INICIAÇÃO NO JEJE-MAHI A iniciação de novas filhas nos - TopicsExpress



          

INICIAÇÃO NO JEJE-MAHI A iniciação de novas filhas nos candomblés jeje-mahi é mais difícil de acontecer que nos candomblés de rito nagô, a começar pela formação do “barco” de Vodunsì. No jeje-mahi de Cachoeira existe a tradição de que o “barco” só pode ser iniciado se formado por um número de elementos ímpar, ou seja, se for composto por três, cinco, sete... Vodunsì; no mínimo composto por três Vodunsì, não menos que isso. O mesmo procedimento não é encontrado nos candomblés nagô, que iniciam seus Iyàwó sem se preocupar com o número de elementos que formam o “barco”; costumam iniciar, também, só com um elemento, o que não era aceitos nos candomblés jeje. O segundo obstáculo que o não iniciado deve transpor é o fato de ter que “bolar” (desfalecer) ao pé da árvore (Àtinsá) pertencente ao seu Vodun e nela permanecer desacordado durante sete dias e sete noites. Os antigos afirmam que no passado a nova Vodunsì permanecia desacordada, sem comer, beber ou mexer, durante sete dias, caída ao pé da árvore de seu Vodun, ou dentro d’água, como já houve casos, de Vodunsì pertencentes a Vodun ligados à água. Durante esses sete dias de desfalecimento a mãe de santo não pode ir ver a noviça. A proibição se dá para que ela não sinta pena, devido ao estado em que a noviça se encontra, e queira de alguma forma ajuda-la, aliviando seu sofrimento. As futuras Vodunsì ficam sob os cuidados dos Ogan, que de vez em quando vão espiá-las para afastar algum inseto ou bicho que as estejam incomodando. Ao fim dos sofridos sete dias, debaixo de sol e chuva, as futuras Vodunsì que não acordaram e permaneceram neste estado de desfalecimento provocado por seu Vodun são carregadas somente pelos Ogan e entregues à mãe de santo para que dê início à “feitura”. As antigas do jeje alegam que, se a futura Vodunsì não conseguir passar por essa “prova”, não terá estrutura para vencer as “provas” seguintes. Os fon, no Daomé, chamam a recruta neste estágio de “Hun tio” (Vodun Cadáver). O terceiro obstáculo, talvez o mais difícil, é o tempo de iniciação da noviça. Antes, a iniciação da Vodunsì durava um ano e dois meses, sendo seis meses reclusa no Hùndeme (quarto sagrado) e depois seis meses do “lado de fora”, fora do Hùndeme, mas dentro da roça. Durante os primeiros seis meses. Confinada no Hùndeme, não era permitido à noviça ter contato com o mundo externo, apenas com as poucas pessoas que lhe assistiam, como a mãe de santo, a Deré e algumas poucas Vondusì, as mais antigas. Após seis meses, quando a Vodunsì já está preparada, há uma festa onde são apresentadas à comunidade. Nesta festa, o Vodun manifestado na nova Vodunsì grita bem alto para que todos ouçam o seu nome particular, que eles chama Hùn in e os nagô de Orúko. Após essa festa chamada de “dia do nome”, a Vodunsì ainda permanece seis meses ou mais na roça de candomblé, agora do “lado de fora”, tendo um contato maior com as pessoas. A Roça de Ventura, atualmente comanda por Gaiaku Gamo Lokosì, e o terreiro de Gaiaku Luiza, por força das circunstâncias, foram obrigados, de uns anos para cá, a diminuir o tempo de “feitura” de seus Vodunsì. A iniciação de Vodunsì passou a ser realizada sem seis meses, sendo três meses reclusa no Hùndeme e três meses fora, na roça ainda, cumprindo o resguardo. No jeje-mahi, em Cachoeira, a Vodunsì jamais pode ir à rua com o Groguê (ou Kokrê), que os nagô chamam de Kélê. Segundo Verger, a iniciação de um novo Elégun (aquele que pode ser “montado”, possuído, pelo Orisà), tanto no Brasil como na África (na região Yorubá), dura 17 dias. Começa e termina num dia dedicado ao Orisà, da semana Yorubá de quatro dias. A partir de sua iniciação e pelo resto de sua vida, a futura Vodunsì jamais será chamada por seu verdadeiro nome, por seu nome de batismo. Tal atitude é entendida como um sacrilégio, uma ofensa, para a Vodunsì. Chamar a Vodunsì por seu nome é como remetê-la a seu estado anterior de iniciação; é renegar, desprezar todo o sacrifício que ela passou para se iniciar. O novo nome da Vodunsì, o termo que deverá ser usado para identificá-la, se dá a partir do dia de seu desfalecimento (bolar), provocado por seu Vodun. A ordem de caída da futura Vodunsì ao pé da árvore (Atinsà) é que vai determinar seu futuro nome. A primeira a cair deverá ser chamada de Dofona, a Dofona do “barco”. A ordem dos nomes, conforme a caída, é a seguinte: Dofono/a, Dofonitinho/a, Fomo, Fomutinho/a, Gamo... etc. Este tipo de nomenclatura é próprio da nação jeje, embora algumas casas de culto nagô também façam uso dele. Nos candomblés Ketu, costumam chamar suas Iyàwós pelo nome de seu Òrìsà, pelo Orúko da Iyàwó. A ordem dos nomes independente do Vodun da Vodunsì. Por exemplo, se a primeira a cair pertencer ao Vodun Olisa, Òòsàlá para os nagô, um Òrìsà que é o último a dançar nos candomblés nagô, esta será a futura Dofona do “barco”. No jeje-mahi, a futura Vodunsì nunca “entra”, recolhe para iniciação, acordada, ou seja, ela deve estar desfalecida, em transe com seu Vodun. Há todo um simbolismo nesse desfalecimento, um rito de passagem do estado de não iniciada para o de iniciada. O desfalecimento da futura Vodunsì representa a morte, como se ela houvesse morrido e depois ressuscitado pela mãe de santo. Quando morre por sete dias, ao pé da árvore sagrada, morre para a vida antiga, para o seu passado e para seu antigo nome. O candomblé, através de sua mãe de santo, lhe dá outra vida, novo futuro e outro nome. Depois de iniciada, a Vodunsì do jeje-mahi nunca mais será a mesma: torna-se outra pessoa, com regras e deveras que deverá cumprir por toda a vida. Nos candomblés nagô não há a necessidade da futura Iyàwó “recolher”, “entrar” para se iniciar, desacordada, em transe, como ocorre nos candomblés jeje-mahi. Alegam que o único Iyàwó que deverá “entrar” desacordado é o Iyàwó pertencente ao Orisà Osumare, Bèsén/Dàn para os jeje. Nos candomblés jeje da Bahia, ao contrário dos candomblés nagô, não há o costume da mãe de santo iniciar muitos barcos de Vodunsì. Creio que o fator principal que dificulta a iniciação de um número maior de barcos, e, consequentemente, de Vodunsì, seja o tempo de reclusão. Antigamente, as Vodunsì ficavam recolhidas seis meses dentro do Hùndeme e seis meses fora, mas dentro da roça ainda. Rara foi a vez, em Cachoeira, que um barco “entrou” antes do barco anterior terminar seu ciclo de iniciação. As Gaiaku dos Ventura, assim como Gaiaku Luiza, durante seu mandato, iniciaram poucos barcos, mas formados por muitas Vodunsì. Há um ditado entre eles que diz: “No jeje não tira Vodunsì todo dia.” Este comportamento dificulta a perpetuação e a expansão do candomblé jeje-mahi. Os terreiros jeje, normalmente, são centrados, fechados em si. Se fecham, dificultando a entrada e a saída de seus filhos. Não fazem questão de iniciar muitos filhos, pois com isso aumentam a probabilidade que seus segredos (fundamentos sagrados) vazarem, se espalharem. Acreditam que é melhor ter poucos filhos bons que muitos filhos ruins. Mas se as filhas antigas forem morrendo e outras novas não são iniciadas, o terreiro corre o risco de se extinguir. Na Roça de Ventura, o número atual de filhas de santo é bem menor que no passado, devido à morte das mais velhas, à ida de algumas para o sul, mais precisamente para o Rio de Janeiro, e à entrada de umas poucas outras. Gaiaku Maria Ogorensi iniciou muitas filhas distribuídas em cinco ou seis barcos no máximo. Sinhá Abali deve ter iniciado quatro barcos e Gaiaku Pararaì nesta faixa também. Gaiaku Luiza, em seu terreiro Hùnkpáme Ayíonò Hùntóloji, iniciou, até agora, cinco barcos: o primeiro formado por sete Vodunsì, o segundo por cinco, e os três últimos, compostos por três Vodunsi. Durante o tempo de iniciação, a futura Vodunsi passa diversos atos, obrigações, entre as quais temos o Sakpokàn ou Sarakpokàn; Vivauê; Kán; Durá, Zò; Sanjebé; Grá ou Grau... O Sakpokàn ocorre sete dias após a iniciação da futura Vodunsì, 14 dias após sua caída na árvore. É a despedida da noviça como Abiyan e marca sua entrada ao som dos atabaques, manifestada com seu Vodun e dançando de forma desgovernada, desajeitada. O Sakpokàn também funciona como uma espécie de despedida, por parte da família da noviça, que só a verá novamente daqui a seis meses, no “dia do nome” do Vodun. Entre as obrigações jeje-mahi que o iniciado deverá passar, a mais intrigante, misteriosa, é o Grá. O Grá é uma entidade violenta, agressiva, que se manifesta na Vodunsì, somente no período de sua iniciação, durante três dias e próximo ao “dia do nome” do Vodun. Durante esses três dias, o Grá tem como objetivo matar a mãe ou pai de santo, que deverá ficar escondida nos aposentos da roça. O Grá é acompanhado pelos Ogans, Ekedis e Vodunsis antigos, que procuram cansá-lo ao máximo, fazendo-o cumprir certas penitências. Há um número certo de pessoas que poderão acompanhar o Grá, que durante estes três dias fica escondido e dormindo no mato, comendo o que encontrar pelo caminho. Daí a necessidade da roça de candomblé jeje-mahi ser espaçosa, com muitas árvores e mato. Semelhante ao Grá do jeje há o Inquita do Angola. O Grá assim como as pessoas que o acompanham, carrega consigo um porrete ou vara, que usa para agredir as pessoas e cumprir sua penitência. A penitência tem o objetivo de cansar o Grá, para que ele não tenha força e cause menos transtorno na roça. Enquanto o Grá cumpre sua penitência, algumas cantigas específicas são entoadas pelas pessoas que o acompanham. Depois de três dias procurando a mãe de santo para mata-la, o Grá tem o encontro tão esperado. Esse encontro se dá no Agbasá, onde a mãe de santo, sentada, espera por ele. É um momento muito difícil, pois se algo sair errado o Grá pode matar ou ferir a mãe de santo. No Agbasá, ao som dos atabaques, todos da roça esperam pelo Grá. Quando o Grá adentra o Agbasá, já fraco e cansado, não consegue atingir a mãe de santo, que, nervosa, não pode sair do seu lugar. É um momento de êxtase muito grande, onde a Vodunsì desfalece, caindo no chão. Os atabaques tocam com mais força e o Vodun, enfim, toma a Vodunsì caída. Há um alívio geral, o ato do Grá chegou ao fim. Há quem diga que o Grá é uma espécie de Erê, um Erê malvado. Outros dizem ser o Èsù do Vodun que se manifesta somente uma vez, na iniciação. O Grá pode estar relacionado com a loucura humana; pode não ser uma entidade que venha de fora manifestando-se na Vodunsì, e sim algo de dentro que esteja no inconsciente e aflore neste período. O porrete carregado pelo Grá é um símbolo fálico, representando a força, o poder... que é arrancado da Vodunsì. O Grá põe para fora todo o ódio, raiva, ira... que estava preso dentro da Vodunsì. Como se depois do Grá não houvesse mais raiva, maldade, dentro da noviça, ficando somente bondade, positividade, amor... Eles acreditam que, depois do Grá, nunca mais a Vodunsì vai passar fome; nunca mais vai dormir ao relento; nunca mais vai agredir a mãe de santo, seja fisicamente ou com palavras; pois o Grá levou isso com ele quando foi embora. O Grá deixa internalizado na Vodunsì que ela sempre será inferior à sua mãe de santo; que o poder, força, está com a mãe e não com a filha. Por exigência do culto jeje-mahi, não posso relatar o ato completo, do Grá, que é muito interessante e cercado de símbolos, gerando inúmeras interpretações. PALAVRAS DO MEU AMIGO Marcelo Mohamad
Posted on: Wed, 21 Aug 2013 23:36:10 +0000

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