Mais um tantinho de literatura: Neste fim de semana revi alguns textos deixados de lado no computador e encontrei esse, para um romance em hibernação. Sem pretensões, acho que serve para os dias que correm. "Ele, que estivera ausente tanto tempo e jamais procurara a família, percebia-se agora, ao se dirigir até a cidade natal, a experimentar uma curiosidade vaga, de saber daqueles com os quais compartilhara, nas reuniões de família, o ranger dos soalhos do casarão e o temor pelo estalar noturno de seus cômodos. De que forma o tempo os marcara e quantos já se haviam tornado apenas um irremediável retrato? Quantos poderiam ainda se manter na vertical, como diziam alguns, caminhando à sombra das mangueiras centenárias no quintal sombreado? Quantos, dos porões da infância, se recordariam do pasmo beatífico experimentado pelo padre belga, recém-chegado aos trópicos, abençoando com seu gestual rondo de clérigo o sabor levemente acidulado da jabuticaba? De sua parte, ele que imaginara não viver tanto, sentia-se também envelhecer. Ao tentar levantar-se pela manhã, por exemplo, já não tinha a mesma agilidade da juventude. Emperrava, percebia pesarem-lhe as pernas em um claro prenuncio da inexorável senectude. Ao olhar-se no espelho, não raro já era surpreendido pela fisionomia do pai, aos cinquenta anos, por trás da sua. Já nutria dúvidas e invejava secretamente o tempo no qual as posições de cada um no mundo eram definidas sem qualquer matiz. Do seio da igreja, com seu manancial de certezas, dera um salto para o ativismo político, no qual também, ou se era de esquerda ou direita, revolucionário ou da reação, imperialista ou libertador. Agora, na condição de professor de sociologia, os monólitos gigantescos aos quais se aferrara como faróis para atribuir algum significado à existência, mostravam-se engrenagens obsoletas e cada vez mais semelhantes a estas boias minúsculas de crianças em meio à ressaca."
Posted on: Sun, 21 Jul 2013 12:51:07 +0000
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