MEU SAPATO MARROM Por Laudiceia Cordeiro Morais Quando criança, - TopicsExpress



          

MEU SAPATO MARROM Por Laudiceia Cordeiro Morais Quando criança, conheci uma menina que morava numa grande casa defronte à minha. Ela era filha única, bela e dona de um guarda-roupas fabuloso que, confesso, me enchia de inveja. Não era minha amiga, mas gostava de me convidar para visitá-la, com o intuito de mostrar suas roupas, sapatos e objetos de enfeite, olhando bem no meu rosto para ver o efeito que tais coisas faziam para uma menina pobre como eu, que só possuía um par de sapatos. E o pior é que eu sentia mesmo a diferença das nossas posses. Meus pais eram pobres. Meu pai sempre foi muito trabalhador, mas o dinheiro não era suficiente para uma família com oito pessoas. Minha mãe nem sonhava em trabalhar fora, isso não se fazia em famílias de bem naquele tempo. A mãe era ‘do lar’, lavando roupas no tanque, passando, costurando, tomando conta das crianças, e o pai, sim, era quem saía cedinho para ganhar o pão. Consequência de um salário só, e bem pequeno, e por este motivo eu só possuía um único sapato marrom, que me servia para ir à escola, brincar na rua, até para ir à igreja. Fiquei até com apelido de ‘sapato marrom’ na rua em que morava. Acho que até hoje alguém ainda se lembra da menina do sapato marrom. Só quem teve um apelido assim como criança sabe a dor que isso significa. E ainda vinha a Silvaninha abrindo seu largo guarda roupa para exibir dezenas de sapatinhos coloridos, saias e blusas combinando, vestidos que eu só vira antes nas vitrines das lojas, ou em seu quarto cheio de belezas, um abajur com pompons, uma caixinha cor de rosa cheia de fivelas e prendedores de cabelo, colarzinhos, brinquinhos e muitos brinquedos... Eu não possuía nada disso. Tinha três vestidos, três bonecas, um sapato já bem velhinho, muito consertado, meio caído para um lado, em conseqüência de tanto tempo de uso. Coisas bonitas enfeitando o quarto eu não tinha, mas meu pai jamais deixou que faltassem livros, os quais ele comprava quase que semanalmente, onde pudesse achá-los, novos se fossem baratos, mas também de segunda mão. Tínhamos livros em tudo quanto era canto da casa, eles foram o meu tesouro, minha riqueza, quando criança e só hoje sei o quanto eram muito mais valiosos do que todos os tesouros da Silvaninha, pois tinham o poder de me transportar para outras terras que me levavam a sonhar e viver em outras épocas me fazendo conhecer, outros países e seus costumes, isso me enriquecia bastante intelectualmente. Mas, naquele tempo eu ainda não sabia disso da maneira que sei hoje, Eu queria ser como a Silvaninha, queria também ter vestidos vaporosos, sapatos com laços em cima, um quarto impressionante. Minha realidade era bem outra. O sapato marrom sempre me esperava à porta de casa. Chegou o dia do aniversário da minha melhor amiga e minha mãe conseguiu comprar um vestido vermelho para que eu usasse na festa. Que felicidade ter aquele vestido! Porém, um probleminha... vou ter que usar o sapato marrom, não vou? O dinheiro não havia chegado para um sapato novo. Três da tarde, eu prontinha para a festa. Vestido novo, cabelo lavado e penteado, pés no chão na sala de casa, tentando apagar da memória o sapato marrom que teimava em perturbar a minha cabeça de criança inocente. E aí, lembrei de falar com Deus, quem sabe assim um milagre aconteceria. E foi ai, com meu jeito de menina pobre, quase pedindo socorro em desespero um sapato, qualquer coisa que combinasse com meu lindo vestido vermelho. Menos o sapato marrom. Quatro e pouco, hora de ir para a festa. Peguei o presentinho e fui me aproximando do inevitável sapato marrom. De repente, a campainha toca e minha tia Maria entra pela casa a dentro como sempre, sem esperar que alguém lhe abra a porta, carregando uma caixa. “Isso é pra você”, ela me diz. “Passei pela sapataria e vi tudo em liquidação e fiquei com muita vontade de comprar uma sandália para você”. Abro a caixa, coração batendo forte. Dentro, uma sandália vermelha, do meu número, do meu gosto. Coloco nos pés e saio correndo, quase voando. Deeeeeeeus existe e Ele cuida de mim! Essa foi a única vez que minha tia me deu um sapato. Outros presentes, sim, mas uma sandália e exatamente como eu queria, nunca mais. Aquela foi de encomenda. Eu a encomendei em um pedido especial, vindo do meu coração a Deus, e ele me ouviu e atendeu o pedido de uma pobre criança, essa criança era EU !!!
Posted on: Sun, 01 Sep 2013 04:37:37 +0000

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