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JUIZADOS ESPECIAIS: NÃO LIMITAÇÃO DA MULTA COMINATÓRIA AO VALOR DA ALÇADA. ENTENDIMENTO DO STJ POR CONTEUDO · 20/05/2013 · SEM COMENTÁRIOS DOUTRINA DIGITAL · TAGGED: JOSÉ CARLOS ZANFORLIN, JUIZADO ESPECIAL, PROCESSO CIVIL TwitterFacebookLinkedinEmail RSS Doutrina DigitalImprimir José Carlos Zanforlin – Advogado Processo Civil - JUIZADO ESPECIAL I – OBJETIVO 1. A competência jurisdicional pelo valor da causa se obtém da lei, logo, é na lei que se deve pesquisar seu conceito e sua abrangência; em síntese, da lei se conhecem os domínios pessoal e material de vigência da competência pelo valor da causa (presumindo-se competente a jurisdição brasileira). Lei nova, consequentemente, pode modificar esses parâmetros, inclusive o que se conhece como “perpetuação da competência”, expresso no art. 87 do CPC em vigor: “Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”. 2. A determinação da competência jurisdicional pela alçada não deve (ou não deveria) afetar a culminação de seu exercício, a prolação de sentença, para diminuir conteúdo desta. Na competência pelo valor da causa, a sentença é (ou deveria ser) eficaz em toda sua extensão, nos termos do art. 87, transcrito. Essa afirmação, todavia, veio a ser infirmada pela Lei nº 9.099/95, cujos art. 3º, § 3º e 39 impõem limites à expressão financeira da prestação jurisdicional (sentença)[1]. Portanto, não se pode falar em “perpetuidade da competência” quando ao exercício pleno desta (emissão de sentença) é imposto limite, estático, ao valor da causa no tempo de propositura da ação. A leitura daquele art. 87 do CPC passaria a ser, segundo esses dispositivos da Lei nº 9.099/95, “determina-se a competência no momento em que a ação é proposta, mas são relevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente que alterem o valor de alçada fixado pelas normas de organização judiciária” (redação em que se mesclam termos do art. 87 com o art. 91 do CPC). Exemplo de alteração fática e jurídica é a ocorrência de frutos ou colheita de grãos no curso de uma ação possessória em juizado especial cível, em que a sentença comine multa diária por não devolução da gleba. Não é objeto deste trabalho examinar tais modificações de fato ou de direito da lide relativamente à competência dos juizados especiais. 3. Até esse ponto a dogmática jurídica explica sem maior dificuldade a alteração posta pela Lei nº 9.099/95, visto que, respeitada a proibição de retroatividade inscrita no inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição, a revogação de lei antiga por lei nova é direito positivo em vigor no art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (segundo alteração pela Lei nº 12.376/10) [2]. Tratando-se de leis de mesma hierarquia, pôde, sim, o CPC haver sido modificado pela Lei nº 9.099/95 (como realmente foi nesse ponto), relativamente aos juizados especiais. 4. A questão central deste trabalho relaciona-se com os tópicos antes referidos, e diz respeito ao entendimento que o STJ principia a formar relativamente aos valores de multas fixadas por Juizados Especiais excedentes da alçada, para reduzi-las a esse limite. De fato, em notícia de 13/02/13, veiculada no endereço eletrônico daquele Tribunal, informou-se que o “STJ admite reclamações contra multas fixadas por juizados especiais em valor superior à alçada”; informam-se as reclamações: 9749, 10537, 10591 e 10967. Aduz, ainda, a notícia que tais reclamações foram admitidas pela Ministra Isabel Gallotti, por argumentos transcritos no texto. 5. O autor deste artigo, ante a possibilidade de que a notícia haja interpretado e transcrito com alguma imprecisão o entendimento expressado pela Ministra, valeu-se do Recurso em Mandado de Segurança nº 33.165-MA, julgado em 28/06/11 e publicado em 29/08/11, de que ela foi relatora e de cujos fundamentos valeram-se outros julgados por outros Ministros. Esse exame se fará adiante. II – JUIZADOS ESPECIAIS, ALÇADA E CAUSA DE MENOR COMPLEXIDADE 6. Os juizados especiais estão previstos no art. 98, inciso I da Constituição [3], e têm por objetivo conciliar, julgar e executar (para o que interessa a este trabalho) causas cíveis de menor complexidade. Veja-se que na Constituição não se menciona nem se associa certo valor de causa a menor complexidade da demanda; portanto, o que caracteriza o juizado especial, na letra da Constituição, é a menor complexidade da causa (conceito aberto, sem dúvida), que pode ou não estar associada a seu menor valor. As Leis 9.099/95 e 10.259/01 foram promulgadas para dar concretude ao preceito constitucional, a primeira na justiça comum, a segunda na justiça federal. 7. Por uma noção de demanda de menor complexidade, sugere-se comparação superficial com a teoria dos conjuntos. Sabendo-se que aplicar o direito é confrontar certa conduta com o dispositivo legal que a regula, ou seja, relacionar um elemento de um conjunto (o das condutas) com um elemento de outro conjunto (o das normas) numa relação biunívoca, então toda vez que ao juiz for levada demanda desse teor, ele estará diante de uma demanda de menor complexidade. Agora, se o exame de aplicabilidade legal relacionar uma ou mais condutas, com conjuntos, subconjuntos e intersecção de conjuntos normativos aos quais ela(s) possa(m) se subsumir, então a demanda não será de menor complexidade. Menor complexidade não decorre apenas de relações biunívocas entre conjuntos de condutas e de normas, mas essa hipótese relata, certamente, o limite da simplicidade da atividade de subsunção. Facilmente se pode concluir que não há relação necessária entre menor complexidade de uma demanda e seu pequeno valor financeiro; relação, se houver, é meramente circunstancial. Até porque valor da causa é subconjunto do conjunto dos tipos de causas. 8. A Lei nº 9.099/95 associou (devida ou indevidamente é questão em aberto) o referido na Constituição como “menor complexidade” a certo valor de causa – 40 salários mínimos – em algumas hipóteses, e em outras independentemente de valor (aparentemente), por remissão ao art. 275, II do CPC (procedimento sumário). Já a Lei nº 10.259/01, logo no art.1º, determina aplicação supletiva da Lei nº 9.099/95 (no que não se conflitarem). Estabelece a Lei nº 10.259/01, no caput do art. 3º, o valor máximo de alçada e, no § 3º, proclama a competência absoluta do foro onde estiver instalada a Vara do Juizado Especial. Não faz nenhuma menção (a não ser por aplicação subsidiária e supletiva da Lei nº 9.099/95) à menor complexidade da demanda como fator de sua inclusão no juizado especial federal que institui. Curiosamente, nesse juizado especial, o valor máximo da causa passa de 40 para 60 salários mínimos, e a competência é absoluta (em razão do valor da causa, supõe-se, por decorrência do caput do art. 3º). 9. Pode-se observar algum desvirtuamento entre o que previu a Constituição e o que construiu o legislador ordinário relativamente aos juizados especiais, cujo escopo original era resolver demandas de menor complexidade, sem levar-se em conta seu valor. A questão do valor da causa tanto se sobrepôs à noção de simplicidade que na Lei 9.099/95 um dispositivo (o § 3º do art. 3º) faz presumir renúncia do demandante ao crédito excedente do limite de 40 salários mínimos, e outro (o art. 39) proclama a ineficácia da sentença condenatória na parte que superar a alçada legal. 10. Confronto do art. 39 (ineficácia da sentença condenatória no que exceder o valor da alçada) com o art. 3º, II, ambos da Lei nº 9.099/95 pode gerar alguma perplexidade interpretativa. É que o art. 3º enumera os elementos do conjunto constitutivo do juizado especial, e o inciso II (como um desses elementos) faz remissão ao art. 275, II do CPC, informativo da observância do procedimento sumário em causas, “qualquer que seja o valor”, lá referidas. Ora, se a essas é competente a jurisdição especial cível, sem limite de valor, como harmonizar o pleno exercício da competência jurisdicional com limitação financeira da sentença, o ápice da jurisdição? [4] 11. Uma explicação possível, no plano exegético da Lei nº 9.099/95, é constatar a localização “topográfica” do art. 39, que, sendo posterior ao art. 3º, II, desfaria a não limitação quanto a valor, das hipóteses inclusas no art. 275, II, do CPC, na competência do juizado especial cível. Por isso, o art. 39 estaria a limitar o efeito financeiro da sentença, como ato final da jurisdição, o que, convenha-se, denota pobreza de técnica legislativa, pois o rito sumário já é signo de demanda de menor complexidade, “qualquer que seja o valor” desta. 12. Extrapolando-se o plano da Lei para abranger a Constituição, poder-se-ia, ainda, examinar a constitucionalidade dessa limitação, pois a Constituição não cuidou de jungir simplicidade da demanda a pequeno valor de causa, relação totalmente acidental e circunstancial, mas não necessária. A ação do legislador ordinário (além da pobreza técnica apontada e de relacionar o que se não relaciona, simplicidade e pequeno valor da causa) claramente diminuiu o âmbito de validade material do art. 98, I da Constituição, ao dizer que simples é o de pouco valor, ou de valor limitado à alçada que ele legislador ordinário entendeu fixar. Na verdade, o constituinte determinou a criação de juizados especiais para conciliar, julgar e executar causas cíveis de menor complexidade, sem nenhuma restrição quanto ao valor da demanda. Objetivo era, sem dúvida, acelerar a prestação jurisdicional nas demandas mais simples. 13. Insista-se nesse ponto: prevaleceu na mente do legislador ordinário a elucubração simplificativa de que em dinheiro tudo se mensura, de modo que o simples, o não complexo é o de pouco valor. Em consequência, ficaram fora do âmbito de validade material da Lei uma pletora de ações que poderia beneficiar-se da suposta maior celeridade de tramitação, pois, embora simples, excedia o valor da alçada. E isso porque os julgados adotaram interpretação que reuniu numa inexistente relação de dependência o de pouco valor ao não complexo. III – BREVE EXPLANAÇÃO SOBRE A MULTA COMINATÓRIA 14. Há dois tipos de multas no CPC, (i) as que apenam condutas vedadas e (ii) as que forçam a prática de condutas impostas (dar, fazer, não-fazer). Exemplo das primeiras, a do art. 14, § único, art. 18, art. 30, art. 488, II, e art. 538, § único; exemplo das segundas, os artigos 287 e 461, §§ 4º e 5º. A estas últimas se denominam multas cominatórias, as astreintes do direito francês. Diferença básica entre umas e outras é que as multas sancionatórias são inexoráveis e devidas pela prática do que é vedado (litigância de má-fé, embargos protelatórios, requerimento indevido de citação por edital etc.); já as cominatórias podem não incidir, bastando que o réu cumpra o que lhe foi determinado em sentença, isto é, incidem sob condição de não cumprimento de decisão judicial em adiantamento de tutela ou não. As primeiras são multas aplicadas (por isso é conhecido seu valor), as segundas constituem ameaça, pairam sobre o patrimônio daquele que é obrigado a um dar, um fazer ou um não fazer, e seu valor só é conhecido se não ocorrer a conduta devida. Para as primeiras, basta a decisão do juiz; para as segundas, esta não basta, mas deve seguir-se ação vedada do réu. Se a conduta imposta é praticada no prazo assinalado, a multa se desvanece, não se aperfeiçoa e não incide. 15. Pode-se afirmar que a multa cominatória não compõe a prestação jurisdicional, prévia ou definitiva, simplesmente a motiva ao impor diminuição patrimonial se não cumprida a determinação imposta. A sentença (ou adiantamento da sentença) pode efetivar-se pela prática da conduta prescrita no prazo acertado, e a multa ameaçada não é aplicada. Logo, a multa cominatória nem sequer é adjeto da sentença. Mais, como o juiz a pode impor “independentemente do pedido do autor” [5], sentença também não é, pois “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou interessado a requerer, nos casos e forma legais”, consoante art. 2º, do CPC. 16. A inclusão da multa cominatória no Capítulo VIII do CPC, que trata da sentença e da coisa julgada, não a transforma em elemento da sentença, nem a integra, tendo em vista as características desta e daquela. Sobretudo pelo fato de poder ser cominada sem que a parte a requeira, e por não carecer dos elementos essenciais para emissão de sentença, enumerados no art. 458, I, II e III, do CPC. 17. Decisão impositiva de multa cominatória não resolve questões materiais ou de outra natureza trazidas pelas partes, logo, não é terminativa do litígio. Em consequência, não faz sentido a afirmativa de que ela “não passa em julgado” por causa do disposto no art. 461, § 6º, do CPC, pois somente sentença passa em julgado. Veja-se, a propósito a diferença entre esse dispositivo e o art. 463, do CPC [6]: a possibilidade de alteração do valor e da periodicidade da multa cominatória, como expressão de poder discricionário do juiz, decorre de modificação da situação de fato que motivou sua previsão, ou seja, uma situação ou constatação futura, não presente no momento da previsão da multa; já a modificação da sentença não decorre de futura situação de fato nem de sua errônea qualificação jurídica, mas da constatação de erro ou de acatamento de embargos de declaração, nas estritas hipóteses legais (art. 535, I e II, do CPC). Publicada a sentença, inexatidão material, erros de cálculo, omissão e contradição (já existentes ao tempo de sua prolação) se corrigem pelo juiz; já o erro de judicatura, somente por apelação. 18. Por fim, nos termos do art. 467, do CPC, denomina-se coisa julgada a eficácia imutável e indiscutível da sentença; esta tem por requisitos, dentre outros, a solução das questões trazidas a juízo pelas partes. Da possibilidade de modificação da multa (art. 461, § 6º) não se deve extrair que não passe em julgado, mas que simplesmente pode ser alterada; é absolutamente indevida analogia com o art. 467 do CPC, que trata da coisa julgada. Claramente a multa cominatória não soluciona questões trazidas a juízo pelas partes, por isso não integra a sentença. IV – MULTA COMINATÓRIA E ALÇADA NOS JUIZADOS ESPECIAIS 19. O que importa para perfeito enquadramento de certa demanda no limite de alçada de competência dos juizados especiais é o valor da causa. Este se obtém segundo disposto no art. 259 e incisos, do CPC, e mensuram o valor da alçada. Se bem possam os artigos 3º, § 3º, e 39 da Lei nº 9.099/95, relativamente à plena eficácia financeira da sentença condenatória em juizados especiais, ter modificado o conteúdo do chamado “princípio” [7] da perpetuidade da competência (art. 87 do CPC), o art. 259 é a regra prevalente para obtenção do valor da causa. 20. Reafirme-se: a presunção de renúncia (art. 3º, § 3º) ou ineficácia de efeito que ultrapasse o valor de alçada (art. 39) são regras que não afetam a metodologia de obtenção do valor da causa, embora revoguem, no particular, os efeitos das modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente à propositura da ação (art. 87, do CPC) para aquela classe de ações. Sendo o valor da causa uma grandeza determinativa da competência dos juizados especiais, esse valor é marco fixador da inclusão da demanda nesses juizados; isto é, há o demandante de conhecer previamente a expressão numérica dessa grandeza para, só então, decidir-se pelo juizado especial. 21. O pedido é o primordial elemento componente do valor da causa; a partir de sua formulação intelectual, primeiramente, e de modo formal, num segundo momento, é que o demandante pode avaliar e mensurar o valor da causa, e enquadrar ou não a demanda nos juizados especiais. E não há a menor dúvida de que a multa cominatória (sua fixação e incidência) não integra esse valor, pois nem sempre se inclui no pedido, e, ainda que requerida, seu montante é fixado pelo juiz. Na verdade, o pedido consiste numa prestação de dar, fazer ou não fazer, e o objetivo do autor da demanda é justamente haver essa prestação; no máximo, substitutivamente, o autor se satisfaz com as perdas e danos. Nunca, porém, a multa cominatória (ameaça condicional de diminuição patrimonial) constitui o pedido, por essa razão não pode ser aferida pelos critérios do art. 259 e incisos do CPC. E não se inclui no pedido porque o demandante não pode saber, de antemão, (i) da procedência do pedido e (ii) se o demandado cumprirá o disposto na sentença, em caso de procedência da demanda (condição de incidência da multa). 22. Se o preceito constitucional de criação de juizados especiais se ativesse unicamente a certo valor da causa (e assim não se reduzisse o conceito de causas “de menor complexidade” a valor de causa, por efeito da lei ordinária), ainda assim a incidência de multa cominatória não seria limitada ao valor da alçada. E a razão, já referida anteriormente, é porque a multa não integra a sentença. 23. O art. 39 prescreve a ineficácia da sentença na parte que exceder o valor da alçada; como a multa não é parte da sentença, ela permanece eficaz e elemento cogente, embora exterior, da sentença. Essa é a cabal razão dogmática para ter-se como eficaz e cogente a multa cominatória, prevista e aplicada por realização da conduta vedada, ou pela não realização da conduta prescrita. Em outras palavras, o art. 39 não tem como domínio material de vigência (eficácia material) o valor da multa cominatória, pois se aplica unicamente à parte da sentença que exceder o valor da alçada. 24. Pode-se acrescentar como argumento de ordem prática, que limitar ao valor da alçada o valor de multa cominatória que incidiu, é premiar o descumprimento da sentença. Repita-se: a multa é uma virtualidade, incide sob condição de prática de conduta vedada (ou omissão de conduta prescrita) e somente depois de incidir é que se conhece seu montante, pois normalmente é o produto de um valor pelo período de descumprimento da ordem (dias, meses, etc); logo, a incidência da multa e seu valor expressam descaso do réu pela condenação sofrida. Limitá-la à alçada é avisar ao infrator, desde logo, que sua infração se limita financeiramente ao valor da alçada, e deixar a seu cargo a decisão de cumprir ou não o comando judicial! 25. A experiência demonstra que a maioria das destinatárias de tais multas são empresas telefônicas, de eletricidade, de televisão a cabo, cuja prestação de serviço se dá por meio de contrato de adesão. Ainda que a informática agilize e facilite a administração de contratos, a impessoalidade de tratamento daí advinda é que pode ocasionar lesão a direitos individuais do consumidor. Aliando-se poder econômico à prévia ciência de que a multa a que se sujeitarão limita-se a 40 salários mínimos, então é de prever-se que o preceito constitucional de criação de juizados especiais para melhor administração da composição de litígios terá eficácia bem limitada, valerá 40 moedas, rectius 40 salários mínimos. V – ENTENDIMENTO DO STJ 26. Examina-se agora o raciocínio expressado no Recurso em Mandado de Segurança nº 33.155-MA, de que foi Relatora a própria Ministra que admitiu as quatro reclamações mencionadas no item 4 deste trabalho. No décimo-quarto parágrafo de seu Voto, a Relatora expõe que a Lei º 9.099/95 elegeu o valor de alçada como signo de causa de “menor complexidade”: “O valor de alçada (quarenta salários mínimos) é fator eleito pela lei para definir o que se entende por causa de “menor complexidade”. ”[8] A essa afirmativa opõe o autor deste trabalho os argumentos contra a redução conceitual operada pelo legislador ordinário, anteriormente alinhados nos itens 6 a 13. 27. Logo ao início da parte do Voto que examina a relação multa/alçada, a Relatora estabelece que “a multa não é estimada segundo critério objetivo correspondente ao conteúdo material da obrigação que busca compelir o devedor a cumprir” [9]. Os argumentos já aqui expostos indicam alguma sintonia entre essa proposição e a tese deste trabalho nesse particular. Entretanto, ressalte-se que não há sincronia temporal entre a aferição do valor da alçada (que deve ser conhecido logo antes do ajuizamento da demanda) e o valor da multa (conhecido somente após a sentença, ou em adiantamento desta, e se houver inação do réu); mais: mensuração da alçada e do valor da multa é aferível, sim, por critérios objetivos, mas não pelos mesmos critérios objetivos. Para saber-se o valor da causa/alçada têm-se as regras do art. 259 do CPC, já o valor da multa é resultado do produto da multiplicação do valor estabelecido por certo período de tempo de mora pelo número desse período. Não se pode negar haja objetividade nos critérios, embora diferentes em sua essência. 28. Considerando-se que a multa cominatória não integra a sentença, a afirmativa de que ela não faz coisa julgada é verdadeira, embora, pela razão de não integrar a sentença, ser afirmação destituída de sentido prático. Ocorre que da verdade dessa proposição não se pode concluir que a multa seja limitada ao valor da alçada. Note-se que o não transitar em julgado não decorre do art. 461, § 6º, mas sim de não se tratar de sentença. Não há relação nem necessária, nem eventual, nem de qualquer outra natureza entre não passar em julgado a multa e por isso ter de limitar-se ao valor de alçada. 29. Também não há relação entre juizados especiais (que abrangem causas de menor complexidade/ou de menor valor, como se queira) e a multa, que é o instrumento utilizado pelo sentenciante para dotar de poder coativo a sentença ou a decisão liminar. Ou seja, não se relacionam causas de até 40 salários mínimos e multa cominatória. O conjunto em que se incluem causas de menor complexidade ou de valor limitado e as sentenças que as julgam não possui nenhum ponto de contato com o conjunto das multas cominatórias aplicadas por essas sentenças. E isto porque, repita-se, multas não fazem parte da sentença. Não havendo pertinência, continência ou intersecção entre tais conjuntos, certamente o art. 39 da Lei nº 9.099/95, limitador da eficácia financeira da sentença, não pode aplicar-se para limitar o valor da multa prevista potencialmente e aplicada cineticamente. Somente o entendimento de que a multa cominatória integra a sentença possibilitaria conclusão de estar ela no âmbito material de vigência daquele art. 39. Tal proposição seria facilmente refutada pela dogmática jurídica, como se viu nos itens 15 a 17. VI – REVISÃO DO VALOR DAS MULTAS PELO STJ 30. Há julgados do STJ atributivos de sua competência para rever o valor da multa cominatória, se esta for de valor irrisório ou excessivo [10]. Para estatuir tal competência, o STJ teve de afastar incidência de sua própria Súmula 7 (impeditiva do reexame de matéria de fato). Ora, aplicação da multa depende de sentença prolatada por juiz de primeiro grau (confirmada por acórdão) após exame exatamente dos fatos relacionados com a prestação determinada pelo juiz. Não pode haver nada mais fático que aplicação e incidência de multa cominatória. O valor dessa multa só tem de jurídico sua previsão legal e o fato de poder ser cobrada coativamente por intermédio do Judiciário, pois em essência seu valor se obtém de simples operação aritmética, após fixação da unidade de multa pelo juiz. Ainda assim o STJ fez-se competente para rever o valor da multa. 31. Agora a questão: o que vem a ser valor irrisório ou excessivo da multa, que a transforme em questão de direito e não de fato, para que, afastada a incidência da Súmula 7, possa o STJ revisá-la? A indagação procede, pois ou a multa é questão de direito ou de fato, tertius non datur. Não sendo de direito, a incidência da Súmula 7 teria de ser plena, incondicionada, para que sua aplicação jamais pudesse caracterizar-se como casuísmo. Dar-se-ia a qualificação do valor da multa (baixo, elevado) pelo valor da alçada? A resposta é NÃO, pois a lei assim não define; logo, o irrisório ou excessivo fica perigosamente circunscrito num poder discricionário a que se atribuiu o STJ para modificar manifestação de poder discricionário expressamente atribuído ao juiz pelo CPC. 32. Em tentativa de vislumbrar-se algum viés não meramente fático na multa cominatória, pode-se compará-la com a cláusula penal prevista no art. 408 e seguintes do Código Civil. 32.1 Pontos em comum: a multa incide sob a condição de não cumprimento da prestação imposta pela sentença, enquanto a cláusula penal, por inadimplemento total ou parcial, culposo ou não do devedor de prestação. Possuem em comum, ainda, a natureza de tratar-se de meio virtualmente coativo de cumprimento de prestação, imposta (pelo juiz) ou pactuada (pelas partes). 32.2 – Pontos divergentes: diferem, essencialmente, porque a multa possui natureza processual e a cláusula penal, natureza civil. Essa diferença afasta, na visão deste trabalho, qualquer possibilidade de incidência, na multa cominatória, do limitador previsto no art. 412 do Código Civil: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”. Veja-se que a limitação civilista significa intervenção na liberdade contratual, legislativa, mas inegavelmente intervenção, e se fundamenta dogmaticamente. Já extensão dessa limitação no caso da multa, implicará diminuição do poder cogente da sentença, e enfraquecimento de decisão proveniente do Judiciário. 33. A limitação no plano do direito civil é de fonte legislativa (e aqui não se examinará a justeza ou não do limite) e dirige-se para o campo específico da eficácia/validade de cláusulas contratuais. Extrapolar seu alcance material (valor da multa) e pessoal (decisão judicial) de vigência para o âmbito processual seria criticável técnica legislativa, se fosse expressa a previsão de extensão, e indevido exercício exegético não havendo tal previsão. 34. Jamais seria cabível analogia entre a limitação do valor da cláusula penal pelo art. 412 do Código Civil e o art. 39 da Lei nº 9.099/95, ainda que se fizesse paralelo entre obrigação principal e valor de alçada. Veja-se que na área cível a cláusula penal decorre de lícita obrigação pactuada, e, no plano processual, a multa decorre de ato ilícito, além do que as limitações expressadas nas respectivas normas jurídicas são bastantes em si mesmas e plenas em seus domínios pessoais e materiais de vigência, daí não ser admitida a intersecção desses conjuntos normativos. 35. Eventual falta de critério ou justificativa na aplicação da multa cominatória, praticada no primeiro grau de jurisdição e confirmada em segundo grau, deveria ser corrigida pelos meios disponíveis nesses âmbitos normativos. Relativização do âmbito de validade da Súmula 7 do STJ certamente relativiza, também, a razão de sua emissão e a força de sua aplicação. VII – CONCLUSÕES 36. Este trabalho buscou valer-se da dogmática jurídica para expressar a tese de que a multa cominatória, aplicada com temperança ou não pelo juiz, não é limitada pelo art. 39 da Lei nº 9.099/95. O principal argumento fundante dessa proposição é o de que a multa não integra a sentença, logo, exclui-se do domínio de validade material daquele dispositivo. Afirmativa de que a multa não passa em julgado e, por isso mesmo, sua revisão não afronta o instituto da coisa julgada, não se relaciona com a função limitativa de valor daquele art. 39 ao montante da multa. Esta não possui nenhum ponto de tangência com a coisa julgada. 37. A multa cominatória é aplicada pelo juiz para reforçar determinação de conduta imposta ao réu. Resulta de análise das situações fáticas que impuseram ou determinaram a conduta prescrita. Não se trata, pois, de matéria jurídica, mas fática. O valor da multa resulta de simples operação aritmética; não altera a natureza fática de sua imposição, ser irrisório ou excessivo esse valor. O ser irrisório ou excessivo o valor da multa cominatória aplicada nas instâncias ordinárias se deve resolver no âmbito de competências dessas instâncias. Logo, a expressão numérica da multa não impediria incidência da Súmula 7 STJ para vedar ao STJ revisão de seu valor. Agradeço ao colega Adelay Bonolo revisão e crítica. ______________________ NOTAS [1] Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação. Art. 39. É ineficaz a sentença condenatória na parte que exceder a alçada estabelecida nesta Lei. [2] Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. [3] Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; [4] A propósito de ser o valor da causa o fator preponderante para sua inserção como de competência do juizado especial, veja-se trabalho de José Carlos de Araújo Almeida Filho, que defende posição de que o valor de 40 salários mínimos é o limite financeiro de sentença proferida nos juizados especiais, in “JUIZADOS ESPECIAIS – COMPREENDENDO O VALOR DE ALÇADA”. Obtido em buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/12880-12881-1-PB.pdf [5] CPC, Art. 461 § 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. [6] Art. 461, § 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. Art. 463 Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração. [7] Razão das aspas é que nunca se viu tanta enunciação de princípios jurídicos como se lê na produção doutrinária atual; tantos, que se torna difícil prosseguir-se além desses, ficam-se nos princípios e deles não se avança. No caso, se princípio fosse, não seria tão facilmente erradicado como há sido. [8] Trecho do Voto proferido no RMS nº 33.155-MA [9] Idem, idem [10] Por exemplo: AgRg no Ag 1296667 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0062748-3 Relator(a) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147): “A fixação das astreintes por descumprimento de decisão judicial baseia-se nas peculiaridades da causa. Assim, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, somente comporta revisão por este Tribunal quando irrisória ou exorbitante, o que não ocorreu na hipótese dos autos, em que o valor foi arbitrado em R$ 30,00 (trinta reais). Precedentes.” E AgRg no AREsp 259016 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0231930-6 Relator(a) Ministro SIDNEI BENETI (1137): .- A revisão do valor da multa cominatória aplicada (astreint) somente é possível, em sede de recurso especial, quando o valor for irrisório ou exagerado, o que não ocorre no presente caso. Precedentes.” Fonte: oabpe.org.br/2013/05/juizados-especiais-nao-limitacao-da-multa-cominatoria-ao-valor-da-alcada-entendimento-do-stj/
Posted on: Tue, 11 Jun 2013 00:43:00 +0000

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