Investigação mostra que Bayer vendeu remédio contaminado na - TopicsExpress



          

Investigação mostra que Bayer vendeu remédio contaminado na América Latina e na Ásia Walt Bogdanich e Eric Koli Uma divisão da empresa farmacêutica Bayer vendeu milhões de dólares de medicamentos com alto risco de contaminação por Aids para a América Latina e para a Ásia, em meados dos anos 80. O produto, que permite a coagulação de sangue de hemofílicos, já tinha sido substituído por versão mais nova e segura no Ocidente, de acordo com documentos obtidos pelo jornal "The New York Times". A divisão da Bayer, Cutter Biological, introduziu seu produto mais seguro em fevereiro de 1984, enquanto acumulavam-se evidências de que a versão anterior estava infectando hemofílicos com HIV. Mesmo assim, por mais de um ano, a empresa continuou a vender o medicamento antigo no exterior, levando uma agência reguladora americana a acusar a Cutter de romper sua promessa de parar de vender o produto. Segundo os registros, ao continuar vendendo a versão antiga do remédio salvador de vidas, a Cutter estava tentando evitar ficar com grandes estoques de um produto que se provava cada vez menos vendável nos EUA e na Europa. Mesmo depois de começar a vender o novo produto, a empresa continuou a produzir o antigo durante meses. Um telex da Cutter para uma distribuidora sugere uma das razões por trás da decisão: a empresa tinha vários contratos de preço fixo e acreditava que seria mais barato produzir o remédio antigo. Quase duas décadas depois, é difícil, se não impossível, avaliar o custo humano dessas decisões comerciais. Já não se pode encontrar o histórico médico de muitos pacientes. Como o teste da Aids só foi desenvolvido mais tarde, não se pode dizer quando os hemofílicos no exterior foram infectados com HIV - antes ou depois da Cutter começar a vender seu remédio mais seguro. No entanto, em Hong Kong e Taiwan apenas, mais de 100 hemofílicos pegaram HIV depois de usar o medicamento ultrapassado da Cutter, de acordo com registros e entrevistas. Muitos, desde então, morreram. A Cutter também continuou vendendo o produto ultrapassado na Malásia, Singapura, Indonésia, Japão e Argentina depois de fevereiro de 1984, segundo os documentos. "Esses são os documentos internos da indústria farmacêutica mais incriminadores que já vi", disse Sidney M. Wolfe, diretor do Grupo de Pesquisa de Saúde Pública, que vem investigando as práticas da indústria há três décadas. A Bayer, respondendo em nome da Cutter e de seu presidente na época, Jack Ryan, recusou-se a dar entrevistas, mas respondeu questões escritas. A empresa disse que a Cutter tinha "agido com responsabilidade, ética e humanamente", ao vender o produto no exterior. Cutter tinha continuado a vender o remédio antigo, disse a declaração, porque alguns clientes duvidaram da eficácia da nova droga e porque alguns países demoraram para aprovar sua venda. "Decisões feitas há quase duas décadas foram baseadas nas informações científicas da época e foram consistentes com os regulamentos vigentes", dizia a declaração. O remédio, chamado concentrado de fator VIII, essencialmente provê o ingrediente que o sangue de hemofílicos não tem para coagular. Ao se injetar com ele, os hemofílicos podem parar de sangrar e impedir hemorragias; alguns usam doses até três vezes por semana. O medicamento ajuda hemofílicos a levarem vidas normais. No entanto, no início da epidemia da Aids, tornou-se fatal. O remédio era feito a partir de plasma sangüíneo de 10.000 ou mais doadores. Como ainda não se testava o sangue dos doadores para o vírus da Aids, o risco de transmitir a doença era alto; mesmo um número minúsculo de doadores HIV positivos podiam contaminar todo o lote. Nos EUA, Aids foi transmitida a milhares de hemofílicos, muitos dos quais morreram, em um dos piores desastres relacionados a remédios da história. Apesar de não admitir erro, Bayer e três outras empresas do setor que produziam o concentrado pagaram aos hemofílicos US$ 600 milhões (cerca de R$ 1,8 bilhão), para resolver mais de 15 anos de processos judiciais acusando-as de produzir um remédio perigoso. Os documentos da Cutter foram tirados desses litígios. Alguns deles apareceram na televisão e nos jornais, nos últimos anos, em reportagens sobre as práticas de venda da Cutter. Mas como os documentos não tinham relação direta com os processos, a maior parte não foi investigada até que o "The New York Times" começou a questionar o assunto. Os documentos -memorandos internos, minutas de reuniões de marketing da empresa e telegramas para distribuidores estrangeiros- revelam a decisão da Cutter de continuar exportando o produto antigo, depois de ter começado a fabricar o novo, que era tratado com calor para matar o HIV. (As três outras empresas americanas também venderam concentrado sem tratamento por calor, mesmo depois de oferecer o produto tratado, mas há poucos registros disponíveis documentando suas ações e decisões). Médicos e pacientes contatados no exterior disseram que não conheciam o conteúdo dos documentos da Cutter. Bayer e outras empresas de produtos do sangue, apesar de não admitir erro, já fizeram alguns pagamentos a hemofílicos no exterior. Não está claro se a Bayer poderia agora ser responsabilizada por vender produto ultrapassado, depois de disponibilizar um mais seguro. Fiscais federais ajudaram a manter as vendas no exterior longe dos olhos do público, indicam os documentos. Em maio de 1985, acreditando que as empresas tinham rompido o acordo voluntário de retirar o remédio ultrapassado do mercado, o fiscal de produtos do sangue do Departamento de Alimentos e Drogas (FDA), Dr. Harry M. Meyer Jr., convocou-as para uma reunião e mandou que cumprissem a promessa. "Era inaceitável que enviassem o material para o exterior", disse Meyer, mais tarde, em documentos legais. Mesmo assim, Meyer pediu que a questão fosse "resolvida discretamente, sem alertar o Congresso, a comunidade médica e o público", de acordo com um relato da Cutter da reunião de 1985. Meyer disse que não se lembrava de fazer tal declaração. No entanto, no resumo de outra empresa sobre a reunião também consta que o FDA queria que a questão fosse resolvida "rápida e discretamente". Meyer morreu em 2001. Discussões dentro da própria Cutter questionavam se estava agindo eticamente. "Podemos, em boa fé, continuar a enviar produtos de coagulação não-tratados por calor para o Japão?" perguntou uma força-tarefa da empresa, em fevereiro de 1985, temendo que alguns de seus doadores de plasma fossem HIV positivos. Segundo os registros, a resposta foi sim. Juntos, os documentos fornecem uma visão interna das estratégias e esforços da Cutter para gerenciar o fluxo de informação, em meio à ansiedade do público quanto à segurança de seu produto. Quando um distribuidor de Hong Kong, no final de 1984, expressou interesse pelo novo produto tratado, Cutter pediu que o distribuidor "acabasse com seus estoques" do remédio antigo, antes de mudar para o "melhor e mais seguro", segundo os documentos. Vários meses depois, quando os hemofílicos de Hong Kong começaram a ter resultados positivos em testes de HIV, alguns médicos locais questionaram se a Cutter não estava desaguando produtos "contaminados" em países menos desenvolvidos. Mesmo assim, Cutter assegurou ao distribuidor que o produto sem tratamento por calor não apresentava "risco grave" e que era "o mesmo produto de qualidade fornecido durante anos". Li Wei-chun disse que seu filho, que morreu aos 23 anos em 1996, foi um dos hemofílicos de Hong Kong a desenvolver Aids depois de usar o produto. "Eles não se importaram com vidas na Ásia", disse Li em entrevista recente. "Foi discriminação racial." Tradução: Deborah Weinberg Fonte: The New York Times
Posted on: Tue, 06 Aug 2013 09:34:48 +0000

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