Moradores da Maré entre o fuzil do traficante e o Caveirão da - TopicsExpress



          

Moradores da Maré entre o fuzil do traficante e o Caveirão da polícia Complexo se prepara para pacificação enquanto convive com o domínio do tráfico e a repressão da PM Jornal do BrasilHenrique de Almeida Publicidade Prestes a receber a 40ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro, o Complexo da Maré lida atualmente com dois lados de uma guerra: aparelhado pelo Estado, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar enfrenta acusações de destruição de propriedade. Enquanto isso, os traficantes de três facções tentam manter o controle de seus territórios. No meio de tudo isso, está o morador da Maré. No dia 24 de junho, uma incursão do Bope foi realizada na comunidade da Nova Holanda. Policiais tentavam encontrar bandidos que haviam se infiltrado em uma manifestação na Avenida Brasil para praticar assaltos. Durante o tiroteio, um sargento do Bope morreu baleado. Outras nove pessoas morreram durante a ação, três delas sem nenhum antecedente criminal. O ato foi considerado “desastroso” pelos moradores da Maré, que realizaram na última terça-feira (2) um ato ecumênico que reuniu mais de cinco mil pessoas, lembrando os mortos na operação. 1 / 47 Na última quinta-feira, o governador Sérgio Cabral, um dos principais alvos dos protestos na última terça-feira na passarela 9 da Avenida Brasil, lamentou a morte dos envolvidos, mas disse que “ quando (os bandidos) revidam atirando, a polícia não pode deixar de reagir". Cabral ainda reforçou a vinda de uma UPP para a comunidade. "É uma situação ainda do Rio de Janeiro que estamos avançando para pacificar", disse. O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, também foi muito criticado durante os protestos. Segundo ele, “em alguns pontos do Rio ainda há a lógica da guerra, mas esta não é mais a lógica da polícia”. E garantiu que a violência não é boa para o Rio, nem para os moradores, nem para ninguém. Para os moradores da Maré, no entanto, a frase de Beltrame não teve eco entre os policiais que realizam frequentes incursões à favela. Ferido pelo Estado Cláudio Duarte, 41 anos, mora na Nova Holanda e trabalha como motorista de van. Ele voltava para casa às 23h30 do dia 24 de junho. Havia buscado a esposa no trabalho e estava na entrada da comunidade. De repente, ouviu o barulho de tiros na lataria da sua van. Um dos seis tiros disparados atingiu sua nádega, na altura do fêmur. Naquele momento, conta ele, Cláudio se sentiu “desnorteado e desesperado”. Os próprios moradores o levaram para o Hospital Geral de Bonsucesso, onde foi tratado. Já em casa, ele contou ao Jornal do Brasil sobre o momento em que foi ferido: “Eu estava dentro da minha van com a minha esposa do lado, nem percebi que o Caveirão tinha acabado de entrar na comunidade. Estava andando devagar, não acelerei o carro em nenhum momento, não havia porque dar tiro em mim”, desabafa ele, que quase perdeu a esposa no meio de tudo isso: uma bala atingiu o banco do carona pouco depois de ela abaixar para escapar do tiroteio. Claudio garantiu que vai entrar com uma ação contra o Estado do Rio pelo ferimento. “Só estou esperando o laudo médico chegar, e vendo também a questão do meu seguro DPVAT, por causa dos tiros na minha van”, explica ele, que não parece nutrir muita esperança em dias melhores a partir da instalação da UPP no complexo da Maré, marcada ainda para este ano. “Não sei se vai melhorar ou não. Vamos ver”, diz ele, desanimado. Péssima primeira impressão Cantor de funk e grafiteiro, um morador da Nova Holanda que se identificou apenas como Valnei, mas que é conhecido como MC Suco, conta que inicialmente ficou feliz ao chegar, há seis meses, para morar na favela, vindo de Rocha Miranda. “O artista aqui pode se expressar. Canto funk, tenho projetos em cinema, dou aulas de composição, faço grafite... Um pouco de tudo”, diz o jovem de 26 anos. No entanto, ao falar sobre a atuação da polícia na Maré, o rosto sorridente se transforma. Com expressão fechada, ele relata que as primeiras impressões ao chegar na favela não foram nada boas: “Na primeira semana, houve um tiroteio na porta da minha casa. Os policiais entraram na casa de vizinhos meus, destruíram as coisas dos moradores e se abrigaram na casa de outras pessoas para trocar tiros com os traficantes”, diz ele, que reclama de algo constante nas favelas e totalmente evitado em outras áreas da cidade. “Você faz de uma área residencial uma área de guerra, sem se preocupar com quem pode ser atingido, como aconteceu no último caso da operação”, desabafa. O comentarista de segurança pública da TV Globo, Rodrigo Pimentel, afirmou recentemente que “fuzil deve ser utilizado em guerra, em operações policiais em comunidades e favelas. Não é uma arma para se utilizar em área urbana”. A frase causou indignação a muita gente, incluindo MC Suco, que lembrou de outra frase polêmica sobre segurança pública, essa dita pelo secretário José Mariano Beltrame: "Não posso fazer um bolo sem quebrar os ovos". “Como eles querem implantar segurança e paz a partir de armas? Se eles pensam em paz assim, ele devem estar pensando em paz de cemitério”, dispara. MC Suco aproveita para deixar claro que o fato de estarem protestando contra o abuso da polícia não configura em, automaticamente, defender a presença de traficantes no local: “Alguns meios de comunicação dizem que estamos defendendo traficantes, e não é isso. Estamos defendendo a nossa vida. Não queremos que o Bope atire em um lugar onde há crianças na rua, trabalhadores na rua. Se o Bope tiver que entrar, que entre para conversar, prender, e não para fazer o que vem fazendo.” Para o MC, existe uma inversão de valores na visão que a sociedade tem da ação policial e da reação dos moradores das comunidades aos abusos da polícia: “Eu não preciso segurar um fuzil para ser respeitado. Se o povo se rebela contra a ação da polícia, há quem ache que o povo está errado. O que eu tenho para dizer para os policiais é o seguinte: vocês pacificam usando arma. E a gente aterroriza pedindo paz”, finalizou. Mais críticas ao Bope Outros moradores do complexo, que não quiseram se identificar, contam que as ações do Bope durante as incursões às 16 comunidades da Maré são ainda mais dramáticas. Um deles conta que, em outro tiroteio recente entre bandidos e o Bope resultou na morte de uma senhora, com um tiro pelas costas. E, mais grave ainda, o tiro teria sido feito pelos homens do Batalhão. Ele conta que os homens do Bope estavam escondidos há horas dentro da casa de uma pessoa, sem a autorização prévia dela, e que, quando os tiroteios começaram, uma bala disparada por um soldado atingiu a mulher, que estava de costas para a casa. De acordo com outra moradora, os oficiais ainda por cima cometem vários atos infracionais e até mesmo crimes: roubam o dinheiro das pessoas de dentro das casas, do caixa dos comerciantes. Uma delas contou que teve o sofá cortado ao meio porque os oficiais desconfiavam que drogas estavam escondidas dentro do móvel. Um morador, especialmente indignado, contou ao Jornal do Brasil que os homens do Bope quiseram arrombar seu portão e, depois, seu carro. “E você não pode ter uma televisão melhor, um eletrônico melhor, que eles já começam a perguntar se você tem alguma relação com os bandidos, com os traficantes. É um absurdo. Quando polícia entra na comunidade, só muda o dono. Sai do bandido, mau-caráter, para os policiais ”, finaliza ele. Tráfico: respeito pelo medo A relação com os traficantes, apesar de menos tempestuosa no momento, não é exatamente tranquila. Atualmente, o Comando Vermelho comanda dez comunidades da Maré, contra quatro do Terceiro Comando e duas comandadas por milícias. A facção ADA, que havia sido expulsa da comunidade, tenta reestabelecer o comando de alguns pontos, tornando a guerra do tráfico algo inevitável dentro do Complexo. “Lógico que eu não gosto de traficante, eu odeio eles tanto quanto a polícia. Não gosto de ver esses caras armados na minha porta, por exemplo”, diz um morador que não quis se identificar. “Eles intimidam, querem as coisas de graça, querem ganhar vantagem porque andam armados”, lamenta. Um outro morador conta um caso tão cruel quanto inacreditável. Segundo ele, alguns traficantes queriam usar a casa de um morador como quartel-general. O morador insistiu para não ser retirado do local, mas ficou a um preço humilhante: os traficantes permaneceram na laje do morador durante pelo menos uma semana, bebendo, observando a região e comendo a comida que os mesmos traficantes obrigavam o morador a preparar para eles. OAB presente Durante o ato na Maré, era visível a presença de membros do Comitê de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil- RJ. Como em todas as manifestações das últimas semanas, os advogados estiveram lá para garantir a preservação dos direitos de manifestação. Porém, para alguns setores da sociedade, a presença da OAB no ato da Maré não foi bem recebida. Quem conta é Felipe Santa Cruz, presidente da OAB-RJ: “É engraçado, né? Quando a gente botou membros da Comissão de Direitos Humanos da OAB nas manifestações da Zona sul e do Centro, onde a classe média esteve presente, foram só elogios à Ordem. Agora, quando viemos aqui para a Maré, recebi um monte de mensagens na minha página pessoal e no site da OAB dizendo que estávamos “protegendo direitos humanos de bandidos”. Ou seja, é aquela velha criminalização dos moradores de comunidades”, disse Santa Cruz. Ainda na terça-feira, André Barros, membro da comissão de Direitos Humanos da entidade garantia que o dever da OAB é zelar para que não se criminalize o morador das comunidades. E ainda foi além: “Estamos lutando por uma polícia que tenha a mesma prática em toda a cidade. A polícia não pode, sob o argumento de que está combatendo a violência, matar as pessoas, porque não existe pena de morte no Brasil”, disse ele. “Relação precisa mudar” Jailson de Souza e Silva é um dos diretores do Observatório de Favelas, especialista em estudos a respeito da violência e professor adjunto no departamento de educação da Universidade Federal Fluminense. Para ele, o principal objetivo do ato ecumênico foi claro: criticar não tanto a polícia, mas sim o Estado, que a aparelha e autoriza a agir. A iniciativa de botar o nome do sargento do Bope Ednelson dos Santos, 42 anos, entre os homenageados, foi feita com este objetivo: "Queríamos também mostrar que as estratégias de segurança nas favelas sem UPP são retrógradas, sem cabimento, anti-democráticas e ilegais. Uma parte considerável da tropa entende isso, e estamos preocupados em enfrentar essa estratégia”, disse ele. Silva conta que o próprio filho foi vítima de abusos por parte da Polícia Militar dentro do Complexo da Maré, um exemplo das denúncias que o Observatório de Favelas vem recebendo: “Ele é o típico morador jovem da favela: negro, mora sozinho e trabalha nas Redes da Maré (ONG dentro da comunidade). O Bope entrou na casa dele, disse que a cama dele, que tem um baú embaixo, era para guardar armas e drogas. E ainda intimidou, dizendo o tempo inteiro que ele estava mentindo sobre ser trabalhador, que tinha roubado de alguém as coisas que ele tinha em casa”, conta ele, lamentando que o fato tenha acontecido com o próprio filho. Silva diz que as inúmeras denúncias recebidas pelo Observatório fizeram com que a ONG realizasse a campanha Somos da Maré e Temos Direitos. “A população está cansada desse conjunto de ações de preparação para a UPP, que são completamente desrespeitosas”. O professor e pesquisador conta que os próprios comandantes dos Batalhões próximos e os que devem comandar a próxima UPP sabem que a pacificação na Maré deverá ser acompanhada por entidades como a OAB, a Defensoria Pública e outros órgãos do Estado, a fim de preservar os direitos dos moradores. “O comando da Polícia e o governo têm que romper com essa ideia do policial se tornar o novo dono da favela. Ele deve realizar somente as suas atribuições”, analisa ele, esperando que a pacificação traga consigo a esperança de uma nova realidade para os moradores do Complexo da Maré. Resposta da PM A assessoria de imprensa da Polícia Militar informou que "a ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) na comunidade da Maré no dia 24 de junho de 2013, se deu em decorrência da presença de marginais que se infiltraram em uma manifestação que acontecia no bairro de Bonsucesso." Ainda de acordo com a corporação, "a PM foi acionada por conta do registro de saques, tentativa de invasão de um motel e roubos em série na Avenida Brasil. Houve um cerco inicial do efetivo do 22º batalhão (Maré), que foi recebido a tiros. Foi necessário o reforço de policiais do Batalhão de Choque em razão da presença de criminosos armados com fuzis, que faziam disparos em direção à Avenida Brasil." Devido à gravidade da situação, o comandante do Comando de Operações Especiais (COE), a quem o BOPE é subordinado, solicitou ao chefe do Estado-Maior Geral Operacional o emprego da unidade, de quem obteve a devida autorização. De acordo com a PM, toda a ação do Bope foi em decorrência do enfrentamento que houve por parte de marginais fortemente armados. Como resultado da ação, foram apreendidos três fuzis, uma submetralhadora calibre 40, uma carabina, três pistolas, uma granada, 7.327 trouxinhas de maconha, 30 tabletes grandes de maconha, 1.060 sacolés de cocaína e um saco com um quilo da mesma droga, 150 pedras de crack e 120 bolas de haxixe. Tão logo tomou conhecimento do emprego da tropa, o tenente-coronel Renê Alonso, comandante do Bope, foi para o local e assumiu o comando da operação até o final. A PM finaliza a nota dizendo que o comando da Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar todas as circunstâncias do
Posted on: Sun, 07 Jul 2013 05:36:36 +0000

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