Fusca Parou o Fusca azul no posto de gasolina. Abasteceu e sentiu - TopicsExpress



          

Fusca Parou o Fusca azul no posto de gasolina. Abasteceu e sentiu que precisava comer alguma coisa antes de seguir viagem. Foi ao restaurante que ficava logo adiante e pediu sanduíche de frango e um café. A mulher que atendia foi ágil e levou seu pedido à cozinha. Ele pegou uma garrafa de água na geladeira do estabelecimento e, enquanto aguardava, pôs-se a pensar em sua vida. Recém-formado em Direito, ele estava desempregado. Ganhara algum dinheiro trabalhando como estagiário em alguns escritórios, mas, só ao final do curso, tomou consciência de que aquilo não era para ele. Ao contrário de seus colegas, ele não tinha a menor intenção de processar o mundo nem de defender grandes causas, muito menos se sujeitaria a ser advogado de porta de cadeia. Queria uma vida tranquila, um trabalho simples, mas com pagamento certo no final do mês e pronto. Dava-se por satisfeito com isto. Na cidade onde se formara, não via oportunidade. Os escritórios de advocacia se proliferavam como pragas e ele chegou a ver advogados entrarem no soco por uma causa de briga de bar. “Isto não é para mim”, disse para si mesmo ao sair do escritório em uma tarde, quase no fim de seu estágio. Sem o que fazer ali, ele faria a coisa mais sensata que todo ser humano faz em momentos de apuros, mas não a menos dolorosa e até covarde: voltar para a casa dos pais. Era o mais novo dos quatro filhos. Os outros três, a seu modo, estavam encaminhados. O mais velho ajudava o pai no pequeno mercado. Sua irmã, a segunda, era casada e trabalhava como secretária em um escritório de contabilidade onde seu marido era contador. Seu outro irmão, dois anos mais velho que ele, era marceneiro e estava feliz na profissão. Ele, no entanto, era o único com diploma na família, mas sentia-se um nada, perdido. Não sabia o que fazer. Fizera o exame da ordem e passaram na primeira tentativa. Como bens materiais, tinha seu Fusca, algumas roupas, uma poupança minguada e nada mais. Não avisou que voltaria. Faria uma surpresa, não sabia se agradável. Sua mãe vivia pedindo para que ele retornasse. “Volte para casa, Juliano. Faça um concurso e fique por aqui. Todo mundo nos conhece na cidade e as coisas ficam mais fáceis”, reclamava Eugênia a cada telefonema dado ou recebido do filho. Devaneando, ele foi despertado quando a mulher lhe serviu o sanduíche e o café. Ele sorriu, agradeceu e começou a comer. Estava muito bom. Sentiu saudade dos primeiros anos de faculdade quando trabalhava pela manhã em uma lanchonete em frente a uma escola. Suas refeições eram sempre à base de sanduíches e lanches rápidos. Começou a engordar e ficou com medo. Parou de comer baboseiras e mudou de emprego. Foi trabalhar em uma papelaria e almoçava todos os dias em um restaurante popular, mas comia comida de verdade, como diziam. Como estudava à noite, evitava comer fora de hora. Retornou ao seu peso normal e aquilo lhe serviu de lição. Comendo o lanche que pedira, ele se lembrava do episódio e sorria sozinho. Muita coisa iria mudar dali para frente. Ele não era mais um estudante. Ele era mais um desempregado, sem sonhos, sem oportunidade, praticamente, sem nada. Ouviu um estrondo. Tudo tremeu ali. Ele olhou pela janela e viu uma bola de fogo no posto de combustíveis. Deixou tudo e correu para lá. Queria salvar seu Fusca do incêndio. Não pensou em mais nada. Chegou ao automóvel, meteu a chave na porta e depois na ignição, funcionou e deu marcha à ré. O carrinho respondeu e, em poucos segundos, ele estava distante do incêndio gigante que se formara. Deixou o carro com a chave na ignição e tentou entender o que estava acontecendo. Um carro forte entrara em disparada no pátio do posto e se chocara contra uma das bombas de combustíveis que também estava em chamas. Correu para lá ignorando as labaredas e o pânico de todos os funcionários que fugiram dali. Viu quando uma das portas traseiras do carro foi aberta e vários malotes foram atirados de lá. Em seguida, um homem grandalhão e de cabeça raspada, de arma em punho, desceu cambaleando. “Quero que me tire daqui”, gritou apontando a arma para Juliano. “Se não me tirar daqui, eu te mato”, reforçou. O advogado entrou em pânico. Sem saber o que fazer, correu até o homem e, antes de tocá-lo, viu que o grandalhão desabou. Ele estava ferido e sangrava. Só agora ele via. Olhou para dentro do carro forte em chamas e constatou que, se tivesse mais alguém (e ele tinha certeza de que na cabine havia gente), o ocupante ou os ocupantes estavam mortos, pois foi lá que o fogo começou depois do impacto. Olhou atentamente para o homem caído e não teve dúvidas, ele estava morto. De seu pescoço escorria muito sangue. As labaredas estavam intensas e ele precisava sair dali o quanto antes. O carro forte e o posto todo não tardariam a explodir. Ele pegou os malotes e, em meio à fumaça preta e fétida, correu até seu fusca. Deixou-os lá e, desta vez, trancou a porta. Os funcionários do posto e do restaurante estavam longe dali e, foi com represália que o receberam. “Está a fim de morrer, homem? Não devia ter tentado salvar ninguém. Já ligamos para a polícia. São assaltantes, eles informaram. Estão fugindo. Mataram um funcionário do carro forte e feriram outros dois. Disseram que houve troca de tiros. A polícia e os bombeiros estão chegando. Deixe que queime tudo. A vida da gente vale mais do que tudo isto aqui. E no mais, tudo aqui é assegurado”, falou um homem de meia idade que contou ser o gerente do estabelecimento. O fogo devorava tudo quando os as autoridades chegaram. As labaredas não atingiram o restaurante, mas as paredes ficaram muito quentes e precisaram ser resfriadas de imediato com água das torneiras mesmo. Os trabalhos de extinção do fogo e de proteção às outras construções vizinhas começaram. Juliano até ajudou a abriu os hidrantes para manter os carros abastecidos. A polícia chegou momentos depois. Já estava tarde da noite quanto o incêndio foi controlado. Todos ali precisaram dar depoimentos. Juliano contou que tentou salvar o homem e também levou bronca dos policiais e bombeiros. “Com fogo não se brinca, meu rapaz”, falou um dos policiais. Já era madrugada quando foi liberado. Pagou o café que não tomou e pediu outro que bebeu rapidamente para espantar o sono caso ele viesse. A atendente foi para casa. Ela estava muito chocada com o acontecido. Em seu lugar ficou um dos rapazes que trabalhava na cozinha. Juliano pagou a despesa, entrou em seu Fusca e se foi. Estava desperto. Tudo havia mudado em sua vida. Parou no acostamento cerca de dez quilômetros adiante e abriu os malotes. Ficou impressionado com a quantia de dinheiro que havia em cada um. Sorriu. Ajeitou os malotes na parte traseira do carro, repôs a tampa, deu a partida e seguiu. À frente havia um trevo. Se seguisse em linha reta, iria parar na cidade de sua família. Em poucos segundos, ele decidiu contornar o trevo e entrar à direita. Não sabia o que encontraria para aqueles lados, só sabia que mais para o sul havia praias e muito mais calor do que ali. Ligou o rádio e cantou junto uma canção antiga destas que só tocam nas madrugadas. Sentiu uma ardência na mão direita e, só então se deu conta de que as chamas o haviam chamuscado um pouco. Jossan Karsten
Posted on: Sat, 03 Aug 2013 22:46:54 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015