NIETZSCHE E A REVOLUÇÃO Carlos Alberto Ribeiro de - TopicsExpress



          

NIETZSCHE E A REVOLUÇÃO Carlos Alberto Ribeiro de Moura* (Da revista: Gaia - uma revista para todos e para ninguém, setembro/dezembro 1989, Ano I, nº 2, São Paulo) Que pode dizer a um filósofo que se dirige não ao povo, mas aos solitários, um acontecimento essencialmente popular, de massa, como uma revolução, propagador de ideais como o da igualdade? A aspiração ao socialismo por meio de uma revolução, dirá Nietzsche, será a aspiração ao aniquilamento formal do indivíduo, a aspiração a transformá-lo em um órgão de comunidade, a reduzi-lo a zero: seu ideal oculto é o ideal dos zeros somados... Que interesse se poderia ter em associar o nome de Nietzsche à Revolução Francesa? Afinal, sabe-se que ele dedicou pouquíssimas linhas ao episódio, e em geral para maltratá-lo. A ponto de, no Ecce Homo, ao retomar o tema da inatualidade de sua filosofia ser em grande parte por sua distância frente aos ideais de 1789 que ele vai se definindo como um autor póstumo. Mas é verdade também que a Revolução Francesa parece ganhar alguma importância ali nas páginas onde Nietzsche vai encontrando nela a origem recente de nossas idéias modernas, que são os alvos privilegiados de sua crítica à nossa civilização. Em outras palavras, para Nietzsche o socialismo, a democracia e a igualdade, enquanto ingredientes que compõem o ideário do homem culto de seu tempo, teriam precisamente no ano de 1789 a data de sua fantástica popularização. Que se tome, a título de exemplo, o ideal de sociabilidade que povoa os sonhos dos nossos socialistas. O que se deve notar em relação a eles - garante Nietzsche - é que faz bem a todos ouvir dizer que a sociedade está em via de adaptar a indivíduo às necessidades gerais, e que a felicidade e ao mesmo tempo o sacrifício do indivíduo consiste em sentir-se como um membro e instrumento útil do todo (Nietzsche, Aurora, p. 132) E se nossos doutrinários do social divergem quanto aos meios necessários para a realização deste fim, não é menos verdade que todos eles se reconciliam na exigência de que o ego se renegue. O que todos querem é um enfraquecimento e supressão do indivíduo, e por isso mesmo não se cansam de enumerar e acusar tudo o que há de mau e hostil, de perdulário, de dispendioso, de luxuoso, na forma que teve até aqui a existência individual (Ibidem). Ora, de onde viria esta suspeita lançada sobre a individualidade? Nesta sua forma exacerbada, ela remonta precisamente à Revolução Francesa, e aos ideais que a presidiram. Porque esta obsessão já estava presente em Rousseau, quando, no Contrato Social, ele apontava como condição essencial ao bom funcionamento da Cidade que cada homem renunciasse à sua individualidade. E esta renúncia seria necessária para a absorção das vontades particulares pela vontade geral, do indivíduo pelo cidadão. Tese que, como se sabe, encontrou sua ressonância mais barulhenta em Robespierre, quando ele definia a virtude como sendo, exatamente, o esquecimento de si. Mas então, será que pelo menos por este ângulo a Revolução Francesa adquiriria, no interior da filosofia de Nietzsche, algum interesse especial? Ora, se para Nietzsche é precisamente a Revolução Francesa que está na origem da difusão das idéias modernas, não será menos verdade, igualmente, que atribuir a ela o mérito duvidoso de tal paternidade não será um indício de que ela adquira qualquer estatuto privilegiado. Porque este reconhecimento da revolução como difusora das idéias modernas será apenas o preâmbulo para dissolvê-la enquanto acontecimento original. Pois a vitória da Revolução Francesa não será, para Nietzsche, senão a vitória do cristianismo, que mais uma vez se prolonga na revolução. ((Nietzsche, Vontade de Potência, p. 764). Afinal, quem recebeu o cetro na Revolução Francesa foi o homem bom, quer dizer, o cristão, e a moral dos escravos, após vencer em Roma, deu um passo a mais em 1789: aqui como ali, foi apenas o instinto do rebanho que prevaleceu e cada vez mais se consolidou. Por isso mesmo, a suspeita que agora se lança sobre a individualidade não será senão o último eco do cristianismo na moral. Diagnóstico que apenas retoma, sob um ângulo delimitado, a convicção, que sempre foi a de Nietzsche, de que através das rupturas políticas são os velhos valores que retornam. Mas se é assim, se a revolução se dissolve enquanto uma faceta a mais do cristianismo, parece que ela não poderá nos dizer nada além daquilo que São Paulo já tinha nos ensinado. É que a filosofia de Nietzsche é o contrário mesmo deste gênero literário -essencialmente contemporâneo - que se convencionou chamar de filosofia política. Zaratustra não fala ao povo, mas aos solitários, e numa das vezes em que ele se dirige ao homem superior, é para recomendar-lhe que fuja das praças públicas. O espírito livre, sendo o oposto do homem de convicções, será por isso mesmo o contrário de um partidário. Assim, Zaratustra não será nenhum salvador da pátria, e o elogio que Nietzsche faz da hierarquia e da justiça aristotélica não será equivalente à formulação de qualquer doutrina que pudesse enriquecer, com um ismo a mais, o nosso cardápio político ideológico. E, no fundo, nem poderia mesmo ser político um pensamento que se quer inatual, quer dizer, sem amarras com o tempo presente, e que dirige sua atenção não à temporalidade, mas à eternidade. Desde então, a dissolução da Revolução Francesa enquanto episódio original não parece ser senão a contrapartida de uma filosofia que se vê essencialmente exterior ao domínio do político. O que pode ser razão suficiente para que se suspeite da pertinência de qualquer associação entre Nietzsche e a revolução. Todavia, talvez esta circunstância, precisamente, nos auxilie a fazer da necessidade, virtude. E nos leve a verificar até que ponto não seria exatamente a partir de uma doutrina antipolítica que se poderia averiguar o que se esconde sob nossas evidências políticas. Tanto mais que, para Nietzsche, a Revolução Francesa não foi responsável apenas pela difusão de seu ideário mais conhecido, aquele que se cristalizou nas declarações dos direitos. Ela não se limitou a divulgar a liberdade, a igualdade e a justiça enquanto ideais. Ela foi responsável, também, por algo mais. Precisamente pela primazia que, a partir dela, se passou a atribuir ao político enquanto tal. E este lado mais calado de nossa herança revolucionária, talvez seja o menos comentado e o mais digno de consideração. Ora, desde as Inatuais Nietzsche já anunciava que, para ele, toda filosofia que acredita removido ou até mesmo solucionado, através de um acontecimento político, o problema da existência, é uma filosofia de brinquedo e uma pseudo-filosolia (Nietzsche, Schopenhauer Educador, p. 4) Texto que deve ser lida, com um olho dirigido à cultura do século XIX alemão, que como se sabe, atribuiu um estatuto bem particular ao político. Como Feuerbach que, após dissolver a teologia na antropologia, não se esquecia de nos anunciar que, a partir de agora, a política deveria tornar-se nossa religião, E nunca corno agora o político será tão sobrevalorizado, adquirindo uma extensão terapêutica antes insuspeitada. Que se consulte o Marx da Questão judaica. O que se espera da nova revolução, ali, não é apenas uma outra organização social e política. O que se espera dela não é nada mais, nada menos, que uma nova humanidade. Mas de onde viria, afinal, a convicção de que um acontecimento político seria capaz de façanha de tal envergadura? Nas Inatuais, Nietzsche ainda atribui a origem desta superestimação do político a Hegel, quer dizer, a esta doutrina recentemente pregada do alto de todos os telhados, segundo a qual o Estado é o alvo supremo da humanidade (Ibidem). Todavia, outros textos permitem perseguir a etiologia desta evidência até um pouco mais longe, e Nietzsche vai encontrar sua origem na Revolução Francesa. Na Revolução Francesa, quer dizer, mais uma vez em Rousseau, seu ideólogo principal. Porque foi Rousseau que nos acostumou com a idéia de que os homens são naturalmente são naturalmente bons, enquanto que as instituições os corrompem (Nietzsche, Gaia Ciência, p. 350). Esta idéia ao lado do ingênuo otimismo antropológico que veiculou, fez com que se acreditasse que o alvo de todas as atenções deveria estar nas instituições políticas, já que residiria nelas a chave de toda salvação: bastaria que se modificasse as instituições para que a bondade natural, até então represada, encontrasse o seu escoadouro. Desde então, se há urna questão para a humanidade, essa questão deve ser exclusivamente política. E é agora que o revolucionário, enquanto legítimo sucessor do sacerdote asceta, vai dirigir ao social o seu ressentimento. E será esta, afinal, a herança fundamental da revolução, para além dos direitos que virão a enfeitá-la: um otimismo antropológico associado a uma sobrevalorização da instância política. E será por esta via que começará a se cristalizar a ilusão da teoria da revolução - assegura Nietzsche - este lugar por excelência dos sonhadores, que gastam sua eloqüência pedindo que se derrube toda ordem atual, na crença de que sobre suas ruínas se erguerá, por si só, o magnífico templo de uma humanidade embelezada (Nietzsche, Humano, Demasiado Humano, p. 463) Na origem deste mito está exatamente Rousseau que acredita na bondade natural do homem, apenas soterrada pelas instituições. Em outras palavras, na origem do ideal revolucionário há um espírito otimista, que desterrou de uma vez por todas o espírito iluminista da evolução progressiva, que era ainda o de Voltaire. Ora, otimismo antropológico e superestimação do político são as duas faces de um mesmo sistema de pensamento. Ou antes, de uma mesma superstição. Porque, afinal, quem é exatamente este homem bom, e o que vai designando para ele a instância política? Ora, o homem bom é a unanimidade da Europa. Compreenda-se: ele é o ponto de fuga em direção ao qual convergem estes pseudo-inimigos que são os cristãos, os democratas e os socialistas. Porque para todos eles o homem bom vai designando o indivíduo piedoso, altruísta e virtuoso por servir ao todo. Quem é ele? Alguém - diz Nietzsche - já inteiramente domesticado, e que por isso mesmo é um animal de rebanho, quer dizer, alguém preparado apenas para obedecer. E, para Nietzsche, o traço essencial do animal de rebanho estará justamente no seu igualitarismo. Ora, será este igualitarismo, precisamente, que vai filiar agora o ideário político do animal de rebanho diretamente ao cristianismo. Porque a igualdade entre os homens - garante Nietzsche - longe de ser um dado que se possa ler na natureza, é uma interpretação, e, propriamente falando, é uma interpretação metafísica, oriunda do cristianismo. Por isso mesmo a declaração dos direitos que nos legou a revolução repousa inteiramente sobre a idéia cristã de que todos os homens, sendo criaturas de Deus, nasceram portanto iguais. E a revolução não fará agora senão prolongar o cristianismo, já que a igualdade cristã será o protótipo e o fundamento das teorias da igualdade política sobre as quais ela repousará. Assim, será o igualitarismo que fará com que a antropologia cristã ganhe agora urna determinada inflexão política. Porque se todos os homens são vistos como naturalmente iguais, então concluir-se-á, muito compreensivelmente, que ninguém tem qualquer privilégio sobre os demais. E daqui decorrerá o problema à político moderno, já que agora a pergunta - quem manda? - assumirá as feições de uma questão que não pode ser imediatamente respondida. Quem manda? - se todos são naturalmente iguais e ninguém tem privilégio sobre os demais. Esta formulação da questão política, que é especificamente cristã e moderna, não podia ter sentido para os gregos. Afinal, eles partiam da evidência de uma desigualdade natural entre os homens, o que fazia com que não existisse, propriamente falando, um problema do poder político enquanto tal. Ali a pergunta - quem manda? - recebia uma resposta imediata: quem manda é o perito, dirá Platão, ou o prudente, sugere Aristóteles, mas outro aquele perito ou este prudente são discerníveis em um texto natural. Todavia, uma vez abolidas as hierarquias naturais, uma vez vencedora a interpretação cristã do mundo, a questão do tornou-se enigmática. E ela vai agora percorrer a nossa modernidade cristã, para obter como sua mais popular solução a doutrina da representação: pode nos comandar aquele que nos representa, apenas a este damos o nosso consentimento. Ora, será precisamente através deste viés que as instituições políticas modernas vão adquirir a sua função terapêutica. Elas serão, cada vez mais, estratégias para a promoção do homem bom. E aqui, como sempre, o melhoramento do homem significará uma neutralização de sua vontade de potência, na exata medida em que ele representará a exorcização da idéia de comando, em benefício da mera obediência. O que fará com que o homem bom só possa ser mesmo o escravo do futuro, quer dizer, alguém preparado apenas para obedecer. Porque a nossa política representativa será, essencialmente, um anátema lançado sobre a idéia de comando. E desde Para Além de Bem e Mal Nietzsche observava o quanto a nossa civilização recente colocou o comando do lado da má consciência. A ponto, diz ele, de hoje em dia ninguém mais parecer comandar, só obedecer. Mesmo o chefe de Estado faz questão de não entrar em cena como alguém que comanda, mas que apenas obedece, seja às leis, à constituição ou à vontade do povo,. Ocorre que esta obsessão não é de hoje. Já estava em Rousseau esta neutralização de todo e qualquer comando quando, no Contrato Social, ele exigia que sua Cidade fosse organizada de tal forma que, nela, obedecendo ao todo não obedeceríamos senão a nós mesmos. Aqui, idealmente falando, já não haveria qualquer comando no sentido autêntico da palavra.. A partir de agora, quanto mais perfeita for a representação política, tanto menor será o comando ao qual estarão submetidos os membros da cidade, comando que, no limite, se reduzira a nada. E se Rousseau ainda via a sua cidade como um ideal jamais inteiramente realizável já que de fato as vontades particulares nunca se volatilizariam na vontade geral, o indivíduo nunca se superaria completamente no cidadão, a natureza no artificial puro, resta que o século XIX pensou poder suprimir estas oposições abstratas, tornando efetiva a Cidade de Rousseau. Um momento sempre poderia surgir, aquele, precisamente, de uma revolução que continuaria a francesa, e a partir da qual o homem se integraria sem fissuras ao seu ser genérico, o indivíduo ao cidadão, a sociedade civil ao Estado, e onde afinal o comando poderia ser banido de uma vez por todas do horizonte social. Agora, o ideal apenas desenhado por Rousseau poderia encontrar sua realização em uma Cidade onde o Estado seria supérfluo para uma comunidade de sujeitos universais. No grau máximo da adequação entre representante e representado, estaria abolida toda distância entre quem manda e quem obedece e, no limite, ninguém mais comandaria. Obedecendo ao todo, não obedeceríamos senão a nós mesmos, e a continuação de 1789 seria a consumação de seus próprios ideais. Todavia, prega-se o misarquismo não por horror à obediência, mas por horror ao mando, quer dizer, por cultivo à própria obediência, pela integral dominação do tu deves sobre o eu quero. Por isso mesmo, garante Nietzsche, o movimento democrático é o continuador do movimento cristão, todos eles unânimes contra toda pretensão particular, todo direito particular e privilégio (Nietzsche, Para Além de Bem e Mal, p. 202)-8. Porque foram os cristãos nos induziram a enxergar toda dominação como um escândalo - e isso, paa melhor exercerem a sua vontade de potência. Os cristão, e isso quer dizer agora, mais do que nunca, os promotores daquilo que não é senão o platonismo para o povo. Porque é exatamente o platonismo que continua aqui a sussurrar a sua palavra. Afinal, estaríamos tão seguros assim de que a doutrina política moderna é tão distante da platônica como ela mesma o desejaria? Vá lá que, ao recusar as hierarquias naturais e ao afirmar a igualdade entre os homens, a doutrina política revolucionária coloca o artifício no lugar da natureza, a vontade no lugar do entendimento, o consentimento no lugar da verdade. Mas estaríamos mesmo tão certos de que os novos atores não terminam por representar os velhos personagens? Porque a caracterização do comando na Cidade como sendo uma pura miragem já era um dos leitmotivs da política platônica. E se Platão já opunha um poder tirânico ao poder político, era porque este, enquanto um poder livremente aceito pelos homens, não era baseado na coerção. Como o poder político se funda na visão das Idéias, que se impõem por sua própria conta, sem a necessidade de qualquer comando, o cidadão platônico obedecerá apenas à verdade, e não pensará que recebe qualquer ordem que lhe venha do exterior. Por isso mesmo, o rei platônico nunca aparentará exprimir a sua vontade. Assim como o chefe de Estado moderno, que apenas obedece à vontade do povo. Desde então, será que dos antigos aos modernos nós efetivamente mudamos de mundo? Ora, em um caso como no outro, a filosofia terá como tarefa nos convencer de que na origem de nossa vida política não existem ordens disfarçadas. Ela deverá nos persuadir de que na raiz da cidade não há qualquer comando, não há apenas a mera potência. Desde então, se a representação tomou o lugar da verdade, foi para desempenhar exatamente o seu papel, e a mudança dos atores não deve nos mascarar o fato de que é a mesma peça que se encena aqui e acolá. Precisamente, a peça escrita por Sócrates, para nos convencer de que nunca se exerce a mera potência, mas apenas uma autoridade que pode sempre nos mostrar suas razões, assim como se mostra os cinco dedos das mãos. Em 1789, a representação substituiu a verdade, e por isso mesmo nos retransmitiu o platonismo. Mas talvez já esteja na hora de levarmos em conta que através da verdade platônica, assim como da representação moderna, o que se revela de fato é apenas mera potência, apenas edulcorada com alguns enfeites socráticos. Já é tempo de perceber que a vontade de representação é apenas um outro nome da vontade de verdade, e que ambas recobrem a pura e simples vontade de potência. Reconhecendo isso, talvez os ideais de 1789 possam pelo menos nos fazer parar de choramingar, como livre-pensadores, para que nos comportemos, enfim, como espíritos livres. *CARLOS ALBERTO R DE MOURA é professor de Filosofia Contemporânea no Departamento de filosofia da USP, autor de livros e vários artigos em revistas especializadas.
Posted on: Tue, 29 Oct 2013 19:55:51 +0000

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