JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – LEI 9.099/95 PROCEDIMENTO - TopicsExpress



          

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – LEI 9.099/95 PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO.....SUPER RESUMO!!! O Juizado Especial Criminal (Jecrim) é o órgão competente para conciliação, julgamento e execução das Infrações de menor potencial ofensivo (art 60). Apresenta alternativas para a questão penal, como a reparação dos danos causados e medidas despenalizadoras. 1) Competência: A competência no Jecrim é determinada pela(o): 1.1) Natureza da infração penal: Infração de menor potencial ofensivo Previsão: art 61 da Lei 9099/95. Conceito: São todas as contravenções e os crimes cuja pena máxima abstrata não supera 2 anos; não importa se há cumulação ou não de multa; não importa se há rito especial ou não. 1.2) Inexistência de circunstância que permita o deslocamento para juízo comum, como por exemplo, foro por prerrogativa de função, impossibilidade de citação pessoal e complexidade da causa. 1.3) local em que foi praticada a infração penal -> art. 63 (teoria da atividade). 2) Princípios que regem o Jecrim 2.1) Oralidade: priorização dos atos orais em detrimento dos escritos – ofendido pode oferecer representação oral, denúncia ou queixa oral, alegações orais, sentença oral. Estes atos serão reduzidos a termo. 2.2) Celeridade: os atos processuais devem ser realizados em tempo breve, rapidez na execução dos atos. 2.3) Economia processual: obtenção de número máximo de resultados com o mínimo de atos possíveis. 2.4) Informalidade: dispensa-se o rigor formal; se atingir a finalidade do ato, é o que importa. -> ex: dispensado o relatório da sentença (art 81, §3º) . 3) Não incidência das regras e medidas despenalizadoras do Jecrim Há leis que excluem a incidência das medidas despenalizadoras da lei 9.099/95: a) Lei Maria da Penha (lei 11.340/06) -> art.41 b) Crimes militares -> art 90-A c) Estatuto do IDOSO: lei 10.741/03 – art 94 Atenção: a ADI 3.096/STF assim determinou: a redação do art. 94 deve ser interpretada nesse sentido: para os crimes cuja pena privativa de liberdade seja maior que 2 e menor que 4 anos, aplica-se o procedimento sumaríssimo sem a incidência das medidas despenalizadoras. 4) conexão e continência Havendo infração de menor potencial ofensivo conexa à infração da justiça comum, será remetido para o Juízo comum. Havendo infração de menor potencial ofensivo e crime doloso contra a vida, a competência é do Tribunal do Júri. Mas, em ambos os casos, de acordo com o art. 60, parágrafo único: mantém-se a aplicação da transação e composição civil dos danos. 5) Procedimento – art 69 e seguintes da lei 9.099/95 Há duas fases: uma preliminar e outra judicial 5.1) Fase preliminar será lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), que consiste em um resumo das declarações das pessoas envolvidas e das testemunhas (polícia judiciária) Visa obter elementos que atestem a autoria e a materialidade delitiva. O acusado prestará o compromisso de comparecer ao Jecrim em e dia e hora designados. Uma vez concluído o termo circunstanciado, a autoridade policial enviará ao Jecrim. O juiz dará vistas ao Ministério Público que poderá, inclusive, pedir o arquivamento. a) Audiência preliminar Com a presença do acusado/ vítima/ respectivos advogados/ Ministério Público, o juiz estimulará a composição dos danos, sugerirá que as partes se reconciliem, via indenização. Se obtida referida conciliação, será o acordo homologado por sentença (art 74). Se for Ação penal privada ou pública condicionada o acordo resulta em renúncia ao direito de queixa ou representação (causa de extinção de punibilidade) Se for Ação penal pública incondicionada: é causa atenuante (art. 65, III, b, CP). Se não obtida a conciliação, E a ação for penal PRIVADA: juiz suspende a audiência, adverte a vítima da necessidade de oferecer queixa-crime antes do decurso do prazo decadencial. E se a ação penal for Pública: segue com a possibilidade de oferecimento de transação penal pelo Ministério Público (art 76), antes de recebida a denúncia. O Ministério Público NÃO está obrigado a oferecer a Transação Penal pois: 1- poderá requerer diligências complementares, 2- poderá requerer o arquivamento do TCO por atipicidade ou falta de condição de procedibilidade, 3- remeter ao juiz competente se entender que não é IMPO; 4- recusar oferecer a transação penal por não preencher os requisitos, ocasião em que poderá fazer a denúncia, oral, na própria audiência. Superada a composição dos danos civil (quando aceita na Ação penal pública ou rejeitada em ambas), passa-se à fase da transação penal. b) TRANSAÇÃO PENAL conceito: é uma medida despenalizadora por meio da qual se aplica uma pena alternativa (multa ou restritiva de direitos) antecipadamente ao autor do fato, desde que ele aceite e concorde, evitando que este tenha que suportar um processo crime. É um acordo feito entre as partes. Trata-se de exceção ao princípio da obrigatoriedade da Ação penal. Há discricionariedade regrada do membro do Ministério Público. b.1) Hipóteses de cabimento Pelo art. 76, a transação penal é cabível apenas na ação penal pública incondicionada ou pública condicionada à representação. Mas há na doutrina e jurisprudência quem sustente ser cabível na ação penal privada também. não ser caso de arquivamento do TCO; não ter o autor condenação à pena privativa de liberdade nos últimos 5 anos; não ter sido o agente beneficiado, por outra transação penal , nos últimos 5 anos; indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, ser suficiente e necessária a medida; aceitação da proposta pelo autor da infração. b.2) Procedimento Na ação penal pública: o próprio membro do Ministério Público quem propõe; Na ação penal privada: a vítima/representante legal (o Ministério Público pode elaborar uma proposta de transação penal se a vítima não se opor) Se o Ministério Público não fizer a proposta, aplica-se analogicamente o art. 28 CPP. Não se admite transação penal extrajudicial/ nem aplicação de ofício, pois é um acordo. O juiz não pode alterar o teor da transação. b.3) Descumprimento da pena alternativa Se de multa: será executada Se Pena Restritiva de Direitos: remete para o Ministério Público oferecer denúncia e instaurar ação penal. b.4) Efeitos da sentença: A sentença que aplica a transação penal tem natureza homologatória e serve para registrar a concessão da pena alternativa. Desta decisão cabe recurso de apelação. Havendo concurso de agentes, a transação feita com um não se estende aos demais. OBS: efeitos da sentença que homologa transação penal: não gera reincidência; não gera efeitos civis, não gera maus antecedentes, esgota o poder jurisdicional do magistrado. b.5) Considerações finais Se for infração contra o meio ambiente, a proposta de Transação penal somente será permitida se houver prévia composição do dano ambiental. A aceitação da Transação penal pelo autor do fato não significa admissão da culpabilidade. CRITÉRIOS INSPIRADORES DA LEI N. 9.099/95 O processo dos juizados especiais orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Quando contempla os juizados especiais criminais, repisa quatro desses critérios – oralidade, informalidade, economia processual e celeridade – e acrescenta dois outros, mais específicos: a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não-privativa de liberdade. Dessa preocupação reiterada com determinados princípios, quatro deles significativamente enfatizados pelo legislador, já se permite extrair a ideologia da nova lei. Ela favorece o acesso à Justiça e, dependendo da amplitude de espírito dos operadores, importará revolução do Direito Criminal brasileiro. O fato de não ter sido renovada a enunciação dos ideais conciliatório e da singeleza no preceito dos critérios orientadores do Juizado Especial Criminal, não exprime terem dele sido arredados, conforme se verá. Daí justificar-se análise, ainda que superficial, de cada um dos signos inspiradores dessa nova realidade. A ORALIDADE A busca desse ideal de um processo que dispense os termos e os instrumentos reduzidos à forma escrita não é novidade. O difícil é a conscientização do operador jurídico, de que dele depende – e exclusivamente dele – atender à vontade da lei. O processo oral, por praxes arraigadas, comodismo das partes e outras causas, foi substituído por uma exacerbada escrituração. Há uma desconfiança natural na oralidade. Como se, também no concernente aos juizados, não pudesse merecer flexibilização a regra verba volant. Atente-se a que todos os comandos direcionados à efetiva oralidade não venham a ser substituídos pela juntada de defesa escrita, ou por produção escriturada de sentença. Ao assim fazer, o operador estará sacrificando não apenas o princípio da oralidade, mas também – e simultaneamente – o princípio da celeridade. E esvaziando os objetivos de uma lei que, bem aplicada, pode reverter o descrédito de que a Justiça brasileira se viu acometida nesta quadra histórica. A SIMPLICIDADE E A INFORMALIDADE A singeleza é também perseguida, arredando-se a complexidade ou a dificultação necessária à obtenção dos resultados visados. É preciso redescobrir a eficácia da simplicidade. Assim como se impõe certa informalidade, inimiga do formalismo estéril e estiolante das fórmulas destituídas de racionalidade. A seriedade da Justiça Penal, a relevância dos valores nela discutidos, não legitimam a complexidade ritual. Não se deve confundir simplicidade com leviandade ou ausência de profundidade. O Juizado Especial Criminal também deve se orientar pelo critério da singeleza, com redução de qualquer dificuldade ritual entre a prática da ilicitude e a conseqüência jurídica adequada. O legislador acolheu, de maneira explícita, a deformalização, assim entendida uma tendência universal em prol da facilitação do efetivo acesso à Justiça. Nos juizados especiais, mais do que nunca ou em outros juízos, tem-se por ponto de honra a eliminação de atos desnecessários e a flexibilização formal de todos os necessários: como disse Liebman e tenho a oportunidade de lembrar tantas vezes, "as formas são necessárias, mas o formalismo é uma deformação"6. Tenha-se presente, lembra Cândido Dinamarco, que Os juizados são filhos de um movimento desburocratizador que se instalou no país na década passada, com a ideia de que as complicações e formalismos processuais constituem inexplicáveis e ilegítimos entraves ao pronto e efetivo acesso à ordem jurídica justa. A CELERIDADE Se o processo for efetivamente oral, simples e informal, já terá obtido celeridade. Pois a lentidão da Justiça deriva, primordialmente, de adotar procedimentos escritos, complicados e excessivamente formalistas. A celeridade é a virtude que se cobra sempre da Justiça. Já advertia Ruy ser injustiça a justiça tardinheira. E o constituinte de 1988 elegeu como o primeiro dos critérios objetivos aferidores do merecimento do juiz brasileiro, a presteza na outorga da prestação jurisdicional. O mundo se entregou à voragem da pressa. De repente, o tempo se tornou escasso e precioso. As pessoas não podem permanecer, indefinidamente, na longa e angustiante espera, quando entregam sua liberdade, honra e patrimônio à apreciação da Justiça. A inconsciência institucional da gravidade dessa questão e a insuficiência no encaminhamento de soluções foram as causas do recrudescimento da exigência de um controle externo do Judiciário. Também diz com a lentidão da Justiça convencional a fuga do capital internacional à sua incidência. Judiciário inacessível ao excluído e excluído pelo detentor do capital acaba se convertendo num serviço descartável. A celeridade na Justiça Penal tem um aspecto de relevo: o fator preventivo ou coibitivo, resultante de aplicação retributiva ainda na flagrância da ilicitude. O ideal, para a Justiça Criminal, é abreviar o lapso entre o cometimento do delito e a efetiva sanção. O distanciamento entre os dois termos coincide com a impunidade, geradora de reiteração de condutas infracionais. Pois a falta de conseqüência prática para a atuação delitiva faz presumir a tolerância comunitária para com tais procedimentos. Estimulando os infratores e produzindo desalento para os atentos à ordem jurídica. Para permitir a celeridade, o legislador propugna por efetiva ampliação dos horários da Justiça, que poderá realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, a solicitação de atos em outras comarcas por qualquer meio hábil de comunicação, a redução dos atos escritos, a dispensa do inquérito policial, a concentração de todos os atos em uma única audiência e a impossibilidade de adiamento de qualquer ato. Além disso, transparece a preocupação do legislador com a reiterada utilização das expressões desde logo, imediata ou imediatamente. Essa constante só pode ter um sentido: dotar o Juizado Especial de uma presteza hoje inexistente na Justiça convencional. A ECONOMIA PROCESSUAL Outro valor que se pretende efetivamente fazer valer é a economia processual. Um mínimo de forma para se conseguir o melhor resultado. A inutilização das praxes e a concentração, num só momento, da apreensão, exame e solução da demanda. Um Estado pobre como o Brasil, que não consegue resolver seus problemas de uma miséria crescente e assustadora, não pode desprezar o objetivo de uma utilização racional dos instrumentos disponíveis. A Justiça não é diferente, nessa concepção, de nenhum dos outros bens da vida essenciais e assegurados ao homem pelo Estado. O conceito de economia processual moderno já não pertine exclusivamente à racionalização dos procedimentos. Diz também com uma concepção de reengenharia do serviço público, inspirada pelo ideal de produzir mais, com maior qualidade e a custo menor. A busca de enxugamento do Estado, a ética da modicidade no gasto público, tudo intensificado pelo crescimento da miséria, hão de estar pressupostas na implantação dos juizados especiais criminais. A insuficiência crônica de dinheiro público tem sido invocada para absolver as mazelas do Judiciário. A cultura do repasse, ao menos para os juizados especiais, já está superada. O legislador quer singeleza, informalidade e economia. Para isso basta vontade. Os equipamentos disponíveis mostram-se bastantes, desde que haja criatividade e consciência das exigências postas pelo momento histórico. A CONCILIAÇÃO Sobre a conciliação, nunca é demais enfatizar a sua plus valia, face às fórmulas tradicionais de obtenção do resultado justo. Solução conciliada é naturalmente aceita pelo contendor, diretamente responsável por havê-la alcançado. É muito diversa da solução ditada, sempre imposta pelo Estado, através de seu juiz. O talento conciliatório há de ser trabalhado entre os juízes mais jovens, embora também deva ser estimulado entre os já experientes. O velho figurino resistia ao empenho conciliatório, a pretexto de que o juiz poderia nele perder sua imparcialidade. Ao constatar relutância de uma das partes à proposta conciliatória, o juiz correria o risco de se indispor contra ela, preconcebendo a posterior vontade judicial. Outro óbice à adoção plena dessa intenção de obter composição entre as partes pertine ao dispêndio do tempo e ao sacrifício de uma sentença. Nunca dispondo de condições ideais de trabalho, às voltas com milhares de processos, o juiz pode ser levado a considerar desperdício o volume de horas empregado em tentativas suasórias. E o êxito na proposta o privaria de elaborar uma sentença, o único trabalho intelectual suscetível de exteriorizar sua erudição. Com isso, os graus superiores de jurisdição deixam de melhor conhecê-lo e aferir, objetivamente, o seu mérito. Essa mentalidade ainda existe e está a reclamar reconstrução. Não é esse o juiz com que a sociedade acena. Ele deve ser um solucionador de conflitos, tendo por referência o Direito, mas por objetivo a pacificação. Não existe mais lugar para o repetidor de regras, para o multiplicador da jurisprudência dominante. De nada vale a reiteração de decisões, o conhecimento da orientação pretoriana, se isso não está auxiliando a desafligir o aflito, a desangustiar o angustiado. A conciliação ganhou nova dimensão na Lei dos juizados, como já vinha crescendo em reformas processuais brotadas na sensibilidade de consciência do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e sua equipe da Escola Nacional da Magistratura. A voz autorizada de Fátima Nancy Andrighi está a ressoar: É forçoso reconhecer que a audiência de conciliação resulta na consagração do juiz como pacificador social, relegando a segundo plano sua função de mero aplicador da lei. O juiz precisa ser conscientizado de que a conciliação entre as partes passa a ser objetivo concreto da nova realidade da Justiça Criminal brasileira. Não é tarefa menor encaminhar as partes a uma composição recíproca, em que uma transigindo num ponto, outra cedendo noutro, atinjam o equilíbrio da solução consentida. Essa a alternativa para a Justiça do futuro, que não pode prescindir de mútuo acerto entre os interessados, na espontânea observância do Direito, que é natural vocação humana. A Justiça deve se reservar para as grandes soluções, para as decisões prospectivas, que acenem à comunidade qual a conduta a ser adotada em situação análoga. O Judiciário não pode ser convertido em panacéia, a tudo e a todos abrigando, na tendência de multiplicação da demandas, até se atingir o colapso do congestionamento integral. Pois no momento em que o Judiciário tiver de decidir todas as questiúnculas, não haverá recurso estatal suficiente para sustentar o equipamento a tanto necessário. Por isso é falaciosa a solução de multiplicar o número de juízes brasileiros. O juiz é equipamento estatal muito dispendioso. Não atua só. Ao contrário, para funcionar, demanda infra-estrutura considerável: secretaria ou cartório, funcionários, investimentos materiais e salariais. Um Estado de miseráveis como o Brasil deve racionalizar a produção de seus juízes, reservando-os para os atos decisórios e não subutilizando-os para funções burocráticas, perfeitamente exercitáveis por pessoal de apoio. Os juizados especiais, sob essa vertente, já constituem uma prospecção rumo à Justiça do futuro. Soluções informais e rápidas para as infrações de menor potencial ofensivo, com reserva do equipamento convencional para as soluções complexas – e menos céleres – dos delitos graves. Em lugar de mais juízes, invista-se em melhorar o juiz. Esse o verdadeiro investimento. Um juiz consciente, preparado e motivado multiplicará a sua capacidade de produzir e de transformar o ambiente em que atua. E é disso que o Brasil precisa: de juízes com aptidão para o novo design da Justiça, não acomodados burocratas apegados a uma visão corporativista desse Poder estatal. A experiência prática dos juizados será laboratório muito adequado à aferição do desempenho do magistrado brasileiro e de sua vocação para enfrentar o terceiro milênio, era em que a conciliação assumirá ainda maior relevo. Não é por acaso que, num ordenamento editado para vigorar no próximo século, a conciliação esteja em três das suas quatro grandes inovações: a composição civil, a aplicação imediata de pena alternativa e a suspensão condicional do processo. A TRANSAÇÃO As concessões recíprocas como instrumento para extinção de obrigações já existe no Direito Civil. O conceito técnico de transação é o de ato jurídico bilateral, pelo qual as partes, fazendo-se concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. Transplantada para o Direito Penal, ela não perde seus dois requisitos: a reciprocidade dos ônus e vantagens e a existência de controvérsia entre as partes. A transação não foi reiterada como critério inspirador do Juizado Especial Criminal, pois acolhida como instituto pioneiro no art. 76 da Lei n. 9.099/95. E sua aplicação mostra-se desejável. Deve ser estimulada e não dificultada. Como escreve Troplong, os julgamentos humanos são sujeitos a erro. A malícia dos litigantes pode surpreendê-los. Um passageiro esquecimento, um lapso involuntário no raciocínio podem falseá-los. Há sempre uma álea incerta nos procedimentos, ao lado da certeza das preocupações, das vexações e das animosidades, que constituem o seu cortejo. A transação será, pois, a solução mais acertada. A REPARAÇÃO DOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA Ao atuar no Juizado Especial, o juiz criminal terá também de se preocupar com a composição dos prejuízos suportados pela vítima. Deixe-se de lado a autonomia científica entre o Direito Civil e o Direito Penal, a autonomia das duas esferas em que operam. O ideal da lei é considerar uma solução contextual. Já agora, a responsabilidade criminal não prepondera sobre a responsabilidade civil. Concerne também à Justiça Penal perquirir se o infrator indenizou a vítima dos danos advenientes de sua ilicitude. A lei abriu espaço especial para a composição dos danos civis, resultado da conciliação a ser conduzida pelo juiz ou por conciliador sob sua orientação. Mesmo, porém, que a essa composição não se chegue, o juiz não poderá deixar de considerar a necessidade de restauração do patrimônio do ofendido ao status quo ante, pois a reparação do dano passa a ser condição obrigatória da suspensão condicional do processo, outra nova figura da Lei n. 9.099/9522. A vítima foi redescoberta pelo legislador processual penal, conforme assinala Ada Pellegrini Grinover. Até então, ela estava praticamente excluída das cogitações do julgador, quanto à solução a ser conferida à lide penal. Hoje, ela participa desse ato complexo que é a solução administrada, externando sua pretensão, reduzindo-a se for o caso, aceitando parcelamento e até sugerindo condições para o protaimento da atuação processual penal sob a forma de suspensão condicional. Não é o juiz quem fixará o valor da indenização. O primeiro juiz do prejuízo é o próprio ofendido. O juiz de direito poderá se utilizar da persuasão, da argumentação e das técnicas de convencimento das partes. Mas não poderá se substituir a elas, quanto a atingir o acordo. Isso exige desprendimento do julgador, largueza de compreensão para desvestir-se de sua roupagem tradicional, reformulação do conceito de angularidade hierarquizada da relação processual penal. Sem isso, as intenções da Lei n. 9.099/95 não serão atingidas. APLICAÇÃO DE PENA NÃO-PRIVATIVA DE LIBERDADE A prisão aflige, não corrige. Essa constatação corrente não obteve, junto ao Judiciário, nem consenso, nem reflexo sensível. O juiz brasileiro continua perplexo diante da exigência de segregação dos criminosos, presente na voz da comunidade quando exteriorizada nos mas media, contraposta à evidência de que o cárcere não recupera. Ao contrário: corrompe, retira ao infrator a sua dignidade de ser humano. As cadeias brasileiras constituem ultraje à ordem constitucional vigente, que inseriu a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de Direito. É um crime permanente que se pratica contra o objetivo fundamental de construção, em solo brasileiro, de uma sociedade livre, justa e solidária. É sempre mais cômodo refugiar-se na condição de servo da lei. A lei é dura, mas é lei. Habemus legem. Com isso, quase sempre olvidados os objetivos da pena – a recuperação do infrator –, atenuados os critérios de progressividade no regime de seu desconto e ignorado o dogma da individualização da pena, lança-se ao cárcere sem cerimônia. Até mesmo os espíritos mais sensíveis se tranquilizam, acreditando que a ficção da unificação da pena, resultante do crime continuado, cumprirá a tarefa de adequar o escarmento na fase de execução. E, de tanto ouvir que no Brasil a impunidade é a regra e que ninguém fica preso, cada qual procura cumprir com o seu dever, repassando ao Executivo a responsabilidade pela falência do regime carcerário. O juiz mandou para a cadeia. Se o Executivo não cumpre os mandados de prisão, nem providencia vagas no sistema, a culpa não pode ser atribuída ao Judiciário. A partir da vigência da Lei n. 9.099/95, até o mais rígido positivista defrontar-se-á com outra – e antípoda – realidade normativa. Há uma lei agora, impondo como critério para o juizado especial criminal a aplicação de pena não-privativa de liberdade. Essa é a vontade da lei. Norma produzida pelo poder competente, segundo as regras do processo legislativo de índole constitucional e que atravessou incólume as barreiras aferidoras da compatibilidade com a ordem fundante. Passou pelas comissões legislativas, notadamente a de Constituição e Justiça. Sobreviveu ao controle constitucional realizado pelo Executivo, que a sancionou. Está subsistindo ao controle jurisdicional, pois não se lhe vem negando vigência. O Ministro do STF, José Celso de Mello Filho, um dos onze homens encarregados pelo sistema de guardar a Constituição e constitucionalista renomado, antes mesmo de assumir aquela curul, aplicou-a e, ao fazê-lo, não apontou qualquer vício de incompatibilidade manifesta com o pacto que é fundamento de sua validade. Tudo indica se deva cumprir, sem tergiversações, a vontade do legislador, direcionada a evitar o cárcere. Advirta-se: não se faz o apanágio da impunidade. Criminosos há que não podem permanecer fora da prisão. Mas infratores há que nela não podem ingressar. E para esses o novo diploma. Damásio Evangelista de Jesus, penalista emérito e delegado brasileiro ao 9º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, vem sustentando a possibilidade de aplicação de muitas outras penas alternativas à prisão. Dentre elas, salientam-se: 1) prestação de serviço à comunidade; 2) limitação de fim-de-semana; 3) interdição temporária de direitos; 4) multa, mediante recolhimento aos cofres públicos; 5) verba indenizatória, destinada à vítima; 6) reparação do dano; 7) tratamento de choque – penas privativas de liberdade de curta duração; 8) tarefa – por exemplo, visita a hospitais, a residências de vítimas de trânsito, a obras assistenciais, a empresas e escolas; 9) proibição de freqüentar determinados lugares; 10) exílio local, ou confinamento; 11) freqüência a cursos profissionalizantes; 12) prisão domiciliar; 13) prisão descontínua; 14) admoestação pública ou privada; 15) retratação ou pedido de desculpas; 16) entrega de quantia em dinheiro para instituição de utilidade social; 17) entrega de quantia em dinheiro ao Estado, com destinação específica, como o subsídio à formação educacional, a atividades assistenciais ou artísticas; 18) pagamento de cestas básicas ou cobertores a instituições de caridade; 19) perda de direitos; 20) expulsão do território; 21) suspensão e privação de direitos políticos; 22) freqüência a cursos escolares; 23) multa assistencial, destinada a instituições públicas ou privadas de assistência social; 24) perda de cargo, função ou mandato eletivo. A imaginação criadora da intelectualidade há de ser conclamada para propostas concretas de formulação de sistema de penas mais original e menos falível do que o cárcere. Esse há de ser reservado para criminosos de alta periculosidade e para situações excepcionais. Pois já provou sua falência e inaptidão às finalidades da retribuição jurídica pelo mal causado, consistindo hoje em obsolescência incompatível com o atual estágio civilizatório. O juiz, contudo, é o operador jurídico de quem depende a implementação dessa nova realidade. Sem que se impregne do seu papel na concretização de um novo estágio no sistema penitenciário, de pouco terá adiantado o empenho do legislador. E para auxiliá-lo a assim refletir, basta novamente invocar o fenômeno da miséria. Os milhões de brasileiros excluídos do sistema produtivo e sem ter por si senão uma proclamação retórica dos direitos humanos, privados da fruição até daqueles denominados de primeira geração – vida digna, liberdade plena, igualdade jurídica, segurança possível e propriedade mínima – necessitam de outros investimentos estatais, não de cárceres. O dinheiro que se aplica em cadeia deve ser canalizado para escolas, hospitais, saneamento básico, habitação. Não se pode pensar em colocar no cárcere todo infrator. Rememore-se a função da cela: abrigar, provisoriamente, o réu, até seu julgamento. Trancafiar não soluciona o problema do preso e aflige a comunidade, obrigada a sustentar um dispendioso sistema. Ainda recentemente, Gilberto Dimenstein analisava o fenômeno norte-americano de superlotação das prisões, com o povo bradando por construção de novas penitenciárias, sem que o Estado possua os necessários recursos. A nossa situação é muito mais aflitiva do que a dos Estados Unidos. E a nossa comunidade muito mais carente. Motivo por que a pena alternativa de prestação de serviços à comunidade e o escarmento pecuniário satisfazem duplamente nossa contingência. Poupa-se o que seria aplicado em prisão e reduz-se a pobreza e a marginalização, em busca de sua erradicação. Existe mesmo uma vertente educativa nesse atuar do juiz. Na sincera procura pela conciliação, pela transação penal, pela composição civil dos danos ou pela suspensão condicional do processo, ele poderá motivar os interessados a ingressarem numa cruzada de redenção dos excluídos. Essa missão não se exteriorizará na sentença, mas talvez seja muito mais significativa do que a decisão tradicional, imune a tais cogitações. O JUIZ E OS QUATRO REMÉDIOS DA LEI N. 9.099/95 A doutrina é unânime ao apontar as quatro medidas despenalizadoras como a principal contribuição concreta da lei para a implementação de um novo design de processo criminal no Brasil. São elas: a composição civil, com o resultado da extinção da punibilidade – artigo 74 e parágrafo único –, a transação penal do artigo 76, a imprescindibilidade de representação para as lesões corporais culposas ou leves previstas no artigo 88 e a suspensão condicional do processo do artigo 89. Além delas, acrescenta Ada Pellegrini Grinover a descarcerização do parágrafo único do artigo 69, impedindo a prisão em flagrante ou a exigência de fiança para o autor do fato imediatamente encaminhado ao juizado ou que assuma o compromisso de a ele comparecer. A lição doutrinal ganhou amparo pretoriano da mais elevada significação. Ementa da decisão no Inquérito 1.055-3, relator o Ministro Celso de Mello, está assim redigida: Esse novíssimo estatuto normativo – a Lei n. 9.099/95 – ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras prevista na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia dos institutos: (a) da composição civil (artigo 74, parágrafo único); (b) da transação penal (artigo 76); (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (artigos 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (artigo 89). Não se controverte a natureza híbrida – material e processual – dessas normas, nem o seu âmbito de incidência dilargado, para incidir também noutros delitos, que não os de menor potencial ofensivo, menos ainda a retroatividade benéfica aparentemente consensual. O que se procurará mencionar será a postura do juiz diante desses verdadeiros remédios contra o mal do encarceramento do pequeno infrator. A COMPOSIÇÃO CIVIL O juiz criminal agora também deve se preocupar com a composição dos danos civis, tema até há pouco de remoto, ou apenas de seu reflexo interesse. O espaço de consenso criado pela presente sistemática de resolução de conflitos penais de menor intensidade será preenchido, prioritariamente, pelo acerto de contas entre infrator e vítima. Acerto de contas que deixa de ser objeto exclusivo da imposição da vontade estatal, para assumir feição de ajuste pessoal entre os envolvidos na cena delitiva. Esse acerto de contas é moral, por privilegiar a ética do consenso. Reitere-se o óbvio: a solução conciliada é, por sua autonomia, eticamente superior à solução ditada, caracterizada pela heteronomia. Mas é também civil, importando em ressarcimento do ofendido, quando possível. E prepondera o interesse da completa indenização, a ponto de constituir renúncia ao direito de queixa ou representação a homologação do acordo, quando se cuide de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação. Os doutrinadores não têm tratado da questão da indenizabilidade do dano moral. Entendo deva ser contemplada. A indenizabilidade do dano moral já é admitida pela normatividade brasileira. Carlos Alberto Bittar faz percuciente estudo a respeito. Inclusive assinalando o dever do juiz de atribuir um equivalente pecuniário como reparação do dano moral, o que constitui a chamada patrimonialidade por via indireta. Também vejo com clareza a possibilidade de o juiz estabelecer uma forma de reparação do dano causado a entidade pública, ou a uma coletividade indivisa de prejudicados. Conforme o prejuízo – no crime de dano, por exemplo – haverá possibilidade de restauração da coisa lesada ou o replantio da vegetação. Nas hipóteses de colisão contra postes ou bens públicos, embora figure como vítima a pessoa ferida que deixará de representar, o juiz deveria suscitar a proposta de uma reparação dos danos. Pois o objetivo da lei também é gerar uma solução de compromisso, fazendo com que os protagonistas da infração, auxiliando o encaminhamento do acordo, sintam-se comprometidos com a tarefa de reconduzir as coisas ao estado anterior à pratica do delito. Tanta importância deu o legislador à reparação dos danos, que propiciou a chamada do responsável civil ao mesmo feito, modalidade até então inexistente no processo-crime e direcionada à completeza do ressarcimento do prejuízo da vítima. O julgador pode se servir do conciliador no tratamento dessa proposta de composição civil dos danos. Somente aqui é que tem lugar a atuação desse auxiliar da Justiça. E não é apenas em relação à ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação que tem lugar a composição dos danos. Também deve existir na ação penal pública incondicionada e constitui uma das condições da suspensão condicional do processo. Se recomendação pudesse ser feita ao juiz, seria no sentido de conferir interpretação muito estreita à parte final desse inciso – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo. O ideal seria haver sempre e inevitavelmente a reparação. Raras serão as hipóteses de sua impossibilidade, se os juízes tiverem criatividade, meditarem sobre os valores vulnerados pela conduta infracional do réu e as instâncias superiores estiverem abertas para acolher as novas formulações condicionadoras do benefício da suspensão. Em síntese, há de o juiz compenetrar-se de que no âmbito da Lei n. 9.099/95, a reparação do dano alcança uma dimensão nunca antes experimentada em nosso sistema jurídico. Na audiência preliminar, presente o Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, sempre que possível, precisamente para essa finalidade, o responsável civil, todos devidamente acompanhados de seus advogados, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade de composição dos danos civis. Isso representa uma inversão de polo temporal de magnitude considerável. Se, na vigência exclusiva do Código de Processo Penal, a ação civil reparatória era gerada a partir da ação penal, doravante, para a satisfação do ideal de composição das partes, em diversas situações essa será obstativa de ambas as ações. Não se trata de mera inversão, mas de substituição do sistema. A APLICAÇÃO IMEDIATA DA PENA A possibilidade de uma proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, contida em proposta ministerial, abriga a chamada transação penal, a que já se referiu. A lei não abrigou o guilty plea ou o plea bargaining, como bem preleciona Ada Grinover: O Ministério Público, nos termos do artigo 76, continua vinculado ao princípio da legalidade processual (obrigatoriedade), mas sua proposta, presentes os requisitos legais, somente pode versar sobre uma pena alternativa (restritiva ou multa), nunca sobre privativa de liberdade. Como se percebe, ele dispõe sobre a sanção penal original, mas não pode deixar de agir dentro dos parâmetros alternativos. A isso dá-se o nome de princípio da discricionariedade regulada ou regrada. Encontrando-se preenchidas as condições elencadas na Lei, a formulação da proposta constitui direito subjetivo do réu. Embora a doutrina se manifeste no sentido da impossibilidade de proposta de transação de ofício pelo juiz, ponderáveis os argumentos de Ada Grinover e Maurício Antonio Ribeiro Lopes, mostra-se razoável o acolhimento dessa possibilidade. Ela condiz com os objetivos da Lei n. 9.099/95, não devendo impressionar o julgador a circunstância de vulnerar postulados como o do monopólio da ação penal pública. Pois a Lei veio para assegurar a expressiva transformação do processo penal por todos entrevista, despenalizando, descarcerizando e transformando algumas infrações criminais em meros ilícitos administrativos. Razão assiste, assim, ao eminente Juiz Ary Casagrande40, quando sustenta em voto vencido o cabimento da proposta de ofício, baseando-se no magistério de Damásio e de Luiz Flávio Gomes. Para o ilustre julgador, a proposta de suspensão do processo é uma faculdade do Ministério Público. Entretanto, é um direito do réu. Este, preenchendo os requisitos exigidos pelo artigo 89 e §§ da Lei n. 9.099/95, tem o direito de requerer a suspensão, mesmo quando o órgão acusador não elabora a proposta. O juiz é obrigado a apreciar o pedido de suspensão do processo, desde que exista proposta ministerial ou requerimento do réu. Se o Ministério Público não efetuar a proposta, e o acusado não a solicitar, o juiz, por se tratar de um direito do réu, tem o dever de propô-la de ofício. A obrigação decorre do fato de que qualquer direito do réu, em matéria penal, tem de ser apreciado pelo Poder Judiciário, ainda que não tenha sido objeto de pedido explícito. A utilização analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal não parece sensata. O seu objetivo é a integral observância do princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Quando o promotor deixa de oferecer denúncia, não vulnera direito do indiciado. Entendendo que a pretensão punitiva deva ser exercida, o juiz submete a apreciação da proposta rejeitada de arquivamento ao chefe do Ministério Público. Ao contrário, quando o promotor deixa de oferecer a proposta, está, imediatamente, vulnerando direito subjetivo do réu. E a autoridade preordenada pelo sistema para apreciar as lesões ou ameaças a direito é o Judiciário, não o chefe do Parquet. Subordinar-se o direito subjetivo do réu à transação penal ao Procurador Geral de Justiça, além de ferir a ordem constitucional, ainda desvirtua o espírito da Lei n. 9.099/95. Ela é inspirada em despenalização, descarcerização e celeridade. Todos esses princípios restam sacrificados quando se aplica a esdrúxula interpretação analógica em prejuízo do pequeno infrator. A REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO Providência de enorme alcance foi subordinar a ação penal, em crimes de lesões corporais culposas e leves, à representação do ofendido. Ouviu o legislador o intenso clamor de quantos se defrontavam com a insensata situação de, após causarem ferimentos em pessoas queridas, ainda percorrerem as angústias de um processo criminal. Também os pequenos ferimentos colhidos em rusgas domésticas podem merecer outro tratamento, conferindo-se à vítima condições de refletir sobre as conveniências e inconveniências do processo-crime. A necessidade de representação da vítima como condição de procedibilidade, para os feitos ainda não iniciados, e como condição de prosseguibilidade, para os feitos em curso, foi por todos os operadores reconhecida consensualmente. É instituto dotado de autonomia e cujo âmbito de incidência ultrapassa os lindes do juizado especial. Como lex mitior, tem incidência retroativa e, omitindo-se o ofendido em representar, opera-se a decadência superveniente. O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, aplicando o disposto no artigo 91 da Lei n. 9.099/9546, converteu em diligência todos os processos por lesões corporais culposas ou leves, com a finalidade de obtenção da representação do ofendido. Se a vítima ofereceu representação, o feito é julgado por algumas das Câmaras. Outras convertem novamente em diligência para a possibilidade de aplicação das demais normas benéficas da Lei. Outras, ainda, quando da primeira conversão, já determinaram ao juízo de origem diligência para a integral observância do novo diploma. Ao silêncio da vítima, ou à manifestação do desinteresse em representar, tem-se decretado a extinção da punibilidade por operar-se a decadência ou a perempção. Alguns juízes de primeiro grau, todavia, têm decretado a extinção de punibilidade na origem, sem determinar o retorno dos autos à segunda instância. Essa não é a solução mais técnica. O juiz de primeiro grau, ao receber o recurso, devolveu a jurisdição ao segundo grau e dela já não dispõe quando os autos retornam em diligência. A opção correta é, certificada a falta de representação ou a renúncia a ela, determinar que os autos voltem ao tribunal, ora detentor da jurisdição. A maior parte dos juízes brasileiros viu com certo alívio a imprescindibilidade de representação, pois foi liberada da tarefa incômoda de punir o pai causador de acidente em que seu filho se ferira, ou denunciado por tentar corrigir um rebelde rebento ou, ainda, de condenar a mulher por eventual agressão ao marido. Quase sempre, quando os vestígios desses ferimentos já não residiam na realidade fenomênica, nem no ressentimento dos perplexos envolvidos. A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO O Direito Processual Penal conhecia a suspensão condicional da pena, possibilidade de procrastinar a inflição do castigo a réu já condenado. Surge agora a suspensão condicional do processo, prévia à ação penal, medida salutar de economia processual, com que o juízo se preserva de instrução lenta, dispendiosa e de inócuo alcance prático. As finalidades do novo instituto foram bem apreendidas por Ada Grinover: (...) são múltiplas: evitar a aplicação da pena de curta duração, reparação dos danos em favor da vítima, desburocratização da Justiça etc. De todas, a mais marcante consiste em evitar a estigmatização derivada do próprio processo. Como conseqüência, acaba evitando também a estigmatização que traz a sentença condenatória. Conforme já se observou a respeito da transação penal, se os requisitos da lei estiverem satisfeitos, o réu tem direito subjetivo à suspensão do processo. E se o promotor não a propuser, incumbe ao juiz propô-la de ofício, vedada a utilização analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal, pelos mesmos motivos retro indicados. Novamente abre-se ensejo para o juiz exercer o seu talento conciliatório. Deverá munir-se de paciência e disponibilidade para o encaminhamento da proposta, para argumentar com o réu no sentido da oportunidade que o sistema está lhe oferecendo de regeneração. Pois a expiração do prazo de prova, sem revogação da suspensão, importará em decreto de extinção da punibilidade. As tratativas em torno a essa suspensão não podem ser convertidas em ritual vazio de sentimento. Não pode ser automática e burocratizada essa proposta. Deve ser o cenário para reflexão do conteúdo da Justiça criminal, com a nova conformação que lhe conferiu o legislador. É também o momento de alertar o réu de que a legislação retrocederá, se a prática vier a demonstrar que o compromisso assumido não estava prenhe do propósito de não mais delinqüir e de minorar os males da ilicitude cometida. O juiz não está diante de uma norma fria, meramente procedimental, mas de significativa alteração de rumos. O réu, de objeto do processo penal, passa a ser seu ativo partícipe. A vítima, de excluída do sistema de apuração de responsabilidade criminal, é chamada a protagonizar função de relevo na definição dos custos do crime. Custos morais, custos civis e custos sociais, que ela ajudará a compor quando reclamar indenização. O promotor tem atenuado o seu monopólio da ação penal, mas deve dinamizar a sua tarefa apuratória, o seu papel institucionalmente dilatado pela Constituição de 1988. Os advogados têm sua estratégia defensiva também reciclada. A defesa já não se fará apenas nos autos, mas o desempenho oral foi intensificado. Cumpre-lhe advertir o réu de seus novos direitos, mas de suas obrigações dilargadas e do superveniente compromisso, agora como um dos administradores da justiça criminal. É o juiz, todavia, o operador jurídico de quem mais se está exigindo. À ampliação evidente de seus poderes, corresponde um novo traçado nas atribuições. A primazia está na aceleração do processo, na eficácia de seu talento conciliatório, no desenvolvimento de suas aptidões de negociação, no desvestir-se de uma concepção antiquada de poder, para envergar o talhe do solucionador de conflitos. Se não estiver bem consciente disso, de nada terá valido a edição dessa lei ou de qualquer outra, enquanto mantido o arranjo de poderes que, paradoxalmente expresso na Constituição, vai a cada dia sofrendo evidentes e efetivas mutilações. O JUIZ E A INTERPRETAÇÃO DA LEI N. 9.099/95 Está sendo reclamada do juiz brasileiro enorme capacidade de humilde auto-análise. As críticas voltadas à insuficiência do Judiciário na satisfação das demandas estão deixando o discurso para se abrigar na lei. E a lei tem componente fetichista bastante claro na formação do juiz. Este ainda se considera a boca que fala as palavras da lei ou mero escravo da lei. Até os mais ortodoxos positivistas, portanto, são desafiados a aplicar uma nova Lei cujo ideal parece sepultar alguns dogmas na Justiça Criminal. A Lei não está voltada somente para os juizados especiais. Ela impregna todo o ordenamento criminal e processual penal. A primeira atitude do juiz brasileiro, diante desse diploma, é despir-se de qualquer preconceito. Sentimento nutrido em relação ao réu, ser inferior que delinqüiu e do qual o juiz é instrumento de purgação, quando o submete a um processo de degradação. Preconceito contra o legislador, cuja produção defeituosa compromete o trabalho do juiz. Preconceito contra o advogado criminal, por uma nem sempre bem compreendida resistência oposta à pretensão punitiva. Quantas outras visões preconceituosas vão se agregando à estratificada atuação de um agente privilegiado pelo sistema, reverenciado na praxe do foro e vítima de um isolacionismo que chega a ser deformação funcional? Liberar-se dos preconceitos é a primeira tarefa. Afinal, eliminar preconceitos é um dos fundamentos da República do Brasil. O constituinte vedou qualquer posição preconceituosa e o juiz é também destinatário desse preceito fundante. Imbuído de humildade, o juiz tentará apreender os motivos ensejadores do surgimento dessa nova lei. A imersão no momento histórico, nos valores ambicionados pelo legislador, poderá conduzi-lo a uma interpretação teleológica do estatuto. Pois a tarefa interpretativa é atuar inserido no ambiente histórico de sua aplicação. A História brasileira está fazendo exigências concretas de uma renovação no Direito Penal e no processo de sua aplicação. Tais exigências corporificaram-se na Lei n. 9.099/95. Ao juiz incumbe aplicá-la, dentro de uma lógica concreta. Pois de uma lógica abstrata não será o caso de falar-se, a propósito da interpretação da norma penal. Se o escopo é buscar o significado de um querer encerrado no cerne da norma, não se colhe o próprio querer na linha de um procedimento lógico-formal, porque a vontade da norma apresenta uma direção finalista enquanto tutela de um valor. A lógica do intérprete deve endereçar-se também a esse valor, que dá tom e característica ao querer da norma; deve ser portanto uma lógica finalista, uma lógica teleológica. Isso não constitui novidade para o juiz criminal. Já o clássico Maggiore lembrava que o ato interpretativo, que é vivificação da lei, não é um círculo frio de conceitos, que se realiza com os recursos da lógica formal: pelo contrário, é movido por forças interiores, sentimentais, voluntárias, irracionais, emotivas, cuja soma constitui a humanidade, a justiça, a caridade. Tais lições tendem a ser esquecidas diante da proliferação das demandas, com vínculos na crescente violência e na penalização das condutas. Quando o juiz é um produtor em massa de sentenças calcadas numa rede normativa também massificada, torna-se difícil o processo interpretativo como fruto de serena meditação. Principalmente quando detecta ele o clamor da comunidade, exigindo para o infrator penas cada vez maiores e prisão sempre mais prolongada e se possível perpétua. Tais paradoxos da sociedade contemporânea constituem desafio talvez não pressentido pela integralidade dos juízes. Como aplicar uma norma despenalizadora e descarcerizadora para uma comunidade que, acessando a mídia, prega a pena de morte? Esse é um dos dilemas presentes do juiz brasileiro. O paradoxo, porém, é apenas aparente. Se o juiz, impregnando-se dos valores e objetivos abrigados pela Lei n. 9.099/95, vier a aplicar adequadamente os comandos da lei, o conseqüente descongestionamento do Judiciário reverterá em satisfação das demais demandas. Em tese, o juiz, libertado dos milhares de processos derivados de ilicitudes leves, poderá dedicar-se à apuração das ilicitudes pesadas. A retribuição imediata pela pequena infração poderá coibir sua prática reiterada e também alertará o infrator de que o mesmo ocorrerá no concernente à infração mais grave. Condutas criminosas complexas, de repercussão ampliada na sociedade por sua repercussão em direitos e interesses de muitas pessoas – os crimes de colarinho branco, por exemplo – poderão ser objeto de mais detida apuração e se reduzirá a impunidade. A eficácia da proposta só poderá ser sentida depois de razoável experiência. E esta apenas será produzida por consciências sensíveis. É momento de os espíritos desarmados procurarem cumprir a vontade da lei. Convencendo-se de que ela reflete ao menos uma das vertentes a serem exploradas no aperfeiçoamento da Justiça Criminal. Parece ter sido feita uma opção: alivie-se a pressão sobre o mal menor, para poder reprimir efetivamente o mal maior. Pode não ser a solução para os males que afligem o homem neste final de milênio. Há de se reservar espaço para a voz dos inconformados com essa alternativa. Em tema de tornar a vida humana cada vez mais digna de ser vivida, não há receita infalível. Todavia, o legislador lançou um repto não ao Judiciário como instituição, facilmente despersonalizado, com diluição das responsabilidades. A comunidade, por seu legislador, conclamou cada juiz brasileiro a vivenciar essa nova prática. Para isso, ele não depende – nem pode esperar – por uma reação imediata e eficiente dos tribunais. Estes não são treinados a reagir prontamente às modificações legislativas. Pouco ágeis, administrativamente defasados, não trabalham com noções comuns na atividade privada: estratégias, planejamento, concretização da vontade. Para observar a Lei n. 9.099/95, o juiz depende apenas de sua vontade despertada pela consciência. Consciência que, movida pela sensibilidade, será fator de implementação das providências a cargo das cúpulas. Consciência que, em síntese e de forma inexorável, forçará a instituição a reciclar-se, para poder subsistir. CONCLUSÕES O legislador parece haver cometido ao Judiciário a tarefa de resgatar suas mazelas, quando acenou, ao editar a Lei n. 9.099/95, com uma nova concepção de atuar jurisdicional. Abandona-se o padrão arcaico do juiz inerte e apenas reativo à provocação do interessado, enclausurado no refúgio de um saber só acessível a iniciados, colecionador de mitos e insensível às angústias de seu semelhante. O juiz reclamado pela nova Justiça Penal delineada nos juizados especiais é o juiz negociador, o juiz conciliador, o juiz argumentador, o juiz humilde que aceita uma participação maior dos envolvidos na infração e suas conseqüências e reparte com eles o seu poder. Somente um modelo novo de juiz saberá respeitar a vontade dos partícipes da relação processual criminal e, mais do que isso, suscitar neles um espontâneo e efetivo atuar, para que a lei produza em plenitude os efeitos para os quais preordenada. Os princípios inspiradores da Lei n. 9.099/95 refletem a sua ideologia direcionada a concretizar o acesso à Justiça e, dependendo da amplitude de espírito dos operadores, importará verdadeira revolução do Direito Criminal brasileiro. Cumpre ao juiz impedir que a oralidade não seja substituída pela praxe da redução por escrito. Se isso ocorrer, não só estará sendo sacrificado o propósito da Lei n. 9.099/95, mas ainda se vulnerará, ao lado da oralidade, o princípio da celeridade. É preciso redescobrir a eficácia da simplicidade. Assim como se impõe certa informalidade, inimiga do formalismo estéril e estiolante das fórmulas destituídas de racionalidade. A seriedade da Justiça Penal, a relevância dos valores nela discutidos, não legitimam a complexidade ritual. A celeridade é a virtude que se cobra sempre da Justiça. E para demonstrar apreço a tal valor, o constituinte de 1988 elegeu como o primeiro dos critérios objetivos aferidores do merecimento do juiz brasileiro a presteza na outorga da prestação jurisdicional. A celeridade, na Justiça Criminal, tem aspecto de singular relevo: convém que a aplicação de eventual retribuição pela ilicitude não se distancie do momento de sua prática. A lentidão na outorga se exterioriza como impunidade e, além de gerar desalento, estimula os infratores à reiteração de suas condutas. Outro valor que se pretende efetivamente fazer valer é a economia processual. Um mínimo de forma para se conseguir o melhor resultado. A inutilização das praxes e a concentração, num só momento, da apreensão, exame e solução da demanda. Proposta ideal para um Estado pobre como o Brasil, onde os meios existentes necessitam de eficaz aproveitamento à consecução dos fins desejados. Sobre a conciliação, nunca é demais enfatizar a sua plus valia, face às fórmulas tradicionais de obtenção do resultado justo. Solução conciliada, provida de autonomia, é naturalmente aceita pelo contendor, responsável direto por havê-la alcançado, e de valor ético superior à solução ditada, sempre heterônoma e imposta pelo Estado-juiz. O juiz dos juizados especiais criminais deve ser um solucionador de conflitos, tendo por referência o Direito, mas por objetivo a pacificação. Não existe mais lugar para o repetidor de regras, para o multiplicador da jurisprudência dominante. Passa a ser objetivo primordial do sistema a composição entre as partes, de maneira integral e completa. O conceito técnico de transação é o de ato jurídico bilateral, pelo qual as partes, fazendo-se concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas. Transplantada para o Direito Penal, ela não perde seus dois requisitos: a reciprocidade dos ônus e vantagens e a existência de controvérsia entre as partes. O juiz criminal terá também de se preocupar com a composição dos prejuízos suportados pela vítima, pois o ideal da lei é considerar uma solução contextual. Já agora não prepondera a responsabilidade criminal sobre a responsabilidade civil, porque concerne também à Justiça Penal perquirir se o infrator indenizou a vítima dos danos advenientes de sua ilicitude. A Lei n. 9.099/95 adota como critério a prioridade do escarmento não-privativo de liberdade sobre a pena segregadora. Embora desafeiçoado dessa realidade e pressionado pelos mas media a trancafiar o infrator, o juiz brasileiro deverá se defrontar com essa nova realidade normativa e dar-lhe estrita observância. A transação penal a suspensão do processo constituem direito subjetivo do réu, desde que preenchidos os requisitos legais. Não havendo a proposta ministerial, cumpre ao juiz submetê-la ao réu e homologar a avença daí decorrente. A utilização analógica do disposto no artigo 28 do CPP para as hipóteses de não-formulação das propostas pelo Ministério Público não se mostra inteiramente adequada. Pois a medida só se mostra cabível quando o Ministério Público deixa de oferecer denúncia e, nesse caso, não há vulneração a direito do réu. Não se pode aplicar analogicamente tal providência em situação diversa, agora em desfavor do pequeno infrator. A eficácia da proposta contida na Lei n. 9.099/95 só poderá ser sentida depois de razoável experiência. E esta apenas será produzida por consciências sensíveis. É momento de os espíritos desarmados procurarem cumprir a vontade da lei. Convencendo-se de que ela reflete ao menos uma das vertentes, e das mais prestigiadas, a serem exploradas no aperfeiçoamento da Justiça Criminal.
Posted on: Thu, 22 Aug 2013 20:47:37 +0000

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