Lembrei até de um texto meu bem antigo, da parte final: Não só - TopicsExpress



          

Lembrei até de um texto meu bem antigo, da parte final: Não só a alegria é ingovernável. Uma leitura atenta de Maquiavel e, também de Clausewitz, permitiria-nos acolher suas práticas heterogêneas no seguinte enunciado: A multidão em seu tumulto, em armas (conhecimento , arte, comunicação, afetos), encontra em sua autonomia (não-arbitrariedade) as vantagens comparativas sobre qualquer exército, Estado, polícia, forças criminosas, empresas privadas, forças de repressão e toda e qualquer forma de violência, estatal ou mercenária, organizada e mobilizada contra ela pelo capital e suas forças suplementares.] Deu até vontade de re-postar aqui só pra afirmar um contraponto à esse esforço de amedrontamento que logra apoio de sindicalistas e da esquerda parlamentar, até para tornar compreensivo um pouco mais esse trecho, isso foi lá pelos inícios dos 2000 ... sem revisá-lo, atualizá-lo ou matizá-lo, e independente de minha atual simpatia ou não com Maturana, lá vai! Na época era o que eu pensava e assim tentava me fazer entender ... ******** NO PRESENTE DE NOSSA CIRCUNSTÂNCIA Leonardo Retamoso Palma O título do presente texto é tomado diretamente das reflexões do biólogo chileno Humberto Maturana Romesín, mais exatamente, de sua abordagem sobre os temas da alienação e da responsabilidade. Maturana argumenta que tanto “vivermos no passado de nossa circunstância” quanto “vivermos no futuro de nossa circunstância” são modos alternativos de vivermos a prática concreta da alienação, no espaço de emocionalidade da desresponsabilização, ou seja, alienad@s. Há quem já tenha formulado a mesma questão em termos da relação entre trabalho vivo e trabalho morto. Vivermos no presente de nossa circunstância pressupõe não abdicarmos jamais daquilo que efetivamente podemos, de nossa potência; implica na afirmação do trabalho vivo, logo, plano da imanência, das singularidades e singularizações (intransferíveis e insubstituíveis), da sociabilidade comunicativa e cooperativa de modo constituinte: existência criativa. Viver no passado de nossa circunstância pressupõe subordinação ao trabalho morto, sujeição ao pretérito e ao que nos foi expropriado e acumulado contra nossa potência; implica subordinação e resignação frente ao constituído, ao institucionalizado, à exterioridade/objetividade estrangeira, ao objetivismo e sua ditadura — que reduz o vivo à dignidade de coisa e propõe o fatalismo: o mundo tomado como um absoluto transcendente sob o qual nossas ações não incidem, sendo incontrolável e, porém, incidindo de modo absoluto sobre nós — à naturalização do controle e do disciplinamento da realidade e das dinâmicas humanas, solidariamente articulada à aceitabilidade e à tolerância com tal situação depressiva. Viver no futuro de nossa circunstância pressupõe tomar o projetado, o imaginado, o idealizado, como algo já dado e concluído antecipadamente, determinado de antemão, independentemente de sua realização concreta, de sua produção e realidade, tomá-los tal qual uma “objetividade”; implica a subordinação ao trabalho morto imaterial, ou seja, trata-se do utopismo, do idealismo e do amesquinhamento do futuro (em si aberto e em construção), uma vez que sujeita-o ao pretérito, ao dado tomado como critério de enquadramento e captura. Contrariamente, viver no presente de nossa circunstância implica desutopia, poder constituinte, anti-transcendentalismo, ontologia constitutiva. Trabalho vivo é correlativo ao plano da imanência, implica singularização, produção de subjetividade e de sujeit@ [anti-cartesian@], co-produção do comum, composição de multidão e na multidão; cada ser complexo e singular é irredutível ao mero atributo físico massa e, também, irredutível ao “público” alienado: elemento do povo. Escrevo, coerente com o acima exposto, de uma perspectiva antagônica às noções de massa e de povo (a multidão quando subtraída de seu poder), assim como da perspectiva antagônica à noção de soberania (poder expropriado da multidão quando esta é subordinada, controlada, disciplinada e reduzida à dignidade de povo). Escrevo então, orientado por um propósito polêmico, da perspectiva da política das multidões (d@s muit@s enquanto muit@s, d@s múltipl@s enquanto multipl@s: mulheres e homens complex@s em dinâmicas de composição e recomposição de classe): autonomia contra-imperial, movimento de movimentos e rede de redes na afirmação do poder da insubordinação. As características mais explícitas dessa perspectiva são as formas de democracia não-representativas e não-delegativas, ou seja, democracia absoluta produzida por auto-apresentação das multidões. Escrevo engajado no espaço de emocionalidade inaugurado pelas multidões argentinas (em evidência planetária desde os dias 19 e 20 de dezembro de 2001), na grande onda de protagonismo antagonista que @s autoconvocad@s, por auto-apresentação, colocaram em movimento: co-produção do comum na figura da singularidade e singularizações na figura do comum, nisso que passa a ser referido como Laboratório Argentina. [Um parêntese: emocionalidade e sensibilidade não cumprem mera função retórica aqui. Acolher a potência da multidão está em correlação com uma ruptura com o enquadramento liberal-burguês-capitalista e seus dispositivos de pensamento e cognição típicos. Onde lutas ecoam lutas, elas não serão reconhecidas nem valorizadas em sua potência por parte de quem não luta a não ser retoricamente. Trata-se de uma questão de sensibilidade. Onde é necessário produzir novas categorias de luta, de pensamento e de análise, o apego aos paradigmas hegemônicos, por pura preferência, será característica marcante de formas de resistência de quem insiste em não acolher as rupturas com os paradigmas hegemônicos. Trata-se de uma questão de emocionalidade.] A título de exemplaridade polêmica, três são as idéias que gostaria de propor e, na medida do possível, ensaiar desenvolvimentos provisórios: a) o movimento estudantil brasileiro não existe (assim, poderíamos fazer referências similares ao abordar o movimento sindical e o movimento político); b) pelo modo como formação universitária está relacionada com carreira profissional e modo de vida, cada estudante universitári@ em situação, no mais das vezes, cumpre função de “ponta de lança” da privatização; c) todo e qualquer programa (objetivação) pautado por delegação de titularidades e representação, está em solidariedade com projetos e práticas conservadoras e reacionárias. A suposta existência natural e não problemática de um Movimento Estudantil (M.E.), [um Movimento de Trabalhadores (quando a referência é o movimento sindical, na verdade), um Movimento Político (quando a referência é o movimento partidário, na verdade)] é subsidiária de uma crença: a mítica posse de um patrimônio. As lutas pretéritas (trabalho morto) protagonizadas pelo pretérito movimento estudantil, que já não há, consistiriam no núcleo desse patrimônio. Que movimento estudantil já tenha existido e tenha sido expressão de movimento emancipatório e de resistência, logo, expressão de multidão, em nada modifica a atual situação de não existência desse movimento. Aplica-se o mesmo raciocínio aos movimentos sindical e político-partidário, com agravantes consoante suas especificidades. É justamente tal crença e tal mito que impedem a composição desse tipo de movimento, uma vez que induz a desresponsabilização dos indivíduos com os esforços de mobilização e organização do antagonismo latente e difuso. O impulso emancipatório, no mais das vezes, não vai além da emergência episódica de algumas movimentações. Existem os indivíduos envolvidos com as entidades e “organizações”, sejam elas partidárias ou não. Existem ainda as entidades, as “organizações” e os partidos. Estes têm suas existências assentadas na necessária disjunção movimento/organização, bem como na hierarquização que subordina movimento (suposto) à “organização”: trabalho vivo subordinado ao trabalho morto, ou seja, institucionalização. É justamente tal disjunção que interdita a constituição desse tipo de movimento, como já afirmamos, ficando tudo reduzido a casuísticas movimentações. Movimento só pode emergir quando constituinte, como dinâmica de auto-apresentação e auto-organização, como composição multitudinária, como trabalho vivo. O que há, em solo brasileiro, quando a referência é o suposto existente movimento estudantil, é expressão do trabalho morto, com raras e ralas exceções. Ao menos tal como tradicionalmente foi pensado, não existe efetivamente. Os esforços individuais privados que redundam em saídas existenciais individuais privadas são, ao mesmo tempo, função da privatização do público, já alienado (forma liberal-burguêsa do público, assentada na disjunção público/privado, logo, público não-comum), e condição histórica da existência do capitalismo (não por último, mas também). Maturana cifra isso no antagonismo entre cooperação e concorrência (ou competição): a demarcação e o liquidacionismo constitutivos da concorrência e da competição são correlativos à dominação e à produção de assimetrias. Não há generosidade na concorrência nem na competição; não há solidariedade; não há o comum. Por outro lado, na cooperação (co-operar, coordenar condutas) há a co-produção do comum, das relações comunitárias de singularização e liberação das singularidades. Na cooperação e na comunicação emerge @ sujeit@ inteligente (a inteligência é do âmbito das condutas relacionais!), @ sujeit@ cooperativo e inteligente: na cooperação há produção de mundos e de liberdade efetiva, do público comum (pós-burguês, multitudinário), de comunidades emancipatórias, de auto-governo de ingovernáveis. [Parentese final: não só a alegria é ingovernável. Uma leitura atenta de Maquiavel e, também de Clausewitz, permitiria-nos acolher suas práticas heterogêneas no seguinte enunciado: A multidão em seu tumulto, em armas (conhecimento , arte, comunicação, afetos), encontra em sua autonomia (não-arbitrariedade) as vantagens comparativas sobre qualquer exército, Estado, polícia, forças criminosas, empresas privadas, forças de repressão e toda e qualquer forma de violência, estatal ou mercenária, organizada e mobilizada contra ela pelo capital e suas forças suplementares.] Paradoxalmente — ao menos em aparência é um paradoxo — há multidões! O antagonismo difuso constitutivo da composição de classe na contemporaneidade, d@s muit@s enquanto muit@s, d@s multipl@s enquanto multipl@s, inequivocamente existe e vem produzindo mundos e riqueza. As subjetividades latentes e sua transposição em subjetivação revolucionária vem ocorrendo. As singularizações de co-produção do comum (linguagens, inteligência pública, afeto, sociabilidade) irrompem criativas e experimentalistas. O poder da insubordinação auto-apresenta-se planetariamente cada vez com maior capacidade de provocar tumultos. O Império adivinha temerário a aproximação surpreendente de vândal@s e bárbar@s em suas rotas imprevisíveis de nômades em êxodo produtivo, sem apegos aos espaços e às dinâmicas indesejáveis, insubordinad@s. COCCO, Giuseppe e HOPSTEIN, Graciela (Organizadores). As multidões e o Império: entre globalização da guerra e universalização dos direitos. Rio de Janeiro: DP&A Editora; 2002. MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e tradução: Cristina Magro e Victor Paredes; Belo Horizonte: Ed. UFMG; 2001. MATURANA, Humberto e REZEPKA, Sima Nizis de. Formação humana e capacitação. Trad.: Jaime A. Clasen; 2o ed.; Petrópolis: Vozes; 2001. NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Trad.: Adriano Pilatti; Rio de Janeiro: DP&A Editora; 2002. NEGRI, Antonio e HARDT, Michael. Império. Trad.: Berilo Vargas; 2o ed.; Rio de Janeiro/São paulo: Record; 2001. [Por tratar-se de uma tradução fraudulenta de Empire (Harvard University Press).
Posted on: Wed, 04 Sep 2013 22:35:22 +0000

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