Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser. Sabe a arte - TopicsExpress



          

Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser. Sabe a arte de esconder-me e é de tal modo sagaz que a mim de mim ele oculta. Meu corpo, não meu agente, meu envelope selado, meu revólver de assustar, tornou-se meu carcereiro, me sabe mais que me sei. Meu corpo apaga a lembrança que eu tinha de minha mente. Inocula-me seus patos, me ataca, fere e condena por crimes não cometidos. O seu ardil mais diabólico está em fazer-se doente. Joga-me o peso dos males que ele tece a cada instante e me passa em revulsão. Meu corpo inventou a dor a fim de torná-la interna, integrane do meu Id, ofuscadora da luz que aí tentava espalhar-se. Outras vezes se diverte sem que eu saiba ou que deseje, e nesse prazer maligno, que suas células impregna, do meu mutismo escarnece. Meu corpo ordena que eu saia em busca do que não quero, e me nega, ao se afirmar como senhor do meu Eu convertido em cão servil. Meu prazer mais refinado, não sou eu quem vai senti-lo. É ele, por mim, rapace, e dá mastigados restos à minha fome absoluta. Se tento dele afastar-me, por abstração ignorá-lo, volta a mim, com todo o peso de sua carne poluída, seu tédio, seu desconforto. Quero romper com meu corpo, quero enfrentá-lo, acusá-lo, por abolir minha essência, mas ele sequer me escuta e vai pelo rumo oposto. Já premido por seu pulso de inquebrantável rigor, não sou mais que dantes era: com volúpia dirigida, saio a bailar com meu corpo. As contradições do corpo - Carlos Drumond de Andrade
Posted on: Tue, 02 Jul 2013 04:59:51 +0000

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