Estantes vazias Porque começar do começo e atribuir o nome de início, meio e fim para partes da nossa vida que nós próprios mal conseguimos encaixar nessas três seções? Porque contar uma história como se ela fosse algo certo e imutável simplesmente pelo fato de estar no passado? Há se soubéssemos o tanto que não sabemos de tudo que vivemos, e o tanto que poderíamos saber, mas quando nos deparamos com algo que a nosso ver está finalizado temos o hábito de contar aquela história para nós mesmos, entender aquela história, rotular aquela história, colocá-la em um recipiente fechado para que não fuja e guardar em uma estante do nosso quarto. Porque nossas mentes nos escravizam dessa forma e nos tornam admiradores de uma estante de alegrias e tristezas que criamos? O fato é que se abrirmos todos esses recipientes veremos que não estão mais cheios daquilo que guardamos, porque nada no mundo é imutável, tudo se transforma todo o tempo e por mais que tenhamos decidido do fundo do nosso âmago nunca mais olhar para determinas situações vividas, por mais que tenhamos nos decidido nunca mais pensar o assunto, pois já nos determinamos diante dele, já contabilizamos as perdas e os ganhos e finalizamos as contas, estas histórias vividas estarão sempre espalhadas pelo nosso quarto e toda vez que voltarem a nossa vista voltarão de uma forma diferente e inevitavelmente olharemos para elas de outra forma. É feliz aquele que deixa tudo que viveu solto em seu quarto. É feliz aquele que consegue conviver com todas as histórias vividas sem querer rotulá-las e guardá-las na estante. É feliz aquele que consegue viver na algazarra de suas experiências, vivendo o que elas lhe fizeram aprender ao invés de obrigar-se a tomar a lição e sufocá-las em um “nunca mais” que não existe. São fantasmas as lembranças que achamos que guardamos em recipientes expostos nas estantes de nosso quarto, em verdade elas continuam jogadas no chão, em cima dos livros, debaixo da cama, dentro do roupeiro; e com isso sentimos que estamos bagunçados, mas não sabemos o porquê já que cremos que aquilo que vivemos está na estante. E como podemos arrumar a bagunça que não vemos? Não podemos. A bagunça que acreditamos não existir vai nos angustiar pela eternidade. A bagunça para a qual não conseguimos olhar vai nos impedir de ver algo além, pois continuaremos achando que tudo está na estante. Aceite a bagunça do seu quarto interior e aprenderás a viver harmoniosamente com ela, pois nem tudo tem que estar no lugar, porque quase nada tem lugar definido na nossa vida. Ora aqui, ora ali, deixe as coisas onde estão e sai de casa ao invés de tentar arrumar o quarto. Volte à noite para dormir e se aceite com as prateleiras vazias. Tudo que vivemos faz parte do todo e não é possível colocá-lo em lugar nenhum.
Posted on: Wed, 23 Oct 2013 21:28:27 +0000
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