Eu não tenho medo da multidão. Não acho que ela coloca em risco - TopicsExpress



          

Eu não tenho medo da multidão. Não acho que ela coloca em risco a democracia, pelo contrário, a multidão, independentemente dos estratos que a compõe, é a energia pura e viva, ela é a potência, é o Brasil que de fato tem algo a oferecer para si mesmo e para o mundo, bem ao contrário dos números dos economistas e das frases de efeito da mídia. Mas a multidão não é apenas virtualidade -- agenciamento intelectual, afetivo e social --, se insinua também no território geofísico, adentra aqui e ali o espaço onde trava batalhas, o que implica expor o corpo à força opressora das armas e tiros dos quais hoje não dispõe e não quer dispor (não só agora, mas antes: o funk, o RAP, o Duelo de MCs, as ocupações de praças, a praia da estação, etc.). O modelo do Estado tradicional, ao contrário, é pura impotência, não é capaz de se livrar da dureza do território e sua arquitetura da fixação e da divisão hierárquica e racional. As cidades, os exércitos, a polícia, os congressos, os parlamentos e a racionalidade que os sustentam formam uma única forma dura de governança. O Estado é perigoso, não somente porque sabe-se como instrumento quase imbatível na defesa do espaço, mas também porque é a extensão cada vez maior das estratégias de dominação do capital. A multidão (em certa medida como o capital) é flexível, dinâmica, veloz, imprevisível, heterogênea, permeada por contradições, dotada de inteligência coletiva e opera em rede. Mas há aí uma distinção fundamental: a multidão é potência, e o Estado, poder. No enfrentamento contra o Estado, ela o deixa em cheque no campo ético, criativo, humano, mas não é páreo para sua máquina de guerra dura e espacialmente localizada. A única forma desejável de desarticular o poder do Estado (e os interesses do capital) é pelo agenciamento da inteligência e da potência da multidão, por contaminação, num processo constante de renegociação, pressões cooperativas, compartilhamento de saber, estratégias dinâmicas, afeto, invenção, etc. Lutar DE FRENTE contra o Estado no que ele sabe fazer melhor -- defender um território -- é um erro, um contrassenso, uma miopia (o que vemos até aqui nas manifestações não é essa luta frontal, fogo contra fogo, mas algo mais inteligente, uma luta moral, na qual o Estado perde de forma tão radical que não vemos sequer um porta-voz, além da presidenta, vir a público se manifestar). Seja lá qual for o comportamento da multidão brasileira daqui pra frente, ela não pode convocar ou incitar um combate total nesses termos, sob pena de colocar o acontecimento que produz e muito mais a perder. Esse é o desafio que se enfrenta e que exige habilidade e cuidado. A multidão somente estará à altura da inteligência que é capaz de produzir se compreender essa nova condição de sua potência e evitar o embate frontal-total, onde perderá por qualquer ângulo que se olhe.
Posted on: Sun, 23 Jun 2013 22:25:16 +0000

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