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LEITURA INDISPENSÁVEL PARA QUEM QUER UMMÍNIMO DE NOÇÃO SOBRE A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL "Na entrevista a seguir, Spensy Pimentel também comenta os desdobramentos do Relatório Figueiredo, elaborado entre 1967 e 1968, que documenta casos de tortura e trabalho escravo entre os indígenas brasileiros durante a ditadura militar. “Documentos como o Relatório Figueiredo podem ser importantes para que o país se repense, para que nós façamos um exame de consciência em relação à forma como o Brasil tratou e ainda trata os povos indígenas”, aponta." ... "Os funcionários não agiam como agiam por inclinação pessoal, simplesmente. Não se trata de problemas localizados, isolados. O que aconteceu naquela época foi que o país se olhou no espelho, percebeu o que tinha sido o resultado nefasto de um projeto que tinha começado com um tom humanista, com a figura do Marechal Rondon, e que tinha saído completamente do rumo. E mais: as pessoas, talvez, tenham tido a oportunidade de perceber que o próprio impulso “humanista” que tinha fundado o SPI era um equívoco, porque, muitas vezes, estava ligado a um projeto de transformar o índio, de civilizá-lo, de “melhorá-lo” (o que queria dizer: torná-lo igual a nós), em vez de ser um projeto de chegar até esses outros que são os povos indígenas para conhecê-los e, por meio desse contato, nós mesmos nos alterarmos." ... "Spensy Pimentel – Em primeiro lugar, o relatório é uma oportunidade para rediscutir a historiografia do regime militar como um todo. Fica claro que a repressão no campo, na floresta, longe das cidades, foi a “outra face da moeda” da ditadura. Nas grandes cidades, os opositores eram calados. Mas, o que muitos desses opositores – muitas vezes, jornalistas, pesquisadores etc. – revelariam caso tivessem oportunidade? Justamente o tipo de barbárie que se vê no relatório: abusos que eram praticados em nome da civilização, do desenvolvimento, do progresso, tudo o que estava no cerne da ideologia aplicada pelos militares." ... "Temos até muitos casos de Guarani que tiveram de fugir do país, cruzar a fronteira para o Paraguai, ou a Argentina, a fim de escapar da perseguição que era movida por fazendeiros e por agentes públicos. Absurdamente, hoje, quando eles, ou seus filhos, retornam ao país para cobrar seus direitos, são acusados de serem estrangeiros." ... "Por exemplo, ainda é muito comum que as pessoas aprendam que a escravidão indígena não foi algo significativo na nossa história. Os povos indígenas foram, sim, vítimas do trabalho forçado – e, por sinal, em muitas regiões, têm sua força de trabalho explorada de forma terrível até hoje. Vide, por exemplo, as várias operações de fiscalização que flagraram indígenas trabalhando em condições análogas à escravidão em usinas de açúcar e álcool em Mato Grosso do Sul. Não é por acaso que no período colonial os indígenas foram chamados de “negros da terra” (em oposição aos negros que vinham da África)." ... "Os povos indígenas não são um resquício do passado, eles são parte do nosso presente, e é junto com eles que o país poderá construir o seu futuro, que será tão mais brilhante quanto mais nós tenhamos capacidade de incluí-los, enquanto povos, nessa discussão sobre o futuro. Porque, ao prever um espaço para eles no futuro do país, estamos alargando nossa perspectiva de mundo, estamos criando um mundo onde podem caber muitos mundos, para usar uma imagem proposta pelo movimento indígena mexicano." ... "Embora não tenham merecido muita atenção por aqui nas últimas décadas, as assembleias indígenas como as Aty Guasu são, desde os primeiros contatos com os europeus, uma fonte de imensa aprendizagem política. Para que se tenha ideia, as assembleias da Liga Iroquesa, no século XVIII, foram uma grande fonte de inspiração para o debate em torno da Constituição dos Estados Unidos. Um olhar mais atento ao movimento indígena pode revigorar nossa reflexão e nossas práticas políticas – é o que tem acontecido no México desde os anos 1990, a partir do levante zapatista. As assembleias indígenas guardam importantes lições sobre democracia e autonomia. Os xamãs também nos convidam a olhar o meio ambiente de outra forma, questionando essa tendência ocidental de tratar terra, plantas e animais como “recursos naturais” – como algo de que se extrai proveito econômico meramente. Uma atenção à relação dos indígenas com suas lideranças também pode ser importante para que nos questionemos sobre a forma passiva, alienada, como nos comportamos, muitas vezes, em relação a nossos governantes." ... "IHU On-Line – Enquanto a Comissão Nacional da Verdade investiga os crimes cometidos contra indígenas no país, os parlamentares brasileiros sugerem várias Propostas de Emenda à Constituição, a exemplo da PEC 215, e o governo federal assume uma postura de garantir o desenvolvimento nacional desconsiderando a ocupação dos territórios indígenas. Como vê essa postura do Estado brasileiro em relação à questão indígena? Spensy Pimentel – O momento é, evidentemente, gravíssimo, como muitos já têm dito. É um momento de crise profunda. Eu poderia fazer muitas críticas, mas isso não vai ajudar a resolver os problemas. Estamos num momento novo, em que o Brasil não é mais aquele país pobre, subdesenvolvido, a quem os Estados Unidos ou a Europa podiam mandar “ajoelhar no milho” por conta de algum problema interno nosso. Temos de passar, aqui mesmo, no Brasil, por um processo de discussão mais séria a respeito da relação do país com os povos indígenas. As coisas ainda são muito mal resolvidas. O Estado brasileiro, no seu afã de promover o desenvolvimento, ainda tem muita dificuldade de dialogar com os povos indígenas quando se trata de levar projetos a regiões onde eles estão presentes. É preciso olhar o passado para tentar fazer diferente. Não é possível que se construam usinas no Xingu ou no Tapajós como se construiu Itaipu, sem o menor respeito aos povos indígenas. Também há muitos esqueletos no armário, quando se trata da questão fundiária. Injustiças horríveis foram cometidas ao longo do século XX, isso precisa ser reconhecido. Em lugares como o Mato Grosso do Sul -MS, a fronteira agrícola avançou literalmente atropelando povos como os Guarani-Kaiowá." ... "IHU On-Line – A partir das suas pesquisas, quais são as dificuldades para entender os povos indígenas? Spensy Pimentel – A dificuldade principal vem do fato de que quem inventou o “índio” fomos nós, não foram eles. Quem chegou aqui e, por sinal, de forma equivocada, chamou as pessoas de “índios”, em alusão à Índia, foram os europeus. Nós é que temos na cabeça uma espécie de índio imaginário que atrapalha muito nossas conversas, porque, o tempo todo, pensamos que eles devam ser aquilo que aprendemos desde pequenos: que devam andar nus, morar “na oca”, fazer a “dança da chuva”, falar “tupi-guarani”, ter “pajé e cacique” etc. O mais absurdo é que, se eles não correspondem a essa nossa ideia de índio, parecem ser “menos índios” aos nossos olhos. É preciso fazer uma espécie de faxina mental para retirar essas ideias, esses fantasmas, e começar a construir novas imagens a partir de um diálogo real com os povos indígenas. Estamos falando de 305 grupos indígenas, com 274 línguas diferentes, vivendo em 688 terras indígenas, espalhados por lugares tão distintos como a Serra do Mar, o Alto Rio Negro, o Pantanal, a Caatinga e em cidades grandes e pequenas, de todas as regiões do país. Já está mais que na hora de o brasileiro deixar de lado algumas ideias simplórias sobre os povos indígenas."
Posted on: Thu, 13 Jun 2013 20:06:53 +0000

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