MATRIMÓNIO RIBEIRINHO (COM ÍNDICO AO FUNDO) Chegam nos "chapas" - TopicsExpress



          

MATRIMÓNIO RIBEIRINHO (COM ÍNDICO AO FUNDO) Chegam nos "chapas" – carrinhas de transporte público para gente remediada e temerária, conhecidas por triplicarem a lotação razoável das viaturas e dos cemitérios, bem como pelos psicopatas de óculos escuros que as conduzem em manobras suicidas – reluzindo lantejoulas, cetins e tirilenes sob a canícula africana. Elas, as damas de honor, Vénus de ébano e cabelos contrafeitos, alisam o brilho dos atavios e saltitam entre lixo para evitar que os saltos de verniz lavrem a terra laranja; eles, Adónis de lábio grosso, muito secos e aprumados, camisa rosa fuschia que o negro das calças e da melanina acentua, arqueiam espáduas à vista do fotógrafo de serviço. Um torcionário perfeccionista que ninguém ousa contrariar: metralha nipónica em riste, instrui noivos e convivas na posição que os há-de imortalizar com frenesi tangente à esquizofrenia. Tanto sol e desassossego instila a sudose ácida dos convivas nas narinas alheias, testemunhas involuntárias que ali estão, na margem do Incomáti, para apanhar o batelão que atraca na Macaneta, praia luminosa temperada de sal pelo Índico. É apenas um utilitário de ferro torcido e motor cansado de tanta água, carros e gente, o batelão, e sem outra graça que não esse milagre de flutuar, mas ao qual descobriram, os nubentes lá da terra, insuspeita fotogenia. Por superstição, moda ou bizarria, sucedem-se as fotos, rápidas e gritadas, da felicidade conjugal afeita ao imaginário do homenzinho frenético, ordenando ao casal que se alinhe aqui e acolá, no cais e no convés do velho batelão, até decidir, finalmente, que sim, que já chega, que está bem, óptimo até. E garante que os noivos ficarão belos (como jamais serão) na moldura chinesa cujo plástico imita, com perfeição que supera o original, o mogno das revistas enceradas, trazidas das minas mais para sul, no país do arco-íris que todos buscam e só alguns vislumbram, por um primo sem pulmões nem fortuna. E é no termo da sessão que a verdadeira magia acontece, com o confronto das vozes bem timbradas de meia dúzia de mulheres em tailleur azul e os tenores masculinos, de fato escuro e camisa branca, que dançam e cantam uma e outra vez com um entusiasmo que oblitera os gritos do fotógrafo, o motor do batelão e acalenta, por certo, a esperança aos noivos de que a felicidade matrimonial, mesmo que emoldurada por fancaria, talvez seja possível nas margens do Incomáti.
Posted on: Sun, 06 Oct 2013 00:31:01 +0000

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