Esse era pra ter ido ao ar dia 24, mas só hoje o encontrei: COSMÓPOLIS - ou Goiânia, amada. Renata Arruda O frio da cidade acena-me com previsões de chuva fraca. Escalo tartarugas de concreto e me dissipo, embriagada da fumaça preta dos carros, pelas ruas, Tento me perder em contra-mão com as fachadas frias, tento, pelo desgosto por meus ossos, me infiltrar no asfalto sujo. Pois fui subjugada pelo sangue que é meu sangue, fui escarnecida pelos transeuntes todos que também são sujos, que também são carne. E minha mente, ausente de toda cor, também me renega o sossego das almas abrandadas pelo consolo. Colo-me, sem oferecer resistência, aos postes pichados, aos muros infectados, à mistura de tanta gente sem rosto, à massa única sem identidade. Fico confortada por reconhecer nos automóveis burros e nos letreiros analfabetos, nos cantos escuros e nos cacos acidentados de há tanto tempo, a minha existência urbana e mecânica: peça inutilmente vazia na engrenagem massacrante e sem-sentido da metrópole náufraga. Da indiferença que me é tão natural, vou levada pelo frio, às sombras difusas e opacas dos semáforos, dos holofotes e dos pontos de ônibus. Perpasso, como sombra, a dureza da violência implícita em certos becos, suspensa no ar, e por isso incólume. Agarro-me às luzes amarelas e ao chão, distraída na escuridão do céu apagado, com os ruídos dos motores que vão e que vêm, e que nem se dão conta que desviam do que já foi vida, e que agora é algo tão inóspito quanto eles. Que quero eu com a cidade, com seu centro velho e aconchegante? Com sua história dissimulada e corrupta? Não quero mais vencer a cidade, já a amo devassamente – reconheço-me nela, como coisa, como concreto de seu alicerce. Quero-a vazia das gentes ruidosas. Quero apenas seus bancos, suas avenidas e seus livros, correr o relógio no que há para ser nos medíocres cinemas e nos botecos infectados dessa paisagem áspera.
Posted on: Sun, 27 Oct 2013 14:23:27 +0000
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