Homenagem do meu tio Walter à vó Zulmira. Tanto ela quanto a minha outra avó (Glorinha) foram orgulhosamente parte do que nossos pais dizem quando falam que antigamente a escola pública era lugar de excelência e respeito. Excelente lembrança do Dé! A Professorinha “Que saudades da Professorinha/Que me ensinou o be-a-bá....” Classe repleta, três turmas juntas; enquanto uma estava na lousa, as outras faziam exercícios... Assim ia o curso primário de roça, da Fazenda Três Barras, lá por 193... A Professorinha recém casada, era pau-pra-toda-obra; ora os problemas de alfabetização, ora auxiliar na farmácia... Na farmácia Santa Terezinha do marido João, ora ensinava os princípiosde educação sanitária às donas de casa, mulheres de colonos caboclos e imigrantes italianos. Começaram então os convites irrecusáveis pra amadrinhamentos. Era afilhado pra todo lado... No fim de ano recebia prêmios do Estado pelos altos índices de aprovação dos alunos... bons tempos, em que o governo era grato aos esforços do professor. O clima era poeirento, rubro “pó-de-arroz”, ora lama linguenta, que encravava até carroça! Lugar rico em chuva, café, força do trabalhador, do imigrante... o dinheiro circulava na Três Barras. Também os ratos, sapos, cobras, besouros e peixes no Boiada. As amizades iam se consolidando: Tripolonis, Benedito Silva, Paulino Borri, Seu Dideca, Tunú, Carlito Moioli... Filho um só, parto de risco... mas muitos alunos e afilhados no pedaço. Nas festas da Virgem Aparecida, muita alegria, muita fofoca, fogos, leilão, danças.. Aos finais de semana jogos de carteado, de sábado à madrugada de segunda-feira. A casa da farmácia imersa numa nuvem de fumo, cigarros e muita prosa dos parceiros: Paulino Borri, Benedito Silva, Seu Dideca, Gildo, Odonel Pinheiro e outros. ......................... A professorinha com marido e filho mudam-se para a cidade, agora é professora do Grupo Escolar Barão de Monte Santo, apenas uma turma, trabalho mais ameno. Lá na roça ficaram os afilhados, as comadres, compadres, o pó vermelho e a lama linguenta. Logo trocou de lugar com a irmã Ivone, questão de saúde, foi pra Fazenda Contendas, dos Pereira Lima. Em pouco tempo captou a amizade e estima dos colonos e o respeito do propietário. Ali trabalhou muito e acabou por aposentar. Tinha agora três filhos, dois homens e uma mulher. O marido era sócio de grande farmácia, e eles habitavam a casa da farmácia. Depois compraram casa na rua Francisco Gomes, 558 (ex caso de Paulo Withaker). Vieram os netos e bisnetos... e o tempo começou a cobrar.. os cabelos negros já encaneciam. Ela sempre dizia: “...no tempo em que eu era pobre...”, comparando sua casa atual com a da Farmácia Santa Terezinha, láááá nas Três Barras... Agora membro da Ordem Terceira, missas frequentes, caridade de quem não sabia dizer não ao sofrimento alheio... ...................... O convite fúnebre é frio e exato: “Faleceu hoje... às... o sepultamento, etc, etc. Como diz Vinícius de Moraes no Poema de Natal: “Para isso fomos feitos Para lembrar e ser lembrados Para chorar e fazer chorar Para enterrar nossos mortos... Por isso temos braços longos para os adeuses Mãos para colher o que for dado Dedos para cavar a terra. Assim será nossa vida Uma tarde sempre a esquecer Uma estrela a se apagar nas trevas Um caminho entre dois túmulos Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve, ver A noite, dormir em silêncio. Não há muito que dizer: Uma canção sobre um berço Um verso, talvez de amor Uma prece por quem se vai... Mas que essa hora não esqueça E por ela nossos corações Se deixem, graves e simples. Por isso fomos feitos Para a esperança no milagre Para a participação na poesia Para ver a face da morte... De repente nunca mais esperaremos Hoje a noite é jovem, da morte, apenas Nascemos imensamente.” Walter Soares Carvalho 29/07/2004
Posted on: Tue, 15 Oct 2013 23:01:54 +0000