregou à cápsula original outra substância (laminina), cujas propriedades benéficas para as ilhotas já haviam sido demonstradas pelo grupo em outras pesquisas que não envolviam encapsulamento e transplante. A nova cápsula (alginato + sulfato de condrointina + laminina) é porosa, o que permite a passagem de insulina, glicose e oxigênio. Uma grande vantagem é que os anticorpos e as células do sistema imunológico não conseguem afetar as ilhotas protegidas por esse escudo – os poros são menores do que eles, impedindo que entrem em contato com as ilhotas. Por isso, o transplante de cápsulas dos pequenos órgãos dispensa a imunossupressão. Ou seja, não existe possibilidade de rejeição. O que é diabetes? É uma disfunção causada pela deficiência na produção e/ou na ação da insulina, hormônio produzido pelo pâncreas. Como consequência, a glicose não é aproveitada pelas células, provocando sua elevação no sangue. A glicose gera energia para o organismo funcionar, o que só ocorre se houver insulina. O diabetes do tipo 1 é o que destrói as ilhotas pancreáticas e o mais complicado – sem insulina, o cérebro fica sem energia e o corpo pode parar de funcionar. Requer uso de insulina fabricada e representa 10% do total dos doentes. O do tipo 2 é o mais comum. Nesse caso, o pâncreas diminui a produção de insulina ou a insulina produzida não é bem usada pelo organismo. O início dos sintomas é lento, ao contrário do tipo 1, e podem passar despercebidos por longos períodos. Em geral, é tratado com medicamentos hipoglicemiantes (que não a insulina), boa alimentação e exercícios. Há ainda o diabetes gestacional, que pode acometer mulheres não diabéticas durante o período. Os entraves Até o momento, o que se sabe é que a técnica tem dado bons resultados em laboratório. Mas, para testá-la em humanos, a equipe ainda precisa de tempo e, pior, de investimentos. “Para levar a pesquisa adiante, temos de cumprir uma série de procedimentos”, diz Thiago. “Por enquanto, os estudos estão no nível do conceito.” Para avançar, a equipe precisa captar entre R$ 5 e R$ 7 milhões. Com a quantia, as cápsulas começariam a ser produzidas para a fase clínica. “Patenteamos o nosso experimento e estamos atrás de investimentos.” Além disso, os pesquisadores também estudam onde as cápsulas de ilhotas deveriam ser implantadas no corpo humano. No pâncreas, Thiago diz, é melhor não mexer. “Como é um órgão delicado, qualquer cutucada pode levar a uma pancreatite. Melhor não.” No fígado, onde as ilhotas nuas acabam se alojando, elas funcionam de forma razoável por um tempo, mas depois acabam morrendo novamente. Então, a equipe estuda uma o desenvolvimento de um de tubo de titânio onde as cápsulas ficariam abrigadas. Esse dispositivo, segundo Thiago, seria implantado no tecido subcutâneo de diabéticos do tipo 1. Outra questão é o isolamento das ilhotas humanas, que representam apenas 2% do pâncreas. O processo é meticuloso, delicado, repleto de exigências e absolutamente controlado. Além disso, não haveria pâncreas suficientes a serem doados para o tratamento de todos os diabéticos do tipo 1. Por isso, Thiago e equipe estudam outras possibilidades para abrigar ilhotas que não sejam humanas e praticar, no futuro, o xenotransplante encapsulado (transplante entre espécies) A CellProtect e o NUCEL não descartam a ideia de acertarem parcerias com outros grupos, inclusive internacionais. “Isso pode ocorrer, já que o desempenho da nossa cápsula é muito eficiente. Entraríamos com o biomaterial para abrigar células de algum laboratório. Tudo é possível.” O inovador Médico pela Universidade Federal de Minas Gerais, Thiago Mares Guia, 39 anos, é doutor em Bioquímica e Imunologia pela mesma instituição. Atualmente, é pesquisador associado do NUCEL. Além disso, ele é o responsável pela parte médica e científica da Bionovis, uma superfarmacêutica nacional criada há um ano para produzir e desenvolver medicamentos biológicos e biossimilares. A nova empresa é formada por quatro grandes empresas: Aché, EMS, União Química e Hypermarcas. O governo federal deverá ser o principal comprador dos medicamentos a serem produzidos pela Bionovis – produtos biológicos de alta complexidade para tratamento de diversos tipos de câncer, doenças reumáticas e autoimunes, entre outras. Esses medicamentos já estão no mercado há mais de uma década, mas o compromisso inicial da Bionovis, de acordo com Thiago, é começar as atividades fazendo cópias de medicamentos que já estão perdendo patente (biossimilares) – a fábrica do laboratório deve ser instalada no Rio de Janeiro. A Bionovis concorre hoje com outro consórcio de empresas, o Orygen, que é uma joint venture entre Biolab, Cristália e Eurofarma, além do Libbs, que atua de forma independente. Todos estão envolvidos no projeto de nacionalizar a produção de medicamentos voltados para tratamentos complexos, que hoje são importados dos Estados Unidos e de países europeus. Luiza Sigulem O médico Thiago Mares Guia, que também responde pela parte científica da Bionovis De certa forma, essa experiência de Thiago é uma volta ao passado. Explica-se: nos anos 1970, um grupo de cientistas mineiros da UFMG, entre eles Marcos Mares Guia, tio dele, fundou a Biobrás, primeira indústria de biotecnologia do País, que chegou a ocupar a quarta posição no ranking mundial de produção de insulina. Inicialmente, a insulina era extraída do pâncreas de bois e porcos (essa muito parecida com a humana). Mas, em paralelo ao andamento da indústria, Marcos investiu no desenvolvimento da tecnologia recombinante. A técnica, que surgiu em 1990, em projeto desenvolvido por Marcos, bioquímicos da UFMG e pesquisadores da Biobrás e da Universidade de Brasília, consiste em engenharia genética para produzir insulina humana a partir de bactérias – um processo mais rápido e eficiente do que os anteriores. Em 2001, apenas quatro empresas no mundo detinham essa tecnologia, inclusive a Biobrás, só que, nesse mesmo ano, ela acabou sendo vendida para a dinamarquesa Novo Nordisk. “Foi uma decisão de negócio. O mercado, a concorrência predatória, não havia incentivos para manter a Biobrás”, lamenta Thiago. No entanto, a tecnologia de insulina recombinante continuou a ser desenvolvida na última década pela nacional BIOMM. A empresa anunciou recentemente que vai produzir insulina no País e tem investidores como BNDES e parte da família Mares Guia. Não, não se trata de uma briga em família. Mas o projeto da CellProtect e do NUCEL vai em outro sentido, o de acabar com a insulina fabricada ou, pelo menos, reduzir muito a necessidade de seu uso. “Fui levado para essa área por causa do Marcos, o braço científico da Biobrás. Ele foi um cientista brilhante, mas queria mais do que uma indústria. O sonho dele eram as cápsulas de ilhotas.” Ao que tudo indica, trata-se do mesmo sonho de Thiago.
Posted on: Tue, 15 Oct 2013 02:14:11 +0000

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