Eu não lembro exatamente quando decidi virar professor, e nem o - TopicsExpress



          

Eu não lembro exatamente quando decidi virar professor, e nem o motivo. Acho que veio naturalmente: gostava de aprender coisas novas, lia muito, tinha facilidade em explicar pros outros o que eu já sabia, e não me encaixava (por objeções políticas ou éticas, normalmente) em nenhuma outra profissão - então era melhor começar a ser pago para fazer essas coisas que eu já faria de qualquer jeito. Quando efetivamente me tornei professor, o maior desafio era o desinteresse dos alunos. Desinteresse não, "asco" é um termo mais apropriado. Quem é bom nos estudos sempre é considerado cidadão de segunda classe no Brasil. Ensinamos nossas crianças que é melhor ser "esperto" ou "malandro" do que naturalmente talentoso ou esforçado e perseverante. Talvez por isso os bons alunos sejam sempre alvo de bullying nas escolas. Enfim, era (é) muito difícil ensinar quando ninguém queria (quer) aprender, por ter MEDO do próprio aprendizado e do que você representa (afinal, ninguém quer virar um "nerd", não é mesmo?). Depois, o desafio passou a ser o baixo salário. Não é que o salário não fosse baixo antes, o problema é que deixei de ser um universitário ganhando bolsa em estágio de ensino e recebendo auxílio dos pais para me tornar um licenciado pagador das próprias contas. O salário já era baixo, a diferença é que antes eu não necessitava tanto dele. E passei a necessitar ainda mais quando percebi que para ser bom no que fazia precisava frequentar palestras (pagas), comprar livros (caros) e realizar cursos (exorbitantes). Além disso, que aluno se sentirá motivado a estudar se em nossa sociedade aqueles que estudam muito (leia-se: professores) sempre se tornam fracassados com baixos salários? Logo em seguida, a falta de segurança. Já havia lecionado em escolas públicas e particulares, e nunca tive problemas com ameaças de alunos ou coisas do tipo. Pelo contrário, até recentemente julgava que isso se devia a uma falta de "pulso firme" por parte de alguns colegas de profissão, que não sabiam impor sua autoridade. Obviamente, embora isso possa explicar alguns casos, não explica todos - e há escolas em que o melhor para a integridade física do professor é justamente abaixar a cabeça e não questionar (me pergunto como alguém consegue lidar com isso). As políticas de contratação também não são nenhuma maravilha, e constituem outro desafio. Mesmo em áreas com carência de profissionais, a maioria das escolas ainda contrata no sistema do "esse aqui é parente do meu vizinho", desconsiderando por completo a análise do currículo. Não importa quão qualificado você seja, é melhor ter um conhecido lá dentro senão o emprego não será seu. Inclusive, no sistema privado de ensino, é comum vermos pessoas sem formação específica na área que lecionam (já cansei de ver advogado ensinando filosofia, por exemplo, ou dentista lecionando biologia). Agora, como se não fosse suficiente tudo o que foi mencionado antes, o estado manda a polícia bater, prender, aplicar choques, atirar com balas de borracha, lançar gás lacrimogêneo e/ou spray de pimenta em nós. Vocês estão nos deixando sem alternativas. O que esperam de nós? Milagre? Não conseguimos ensinar se os alunos não possuem interesse, e eles não irão possuir interesse se os pais tratarem conhecimento como algo nocivo e tiverem o nível de refinamento intelectual de um cro-magnon. Não conseguimos ensinar direito se somos obrigados a pegar vários empregos para pagar as contas, perdendo assim tempo que poderia ser usado na preparação das aulas ou no estudo (isso pode ser uma novidade chocante para a maioria, mas lá vai: só se pode ensinar aquilo que se aprendeu - é preciso estudar o assunto antes!). Não temos a menor motivação para ensinar se vemos profissionais menos qualificados ocupando nossas vagas. Ninguém quer ir ao emprego pensando se é hoje que vai levar um tiro daquele aluno com tendências violentas. E definitivamente não dá para ensinar nada se o aluno acreditar que será aprovado automaticamente no final do ano ou período. Agora, AINDA POR CIMA, ALÉM DISSO TUDO, apanhamos da polícia? Quando todos os professores do Brasil se demitirem e esse país voltar à idade da pedra, ou quando todos se tornarem criminosos para conseguirem o próprio sustento, ou quando se refugiarem em profissões fúteis... Só então vocês vão finalmente reconhecer o problema? Ou será que respirarão aliviados pois não terão mais a obrigação de saber contar ou soletrar?
Posted on: Tue, 01 Oct 2013 07:36:33 +0000

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