"Há vários dias medito sobre as manifestações aqui no Brasil e - TopicsExpress



          

"Há vários dias medito sobre as manifestações aqui no Brasil e o quanto ainda estamos apontando muito nosso olhar para o governo, e falando menos do que poderíamos ou deveríamos sobre a força oculta onde realmente reside grande parte do poder mundial – o famoso “mundo corporativo”. E mais ainda, enquanto muitos de nós estamos dispostos a depor alguns de nossos governantes corruptos ou ineficientes, poucos estamos dispostos a dizer não e não consumir e nem trabalhar para empresas que estão por trás da corrupção, mas que nos pagam muito bem, sim senhor. Nos pagam como seus assalariados , como seus consultores ou nos financiando em nossas ações sociais. E a maioria delas se esconde por trás de um cortina de ferro, uma ilusão coletiva, chamada “mundo corporativo”. Como o “mundo corporativo” se tornou a baliza daquilo que é “sério” e “profissional”, questionar o modus operandi desse universo – a maneira como as pessoas dialogam, se vestem, os códigos de trabalho e conduta, os processos e formas de tomar e encaminhar decisões, as escolhas morais e éticas, os modelos organizacionais tão estudados pelos especialistas em business - é quase sempre um escolha de ser taxado de alternativo ou de café com leite. Mas vou me arriscar a fazer isso, dizendo de antemão que não me refiro a todas as empresas – públicas ou privadas – mas a todas onde esse texto encontrar alguma ressonância. E certamente são muitas. Portanto, não me refiro aqui ao ambiente corporativo como um contexto circunstancial de trabalho – em teoria, trabalhar para as empresas ou para as ONGs ou como autônomo deveria ser tão neutro quanto usar vermelho ou azul. Uma questão de gosto, de acordo com o perfil profissional, mas que em essência nutre os mesmos valores que qualquer ambiente que gere saúde individual e coletiva. Me refiro ao “mundo corporativo” como uma “quase religião”, que tem regras e mecanismos tão próprios que cede benefícios aos seus “iniciados” e deslegitima e desvaloriza aqueles que não compactuam de seus dogmas. Quando se trata deste “mundo corporativo”, fala-se de dialogar com ele, como algo que merece respeito e que vai mudar “aos poucos”, mas jamais de contestar ele – isso fica para o governo. Que pode ser uma força corrupta – mas, afinal, o governo deveria servir ao povo. E o povo, serve ao mundo corporativo. Um mundo pouco questionável, a não ser naquilo que já é estereotipado: indústria do cigarro, da bebida etc. Mas será que se investigássemos algumas das empresas às quais servimos, como consumidores, empregados, consultores, organizações patrocinadas, descobriríamos a mesma realidade revoltante que nos faz protestar contra o governo nas ruas de nosso país? Será que essa realidade está só nas grandes refinarias de petróleo ou também em algumas das micro, pequenas, médias e grandes empresas onde ganhamos nosso pão de cada dia? Nas empresas da área de saúde, alimentos e bens de consumo? Nas empresas que nos vendem os serviços e produtos do dia a dia? Será que temos paciência e coragem para fazer essa investigação? Claro que existem movimentos de boicote – à rede Globo, à Coca-Cola, à Nestle etc – mas que são muito menos apoiados e estruturados que os históricos movimentos políticos tradicionais. E que muitas vezes se referem à grande matriz mundial lá longe, em uma realidade paralela - mas e a empresa que me paga ou me fornece o entretenimento e o alimento de todo dia, que está aqui, bem pertinho? E juntando desde as pequenas empresas até às multinacionais, quem arrisca o próprio emprego – ou o próprio contrato, ou o próprio patrocínio – para deixar de alimentar um modelo que, segundo as pesquisas, adoece mais da metade das pessoas, gera suicídios e, como defende o documentário “The Corporation”, alinha-se com o diagnóstico clínico da psicopatia? E que ainda é o “jogador oculto” dos grandes casos de corrupção mundial, como mostra esse vídeo de uma das co-fundadoras da Global Witness? Quantos de nós arriscamos dizer não a um trabalho ou a uma proposta que vem de um fonte que está na cara que não é saudável? Se não fosse assim, por que eu já me peguei falando e escutando tanto de amigos empreendedores sociais e consultores frases como "infelizmente a gente tem que fazer trabalho para as empresas para ter dinheiro para fazer os outros trabalhos que a gente realmente gosta”? Esse é o tal “mundo corporativo” – ele é uma merda, mas é “inevitável”. Mas se a gente chamar isso de dogma, pega mal. Porque, afinal, esse mundo também tem o seu valor – o que, para mim, é pura racionalização a favor do dogma. Eu deixei de fazer trabalhos como jornalista para a Folha de S. Paulo quando percebi que (i) eu estava me tornando o tipo de personalidade arrogante que sempre critiquei e (ii) que uma notícia saudável dificilmente poderia ser escrita dentro de um ambiente de trabalho que, para mim, era clara e obviamente extremamente não saudável. É como querer ficar saudável bebendo água suja! E menciono o nome da Folha de S. Paulo de propósito aqui, porque quero fazer o meu voto de começar a falar abertamente o que penso e sinto – inclusive sobre o “mundo corporativo”. Que não é intocável – e sim, bastante digno de um bom protesto. E esse é um dos meus protestos – por que não falar abertamente sobre as empresas que nos incomodam (inclusive aquelas do qual depende nosso ganha pão), tal qual fazemos com os políticos que nos incomodam? Sem generalizar, eu já trabalhei e trabalho com ótimas pessoas no tal “mundo corporativo”. E sou muito a favor de dialogar com os diferentes mundos, e enxergar a razão e valor em cada um deles, e facilitar para que todos trabalhemos juntos. Também sou a favor de conversarmos sobre o queremos – mais do que ficar protestando contra o que não queremos. Mas quando isso é sincero e feito a partir da integridade plena de cada pessoa e ator social em questão. O próprio excesso de dedos que existe em se falar, questionar e criticar o mundo corporativo (inclusive a validade de sua existência e sua perenidade) de forma aberta mostra que não existe um diálogo empoderado entre as partes – e sim muita diplomacia ensaboada para não fazer feio diante do poderoso pai que pode nos patrocinar, nos dar status ou fechar as suas gloriosas e tentadoras portas para nós (tanto as portas do dinheiro como as da legitimação nossa como profissionais respeitados e sérios). Mas questionando mais um dogma: assim como o “mundo corporativo” nem sempre existiu, quem disse que ele sempre vai existir? Ou que ele continuará sendo a baliza do que é sério e profissional? Da vida real – ou da vida como ela é? Ou que ele continuará sendo umas das principais forças motriz, ou fontes de sobrevivência, de nossas vidas? Se esse tipo de questionamento aberto pode acontecer – não como forma de revolta, mas como forma de liberdade de pensamento e sentimento – então o tal diálogo intersetorial, o tal trabalho empático, pode de fato se dar. Se não, o diálogo já parte da raiz desempoderado, pois ele está amarrado pelos dogmas do “mundo corporativo”. E esse é meu protesto. Se a moeda em jogo é dinheiro e prestígio. Se é ter lastro para eu poder viver as coisas “que eu realmente acredito”. Se é ser valorizado como um profissional que sabe “dialogar com os diferentes mundos”. Se é me sentir adequado dentro do “perfil corporativo”. Se é me sentir trabalhando com “peixe grande” ou com “situações complexas” (porque eu já ouvi muito que quem trabalha no social não tem perfil para lidar com as situações mais “complexas e delicadas” do mundo corporativo). Se a moeda é tudo isso, o que está em jogo não é diálogo – é algo parecido com compra de voto. Só que em vez de voto, o que está sendo comprada é minha energia guerreira de sinceridade e transformação, de dialogar de forma íntegra e honesta, para ser domesticado como um educado e competente cidadão que sabe dialogar com o “mundo corporativo”, de forma séria e madura, como só as pessoas do “mundo corporativo” sabem fazer. Uma das frases mais irritantes que ouvi muito – e ainda ouço – é a frase: “isso não cabe no mundo corporativo”. Não sem uma dose de ironia, devo dizer que enquanto o ambiente corporativo genuíno -aquele que tem sim incoerências, mas que dialoga de forma franca e aberta, que revela seus verdadeiros propósitos, que busca seu desenvolvimento pleno e genuíno - cativa meu coração, e vou querer continuar trabalhando sempre para ele, este outro “mundo corporativo”, essa ilusão coletiva que eu mesmo alimento, feita de muitos implícitos, muitos não ditos, muitos reis nus, muita escravidão assalariada, muita dominação psicológica, infelizmente, não cabe no meu mundo. E como tenho a felicidade de, atualmente, só fazer trabalhos nos quais acredito muito, e que estão bastante alinhados com meu propósito – inclusive nas empresas – acredito que vou conseguir, cada dia mais, ser agora o mundo que acredito – e não mais tarde, quando o tal “mundo corporativo” resolver me ouvir. Sei que ainda sou bastante incoerente – inclusive com tudo isso que acabo de compartilhar (basta checar meu estilo de vida e de onde vem minha renda), mas o menor passo que eu poderia dar é este: o de me fazer essa provocação. Compartilho esse texto como desabafo e, também porque, quem sabe, há outras vozes que ressoam comigo nesta multidão." Gustavo Prudente.
Posted on: Fri, 12 Jul 2013 03:41:25 +0000

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