Há 22 anos que, a bem ou a mal, sou um contribuinte activo para as Finanças do meu país. Obedeço às leis e lá vou dando o meu “dízimo”, para que os senhores que a nação elegeu o possa gerir da forma que melhor entenderem. Durante todos estes anos, sempre me foram dizendo que estava tudo bem, que as minhas contribuições «eram muito úteis para a pátria». Sempre me garantiram que o meu dinheirito estava a gerar riqueza, a garantir Saúde e Educação, a providenciar apoio “aos menos favorecidos”. Estava tudo a ir tão bem que, além disto, também me prometeram coisas: que teria uma reforma, os cuidados sociais e de saúde que precisasse, um país moderno a cheirar a Europa, e até um TGV e aeroportos e coisas quejandas. Mas, de repente, tudo mudou. Afinal todo aquele dinheiro não serviu para nada. Pelo contrário: há um buraco tão grande no Orçamento que até tivemos que hipotecar a alma à banca estrangeira. E eu, inquilino pagante, muito justamente, revoltei-me. Então e os responsáveis ? Então quem mentiu, omitiu, branqueou, roubou, usurpou, desviou ? Dizem-me que não, que são os “condicionalismos dos tempos modernos”, que são coisas da macro-estrutura, da macro-economia, demasiado macro para os meus micro-problemas. Dizem-me para ficar “quietinho”, “cala-e-paga-e-não-bufes”, que “não há alternativas”, que estamos no “rock-bottom-da-fossa-das-marianas”, no fundo dos fundos dos cafundós. E que, ainda por cima, tenho que continuar a confiar neles. Que foram décadas de má gestão, sim, mas que “isso agora não interessa nada”, que agora “vai tudo ao sítio”. E que tenho que sorrir, porque podia ser pior. E que também há muita fome no Bangladesh e no Burkina-Faso. Nos dezes-de-junho, toca-se A Portuguesa e distribuem-se broas, loas e medalhas e, na televisão, apela-se “ao sentido de Estado”, num estado sem sentido. E eu aqui que me sossegue. Pode parecer maldade pura, mas garantiram-me que devo amochar porque é apenas “patriotismo”.
Posted on: Wed, 06 Nov 2013 02:01:45 +0000
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