KUEHN, Frank M. C. Friedrich Nietzsche e a tragédia grega em A - TopicsExpress



          

KUEHN, Frank M. C. Friedrich Nietzsche e a tragédia grega em A Origem da Tragédia no Espírito da Música. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999. Publicada em 1872, A origem da tragédia no espírito da música é a primeira obra de Friedrich Nietzsche (1844-1900), em que este apresenta os pontos centrais da sua filosofia estética, de onde também toda a sua crítica ao homem ocidental moderno, à sua cultura e religião. Como indica o título, Nietzsche investiga as origens da tragédia grega a partir da sua relação coma música. Não sendo exatamente uma arte da representação, a música possui para Nietzsche um significado altamente metafísico extraordinário. Na época, Nietzsche estava sob a forte influência da filosofia de Arthur Schopenhauer (1788-1860), autor de O mundo, como vontade e representação. Ao mesmo tempo, Nietzsche estava fascinado pelos dramas musicais Tristão e Isolda e Os mestres cantores, nos quais o filósofo via “a renascença da grande arte da Grécia”, que Wagner, este também influenciado por Schopenhauer, estava promovendo. Anos mais tarde, entretanto, Nietzsche iria se afastar tanto da filosofia de Schopenhauer quanto de Richard Wagner, principalmente por este ter-se levado pelo pessimismo de Schopenhauer , assim como por ressentimentos de cunho nacionalista e anti-semita, razão suficiente a ponto de Nietzsche passar a rejeitar Wagner com veemência. Outro ponto era que Wagner ter-se-ia entregue ao cristianismo, a religião que, para Nietzsche, representa a quintessência da decadência, da fraqueza e da negação do elemento vital do homem, além de alimentar crenças que aludem a dogmas de caráter negativo, elevando-os como se fossem virtudes. Como outros pensadores antes e depois dele, Nietzsche denuncia, sobretudo a falsa moral da sociedade, cujos sinais de desgaste em seu tempo já estavam evidentes. Como escravo de seus dogmas, argumenta Nietzsche, o cristão se agarra ao além como algo que representa uma compensação de uma vida de fracassos. Em oposição a um modelo em si fragmentado e decadente de homem moderno, Nietzsche começa a esboçar, em Assim falou Zaratustra, o modelo do “super-homem” como homem capaz de criar seus próprios valores,avaliar e ampliar os horizontes da sua vida a partir de uma perspectiva da vontade, ou seja, de uma potência proativa, afirmativa. Para Nietzsche, o cristianismo é a continuação de uma ilusão que herdamos do platonismo, cuja idéia central está na crença em outro mundo autêntico e verdadeiro, ao passo em que o mundo terreno não passa de algo provisório, inautêntico, meramente aparente. Com efeito, foi esta uma idéia que faltava ser desmistificada e que, a rigor, descreve bem a tarefa à qual Nietzsche dedicou toda a sua obra estética e filosófica. , Nietzsche investiga a origem do trágico enquanto categoria estética, determinando a sua essência a partir da manifestação artística da Antiguidade grega que se situa historicamente em um período anterior da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o poeta e o filósofo, entre o cidadão e o político, entre o Eros e o Logos. É no fenômeno trágico que Nietzsche reconhece a verdadeira natureza da realidade. É principalmente na arte, em especial na música e na poesia trágica, que está o caminho para a compreensão da existência metafísica do mundo. O fenômeno da arte e da criação artística é o tema central. Em verdade, representa o princípio primordial com que Nietzsche interpreta as origens da civilização ocidental. Foi precisamente na arte trágica da tragédia grega, onde se alcançou a perfeição e a profundidade. Criação artística e elemento trágico estão justamente na origem como resultado de um campo de forças dialéticas adversas. Vale lembrar que o próprio Nietzsche não escapou desta lei em que a própria genialidade constituiu o elemento trágico que poderia sentir com toda a intensidade de filósofo e poeta em uma pessoa. Em oposição a Schopenhauer, Nietzsche não vê o mundo de modo pessimista e sim de modo inovativo e descobridor quando desenvolve, com base em seus estudos sobre a história da tragédia grega, uma filosofia estética afirmativa da vida. Isso, porém, também significa aceitar o lado sombrio e temeroso da vida, o da morte, do efêmero e passageiro, por exemplo. Não raramente, porém, a atitude afirmativa de Nietzsche foi erroneamente confundida com valentia e heroísmo, principalmente quando associada a certo pathos. Em verdade, no entanto, no mundo de Nietzsch e os seres são como ondas em uma grande correnteza, e que a morte não significa a aniquilação ou fim absoluto, e sim uma espécie de retorno às origens, de um ciclo cósmico que denominou de “eterno retorno’ ao qual está sujeita toda manifestação orgânica individual e particular. Essas forças em si opostas entre o finito, limitado e a fonte ilimitada, inesgotável que, em princípio, significa forças e elementos que Nietzsche compara às divindades gregas Apolo e Dionísio. Apolo é o deus da clareza, da forma, da harmonia, da beleza, da ordem e da criação, ao passo que Dionísio é a divindade da exuberância, da música, da vontade, porém também do princípio da embriaguez, da desmedida e da destruição. O apolíneo e o dionisíaco uma vez constituíram segundo Nietzsche, princípios em si complementares que depois foram afastados cada vez mais pela civilização, principalmente pelo racionalismo lógico, introduzido por Sócrates. Desse modo, para se dominar esses instintos paradoxos e profundamente contraditórios, lançou-se mão da “razão tirânica” para disciplinar esta relação. Para Nietzsche, é o caráter místico da grande tragédia grega representa o saber da unidade de vida e morte que abre o caminho para a compreensão do mundo. Em Nietzsche, a oposição entre os elementos do apolíneo e do dionisíaco tende a se transformar em uma única entidade, em que se percebe o lado apolíneo como uma parte integrante do dionisíaco, uma espécie de agente de sublimação das forças construtivas e destrutivas, portanto. Interpretamos ambos mais como um princípio dialético, cujas forças nos fornecem tanto os elementos estéticos quanto cognitivos para o entendimento da realidade. Segundo Nietzsche, a oposição à tragédia foi introduzida por Sócrates e posteriormente aprofundada com o domínio da razão lógico-científica, de um modelo de homem moderno que cada vez mais se afastou de suas origens e que mais separa do que une, para fazê-lo se aperceber do espírito cósmico que está por trás de tudo. Sócrates interpretou a arte trágica como irracional, como algo que adula desviando o homem do caminho da verdade lógica e racional. Noutras palavras, uma obra de arte só é bela quando ela obedece à razão.
Posted on: Fri, 19 Jul 2013 19:55:34 +0000

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