JUÍZO PRÁTICO. O TREM ASSASSINO: EMOÇÃO E RAZÃO [PUBLICADO - TopicsExpress



          

JUÍZO PRÁTICO. O TREM ASSASSINO: EMOÇÃO E RAZÃO [PUBLICADO 28/08/2013] “A natureza humana é assim: conscientemente ou não, a gente tende a pensar em sua própria posição quando decide sobre o que deve e o que quer fazer no âmbito da moral.” Mencionarei, de maneira muito geral, o dilema moral clássico ideado inicialmente por Phillipa Foot (e elaborado por Judith Jarvis Thomson), que põe de manifesto um claro exemplo de conflito entre deontologistas e consequencialistas (utilitaristas). É um experimento mental no qual ao cérebro lhe resulta difícil tomar uma decisão e que está pensado para investigar como trabalham nossa cognição e intuição moral. Imagine uma situação onde a sua interferência pode significar o sacrifício de uma vida para salvar outras cinco. Um trem avança sem controle e se aproxima em direção a cinco trabalhadores ferroviários que morrerão se o veículo mantém a mesma trajetória. Você, que se encontra junto à via do trem, é testemunha da cena anterior e tem a oportunidade de salvar-lhes a vida mediante o simples movimento de acionar uma alavanca que desviará o trem para outra via diferente. O único inconveniente é que, se o trem gira para a outra via, atropelará e matará a outro trabalhador, mas somente a um. O que fazer? Se você é como a maioria das pessoas, não vacilará à hora de acionar o interruptor: é muito melhor que morra uma pessoa em lugar de cinco. Verdade? De fato, a grande maioria das pessoas que responderam em todo o mundo, aproximadamente um 89%, afirmou que estava bem ou que era correto acionar a alavanca. Agora imagine o seguinte: Como antes, o trem ameaça com matar a cinco trabalhadores. Esta vez, contudo, você se encontra em uma passarela sobre a estrada de ferro e tem a seu lado a um homem corpulento. A passarela não é alta. Somente terá que situar-se detrás desse homem e empurrá-lo com força. Seu pesado corpo deteria o trem e deste modo se salvariam os cinco trabalhadores. O desconhecido morrerá, evidentemente, mas se salvarão cinco pessoas. Você faria? Se for como quase todo o mundo, se sentirá assombrosamente angustiado ante a sugestão de empurrar (assassinar) a uma pessoa inocente, ainda que seja para salvar outras cinco almas. Na verdade, um 89% dos entrevistados respondeu que não. Essa coincidência em todos os grupos culturais e de idade, assim como a dicotomia na resposta, resulta impressionante quando em realidade as cifras (salvar a cinco pessoas permitindo a morte de uma) não variam entre os dilemas. Está justificada essa diferença de trato moral? É moralmente correto acionar a alavanca? E por que não está moralmente permitido empurrar ao homem corpulento à via? É sempre inaceitável utilizar a uma pessoa como um simples meio? Qual a atitude moralmente adequada quando entra em conflito algo como a distinção entre matar e deixar morrer? Na filosofia moral não há um consenso acerca da melhor solução para este tipo de dilema. Mas, ao menos em teoria (e independentemente do que faria a maioria), se sou um consequencialista (utilitarista) e estou convencido que o fim da moral é alcançar a máxima felicidade (isto é, o maior prazer para o maior número de seres vivos) seguirei defendendo a ideia de que negar-se a empurrar ao indivíduo corpulento ou acionar a alavanca é incoerente e irracional. Quer dizer, desde um ponto de vista utilitarista, para o qual a maximização do bem constitui a única vara de medir pertinente, minha resposta será inequivocamente “sim”: é justo, correto e moral sacrificar uma vida para salvar outras cinco. Por outro lado, se sou um deontologista, a questão fundamental está no imperativo kantiano de que é ilícito utilizar a uma pessoa como mero instrumento para lograr um fim, inclusive se o fim é em benefício de um bem maior. E como me importa mais buscar o comportamento moral proposto por Kant (segundo o qual o importante é “agir moralmente” independente do seu resultado, isto é, de que é mais importante não vulnerar os direitos de outra pessoa que obter um resultado ideal), minha resposta será inequivocamente “não”: é injusto, incorreto e imoral sacrificar uma vida, ainda que seja para salvar outras cinco. E aqui se abre um apaixonante debate sobre a suposta irracionalidade do deontologismo e a suposta racionalidade do teleologismo. Por quê? Porque resulta que embora sempre se tenha atacado tradicionalmente aos deontologistas (kantianos) por não ter em conta as emoções (coisa que é necessário demonstrar), agora, quando se aprecia esses tipos de dilemas em que as pessoas se aferram às suas emoções, se lhes acusa de deontologistas, faltos de racionalidade. Nesse sentido, é preciso aclarar o que é deontologismo e o que é teleologismo. Assim as coisas, ainda são muitas as perguntas “pendentes” de respostas: Por que os sujeitos reagem de uma forma distinta ante os dilemas pessoais (empurrar ao homem) e impessoais (acionar a alavanca)? Não será porque temos uns códigos inscritos no cérebro pela evolução (uma moral inata), estreitamente ligados às emoções, que nos levam a interessar-nos pelos mais próximos e a desatender-nos dos distantes? Os dilemas fictícios que propõem os investigadores garantem que os sujeitos respondam formulando os juízos morais aos que ajustariam sua conduta na vida real? O fato de que as respostas aos dilemas (fictícios) não impliquem nenhuma consequência para os sujeitos (isto é, as dão com total impunidade) debilita ou elimina a validade de ditos experimentos? O que pensa e como atua a gente em realidade?... Pois bem, para tentar ilustrar a todas essas questões há que estar atentos a duas valiosas premissas: 1. A ideia de usar experimentos sobre os comportamentos para confirmar hipóteses acerca da natureza e do comportamento humano é antiga. Kant, por exemplo, era aficionado a esse exercício, para o qual, contudo, quiçá não estava muito dotado. Uma de suas hipóteses era que uma mulher se enoja mais se lhe dizem que é velha ou gorda [é objetivo] que se lhe dizem que é feia [é subjetivo].(R. Ogien) Assim que se pode considerar que o estudo experimental dos pensamentos chamados “morais” ou “imorais” é um programa de investigação que tem como objetivo comprovar hipóteses sobre nossos juízos e condutas, mas cujo interesse é mais evidente, e com métodos um pouco mais sérios e um pouco mais respeitosos com a ciência. Dito de outro modo, o método dos experimentos deste programa científico serve, sobretudo, para dois propósitos: (i) identificar nossas intuições morais a fim de submeter à prova a validez das grandes doutrinas morais; (ii) ajudar a eliminar as teorias mais irrealistas, as que não têm para nada em conta a “natureza humana”. 2. Para a boa neurociência (neuroética ou neurociência da ética), e no que se refere ao tipo de dilema aqui mencionado, o mais interessante e o que realmente importa não é tanto as respostas ou as justificações que formulam os participantes desses experimentos, senão as áreas cerebrais que se lhes ativam de forma distinta quando se enfrentam a dilemas morais pessoais (empurrar ao homem) e dilemas morais impessoais (acionar a alavanca); quer dizer, mediante um escaneamento do cérebro dos sujeitos com neuroimagem funcional [por ressonância magnética funcional (fMRI)] enquanto decidiam suas respostas, saber que tipos de dilemas as ativam e que zonas do cérebro intervêm quando se tomam decisões morais desse tipo. O que é o mesmo que aceder às fontes da moral e indagar, desde métodos empíricos, quais são as bases neurobiológicas da formulação dos juízos morais e da conduta moral. E uma vez que se trata, nas hipóteses desenhadas para o dilema do trem assassino, de casos similares que requerem respostas similares, os correlatos neuronais diferenciais para a resolução dos dois grupos diferentes de dilemas se distinguem pelo modo de chegar a um mesmo resultado: com o primeiro dilema, que implica uma maior distância pessoal para quem atua (acionar a alavanca), se incrementa a atividade nas áreas do cérebro associadas com o raciocínio abstrato e a resolução de problemas; com o segundo dilema, em que o sujeito se encontra implicado pessoalmente em uma determinada ação (há que tocar fisicamente e empurrar a um desconhecido), se incrementa a atividade nas áreas associadas com a emoção e a cognição moral/social. Portanto, de acordo com as investigações procedentes das ciências que se ocupam do cérebro/mente e da conduta (especialmente dos descobrimentos neurocientíficos), parece razoável supor que não estamos frente a dois juízos reciprocamente excludentes, senão diante de dois juízos diferentes que ativam áreas distintas do cérebro por obra das circunstâncias e do envolvimento pessoal do agente que atua. Mas essa é outra história.
Posted on: Sat, 09 Nov 2013 06:32:13 +0000

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