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João Cravinho. Sem reestruturação da dívida ficamos esfolados Por Rita Tavares e Catarina Falcão Jornal “I” publicado em 16 Nov 2013 - 05:00 Portugal deve pedir, no mínimo dos mínimos, 40 anos para pagar a dívida, no quadro do fundo de redenção europeu João Cravinho deita culpas à Alemanha pelo bloqueio político a alguns dos mecanismos europeus que podiam driblar a crise. O socialista põe especial fé no fundo de redenção da dívida, acreditando que Portugal não tem outra solução senão renegociá-la. Aplaude o reforço de poderes das instituições europeias, o exame à troika pelo Parlamento Europeu e lança críticas a Barroso, que diz não ter estado à altura do cargo. No plano nacional recorre à ironia para falar na necessidade de uma revisão constitucional. Com Cavaco Silva não tem meias palavras: É fraco. Disse há dias que estamos no caminho da implosão do euro. O risco é grande? Se a Alemanha não mudar, se continuar a bloquear elementos institucionais extremamente importantes - para que se resolva o problema da dívida e se progrida, por exemplo, na união bancária, para que a própria Comissão Europeia saia do apagamento e da anulação quase total a que se remeteu nos últimos anos - é evidente que é impossível manter o euro. O clima é tal que, pelas eleições francesas [em 2016], será visível uma enorme fractura, com risco de implosão do euro. Mas em tão curto prazo é possível mudar tudo? A Alemanha tem feito enormes cedência, mas só em momentos em que a situação é insuportável. Lançou a ideia do fundo de redenção da dívida em grande parte para evitar que o Bundesbank viesse a entrar no mercado secundário. Em várias ocasiões foi cedendo, mas agora começa a haver uma agenda de bloqueamento bem nutrida. E a mudança não é a 180 graus, num determinado momento. É saber se se vão resolvendo os problemas. As mudanças exigíveis são possíveis com Angela Merkel? Acho que sim, mas pressionada pelo risco de ruína. A Alemanha só sai das suas posições sob o risco de ruína, mas essa situação começa a ganhar tal probabilidade que... os alemães ainda não estão preparados. A grande incógnita é se se está a preparar para isso. Mas está a falar da saída do euro? Sim. Mas antes que a situação saia do controlo e se torne caótica. Não se sabe se a Alemanha se irá inclinar para aí. As catástrofes ocorrem numa manhã e esse risco existe. Até agora a Alemanha não revelou vontade de acabar com o euro, mas pode subestimar as forças das tensões desagregadoras que a sua obstinação vai semeando. É preciso que vá resolvendo os problemas e crie dinâmica de mudança. Quais seriam as consequências do fim do euro? As consequências são o caos que atinge todos os países e até a própria Alemanha. A viabilidade do sistema bancário alemão pode ser posta em causa. De uma maneira que poderão resolver, mas que custa muitíssimo mais do que fazer outra coisa qualquer para viabilizar o euro. Qual a alternativa ao que há hoje? François Hollande era uma esperança para os socialistas, mas a linha alemã voltou a sobrepor-se. Há um problema político geral que tem que ver com a história, sobretudo da Alemanha, que é traumática e traumatizante. Os estados-maiores pensantes da direita não esqueceram rigorosamente nada. Por um lado, a Alemanha não quer assumir a responsabilidade histórica de, num século, ter causado três vezes a ruína da Europa. Por outro lado ninguém esquece a ascensão de Hitler, as consequências das indemnizações brutais que o país teve de pagar. Estão confiantes que neste momento não há força social e política que ameace a sua concepção do ordoliberalismo. Mas, e se a extrema-direita cresce na Europa alimentada pelas consequências da austeridade que eles impõem? Nesse momento terão um grave problema: serão eles os responsáveis pela ascensão de mini-Hitlers. O bloqueio político nas instituições europeias também provoca esse crescimento. Como se pode resolver? A Comissão Europeia, ultimamente, tomou iniciativas que nascem da consciência de que se tem de fazer alguma coisa. Uma foi o acordo no Parlamento Europeu, quando se fez a grande reforma orçamental, o chamado two pack, que só passou com a promessa de Barroso de reunir um conjunto de peritos que apresentassem uma proposta sobre o fundo de redenção da dívida e os eurobills. Anunciou a criação de um fundo europeu de desemprego e avançou também com um processo de acompanhamento da situação social na UE. Mas porque não avançam? A Alemanha, em vez de ser uma âncora, é uma rocha a que se amarram todos os outros, em protesto ou apoiando-a. Tem uma noção muito moralista e simplificada das origens da crise: aqueles tipos desbarataram por completo a sua gestão financeira, fizeram uma grande orgia irresponsável. E a única maneira de acabar com as orgias é submeter as pessoas a dieta. Mas está a ser chamada à realidade com procedimentos do défice excessivo. Também é importante que o Parlamento Europeu tenha decidido fazer um exame à troika, uma iniciativa que teve na sua origem uma eurodeputada do PS, Elisa Ferreira, que tem feito um trabalho notável. Qual a importância dessa avaliação? Este relatório será das últimas coisas que este PE fará antes de ir para eleições e vai deixar uma marca muito profunda no debate político. O Parlamento Europeu tem legitimidade para levar a cabo essa tarefa? Algumas destas coisas são feitas no âmbito de tratados internacionais fora do processo comunitário. Mas a Comissão Europeia está envolvida e não é uma entidade que possa actuar fora de qualquer direito de matriz comunitária e como se fosse ela própria uma agência à disposição de um ou outro Estado-membro. Como avalia a actuação de Durão Barroso à frente da Comissão? À frente? Eu direi ao lado ou atrás. Não esteve à altura da situação? Há que ser justo e distanciado. A tarefa dele era difícil porque tinha a oposição da Alemanha e não teria apoio suficiente de ninguém. Rebelou-se uma ou outra vez, mas foi completamente incapaz de assumir e impor aquilo que, por processo comunitário, compete à Comissão. Se formos ver resultados, zero. Ou muito pouco. Não esteve à altura da situação. Ninguém se lembrará de dizer que ele foi um dos grandes arquitectos seja lá do que for. Vê alguma saída na coligação CDU/SPD preparada na Alemanha? Não tanto pelo que será o programa de governo. As últimas informações indicam que o SPD tinha duas reivindicações fundamentais no plano económico: uma mais interna e, na Europa, apesar de não ter ideias firmes sobre eurobonds, tem sobre o fundo de redenção da dívida. A Alemanha tem reservas quanto a fundos em que haja transferências de dinheiro entre os estados, ainda que possa ser beneficiada. Tem horror a tudo o que mete transferências, por isso vai bloquear o fundo de desemprego. Quanto ao fundo de redenção, foi concebido cuidadosamente para evitar esses riscos. Pode ser a solução para o problema? O problema número um é o crescimento, mas sem haver uma restruturação em profundidade da dívida ficamos de tal maneira esfolados que não nos resta nenhuma possibilidade de financiar políticas inteligentes de crescimento. O fundo foi planeado com grande cuidado para vencer os anátemas e horrores típicos. Na transferência de cada país abre-se uma linha de crédito para refinanciamento da dívida. Não há transferência nenhuma de recursos, mas um compromisso de dar tanto por cento do PIB para serviço de dívida, de modo que num máximo de 20, 25 anos, a dívida seja paga. O fundo tem duplo efeito: chama a si o pagamento da dívida a juros mais baixos e isso melhora a maneira como os mercados vêem a solvabilidade do país. Na comissão de peritos que vai propor este esquema estão duas pessoas muito ligadas ao conselho alemão (Beatrice Weder di Mauro e Claudia-Maria Buch). A Alemanha aceitou que a defesa dos seus interesses fosse feita por interpostas pessoas. Dá sinal que é à volta desta proposta ou de algo semelhante que isto vai andar. E como funcionará para Portugal? Para Portugal são importantes as condições do fundo. Não pode ter 20, 25 anos para pagar a dívida. Devemos pedir, no mínimo dos mínimos, 40 anos, e não devemos sair daí. Porquê? Porque estamos numa situação de grande emergência e isto é para permitir a viabilização de uma certa ideia de construção europeia. Para permitir a integração da Alemanha na comunidade internacional deram-lhe mais de 50 anos, perdoaram-lhe 50% da dívida. As nossas orgias e quedas morais não são mais graves que as da Alemanha, que fez dezenas de milhões de mortos, mesmo não contando com os judeus que gaseou. Quanto é que Portugal teria de colocar no fundo? Teriam de abrir uma linha de crédito de dois terços do PIB, pouco mais de 100 mil milhões. Mas quando isso se fizer já estaremos pior, tendo em conta a deriva em que estamos... A propósito, temos de pensar numa coisa que é um imperativo nacional. Os cortes nas pensões e nos salários são um imposto extraordinário. Mesmo que o Tribunal Constitucional aceite, moralmente aquilo não é aceitável. Por isso é preciso fazer o que o Ernâni Lopes fez entre 1983 e 85, em que pegou no 14.o mês e forçou a poupança a favor do Estado nesse mês, mas depois pagou mais tarde. Para resolver os problemas que estamos a criar devemos transformar isso em dívida pública. Chamar a essas medidas um empréstimo forçado que se fez a Portugal e ao governo, que tem de ser devolvido à procedência, mesmo sem juros e sem inflação. É a única forma que existe de pacificar isto. A obrigatoriedade de uma maioria para governar, que existe na Alemanha, era conveniente em Portugal? Aqui depende apenas da vontade do Presidente da República. Mas há governos que aceitam avançar sem essa maioria? No normativo constitucional português existe solução para esse problema. O Presidente da República escolhe o primeiro-ministro tendo em atenção o resultado das eleições. Também é uma decisão do primeiro-ministro. Sócrates disse até que fazer governo sem maioria foi o seu erro. O Presidente pode chamar os partidos para cumprir calendário e tomar chá e ficar por aí. Nós desresponsabilizamos o Presidente de uma maneira infantil. Ele tem de cumprir a Constituição, chamar os partidos para discutir as consequências do acto eleitoral e pode dizer- -lhes que não aceita um governo minoritário. A Constituição portuguesa resolve este problema e não é preciso ensinar o Presidente da República a ler. Existe um bloqueio negocial em Portugal. O PS deve recusar negociar a reforma do Estado? Não há reforma nenhuma do Estado. Há um guião e esse guião é para ser executado depois das eleições e por isso não é matéria de governação desta legislatura. É matéria de programas eleitorais para a próxima legislatura. Aquilo a que este governo estava obrigado e a que se obrigou era a pôr em cima da mesa um programa completo para a reforma do Estado, não um manifesto eleitoral. E era para começá-la nesta legislatura, não depois. Paulo Portas saca um guião, já há um guião e agora toda a gente é obrigada a discutir o que Paulo Portas entende. O próprio líder da UGT pediu aos partidos que se entendam. Que há uma grande vontade de que exista um entendimento, é verdade. Que existe eventualmente a necessidade de um entendimento de qualquer tipo, não há dúvida. A questão é qual é o método para chegar a esse entendimento. As reformas do Estado não se fazem de uma vez só. Estamos numa situação em que é preciso pôr o Estado a funcionar para determinado tipo de coisas que até poderão exigir alguma revisão constitucional. A primeira coisa a fazer é pegar num ou dois sectores fundamentais e constituir grupos de trabalho para estudar isso. Para fazer a revisão do IRC e do IRS é preciso uma comissão de sábios e para fazer a reforma do Estado é aquela redacção da Guidinha de Paulo Portas? Há necessidade rever a Constituição? Não é nada extraordinário que alguém venha dizer que neste ou naquele aspecto seria preciso uma revisão constitucional. É evidente que Pedro Passos Coelho precisa de uma revisão constitucional? Para o programa que tem, sim. Então o artigo primeiro seria: os fins justificam os meios. Os artigos terceiro e quarto seriam: toda e qualquer interpretação dos fins e dos meios fica ao critério da maioria governamental e não podem ser contestados seja por quem for. Está a ter uma leitura radical. Não estou. O que eu faria era dizer em primeiro lugar que, enquanto esta Constituição existir, não me dou à indecência pública de estar a forçar legislação que é obviamente anticonstitucional, e propunha claramente os pontos que gostaria de clarificar. Se a Constituição fosse alterada não seria mais fácil chegar aos objectivos? Respondo com este exemplo: o Tribunal Constitucional alemão vai produzir dentro de dias a sua decisão sobre a possibilidade de ser conforme com a lei fundamental alemã que o BCE intervenha no mercado secundário da dívida. Se decidir que não, o que é que a troika vai ter a dizer? Mas os alemães são os alemães e nós somos a escumalha. Este governo vai até ao fim? Vai ter um forte abalo em meados de 2014, quando terminar o Memorando. Vai haver uma coisa chamada plano cautelar. Não vai haver nada chamado resgate. Se o governo nessa altura pedir ao PS que assine um papel em branco para depois negociar o acordo com os credores e com a troika e o PS disser que sim, o governo vai até 2015. Se o PS disser que não, o governo, o Presidente da República e a comunicação social vão dizer que os malandros não assinam. E por isso à terceira ou à quinta tentativa o PS lá assina e assim o governo também vai até 2015. Se não assinar de todo e disser que, como é uma coisa que vai condicionar vitalmente os portugueses e os programas de governo até 2019, pede eleições já. Isso não depende da vigência do programa cautelar? Pode ser curta. Não. Será sempre uma coisa longa, baterá na próxima legislatura e irá para além disso. Não faz sentido acordar um programa que compromete os portugueses, o governo e a realidade do país, esvaziando completamente a capacidade de o povo português dizer seja o que for. Fazer eleições a troika não quer, mas eu não dou o direito ao FMI nem aos portugueses de acharem que quem substitui a democracia em Portugal é o FMI. Também põe António José Seguro numa posição difícil no PS. A liderança dele tem sido muito pressionada. Suponho que as decisões que António José Seguro tomará serão ditadas pela sua consciência, pela sua percepção da realidade portuguesa, pela razão de ser do PS. E isso pode ser totalmente contrário ao que eu penso. O que o PS não pode é ser cúmplice com uma situação que, quando se for a eleições, já não deixa margem de manobra para ninguém. O cautelar é inevitável? Tem altíssima probabilidade. Já toda a gente percebeu que um segundo resgate seria catastrófico para a troika, não para os funcionários que cá aparecem, mas para a Christine Lagarde. O falhanço era sobretudo para eles, tinham um governo que fez praticamente tudo o que eles pediram e depois tudo falhou. Eles não podem admitir isso e isto é um baile de máscaras. É um grande jogo político europeu, se eles falham é um estrondo para eles e para a Alemanha. Eles não são o Vítor Gaspar, que teve a dignidade de reconhecer que as coisas não estavam bem e foi embora. E como será esse programa cautelar? Se se trata de entender o regresso aos mercados como um regresso isolado de Portugal sem ajuda de ninguém, isso não é possível. O FMI admite que Portugal pode regressar aos mercados a pagar 7% de início, o que não pode é lá voltar! Suponhamos que isto é combinado de tal maneira que Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, faz saber que, assim que formos aos mercados, está por detrás de nós e compra-nos a dívida que for preciso para baixar o juro e assim quem comprar a nossa dívida a 6% faz um grande negócio. Depois Draghi diz que agora que cumprimos o programa e fomos aos mercados nos vai acompanhar para termos o prémio que merecemos. O programa cautelar vai ter todo o apoio do BCE para credibilizar Portugal. Vê, tal como o governo e o próprio PS, a descida da taxa de desemprego como um sinal de recuperação? Tudo quanto sobe desce. Em termos de desemprego houve perto de 90 mil pessoas que foram do desemprego para a inactividade, houve 100 mil pessoas que emigraram e há 300 mil pessoas que dizem que gostariam de trabalhar mas não têm emprego e não estão inscritas nos centros de emprego. Qual é a consequência desta fuga? São brutais. A geração do ponto de vista do desenvolvimento futuro do país - a faixa etária entre os 15 e os 34 anos - está a emigrar ao ritmo de 4% ao ano. Isto vai ter consequências por décadas e é irreversível. Não há paralelo na história de Portugal. Claro que quem for ver os números fica satisfeito. E se fica é porque está satisfeito com o êxodo em massa dessa gente de futuro. Recebe subvenção vitalícia? Até ao dia 31 de Dezembro. O que acha da suspensão? Não contesto a suspensão, no contexto específico de que, se é preciso arranjar dinheiro, corta-se ali. Mas é uma suspensão. Pode voltar. Não, é um corte. Os cortes nos salários e nas pensões também eram temporários e acabam por representar uma espécie de poupança forçada não titulada. O governo subiu a idade da reforma para os 66 anos. Acha que devia ter ido mais longe? Já defendeu os 67... O prolongamento da idade da reforma dá um grande contributo à sustentabilidade da Segurança Social. Esse aumento pode justificar-se porque as pessoas têm uma esperança de vida em estado de saúde mais prolongado. O Presidente da República tem vindo a apadrinhar o governo? Acabou por ser o principal apoiante deste governo e que o segurou. Uma das coisas que se pensava quando Cavaco se candidatou à Presidência é que tinha um projecto muito forte de chamar a si uma actividade digna da presidência francesa. E com essa imagem havia a percepção de que teríamos um Presidente com tendência autoritária. A realidade que eu vejo, para minha grande surpresa, não é essa. Vejo um Presidente fraco, muito fraco mesmo. A ideia de que tínhamos um homem capaz de imprimir a sua marca no país foi substituída por um Presidente fraco, que é contraditado e ignorado. A própria concepção que tem dos seus poderes também mostra alguma instabilidade psicológica. Antes de haver a crise política, a concepção dele é que não tinha capacidade de intervenção e, de um momento para o outro, quando a crise surgiu, apareceu na posição oposta. António Costa seria o melhor candidato socialista às presidenciais de 2016? Ainda não abriu a época das candidaturas presidenciais. Quanto à pré-época, já estamos nela desde que Marcelo Rebelo de Sousa falou. António Costa é um candidato forte, sem dúvida. Fala-se agora em António Guterres, embora eu estivesse convencido que ele estava desinteressado. Agora, com o lançamento da sua biografia, parece que está lançado. Nem estou a dizer que Guterres queira, mas à volta de quem promoveu o livro há quem pense que ele deve ser candidato. O livro foi lançado de acordo com o manual de guerra para as presidenciais. Há quem esteja a trabalhar para que ele seja candidato.
Posted on: Sat, 16 Nov 2013 19:53:07 +0000

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