Nada sabemos do rio que passa - TopicsExpress



          

Nada sabemos do rio que passa Lorena Ely Quando criança via as outras crianças fazendo uma força enorme para encontrar os sete erros. Enquanto eu enxergava camaleão em novembro no pé de umbu, vestido de uniforme camuflado. Mas eu não via apenas um lagarto, via um lagarto jovem que estava por ali de passagem e que ia sozinho decidindo o trajeto conforme caminhava. Incomodava-me não saber de onde vinha e para onde ia o dito cujo. Os anos passaram, muita coisa mudou, mas continuo me espantando com tudo que passa. Com tudo que fica enquanto eu passo. Sempre que retorno à cidade onde cresci para visitar os meus pais, sou tomada por uma angústia de ser passageira. De nada poder fazer com relação ao rio que corre. Na balsa desligada, no meio do Velho Chico, a favor da correnteza. Nada posso fazer além de esperar que o barco guia tenha colocado a balsa no rumo certo. Fico ali... Olhando a água correr - impotente. Faz pouco tempo que vi essas águas pela última vez, seis meses, e mesmo assim o rio sempre me parece menor. Certo que pode ser apenas uma impressão, mas como se já não bastasse o meu rio ser metáfora da vida, a planta que eu vi a minha mãe plantar, um filhote de vegetal, está um arbusto feito. Orgulhoso de si e com incontáveis galhos. É uma sensação estranha ver que o tempo que passou como raio para mim foi para aquele filhote de vegetal o tempo de uma vida. Esse mesmo tempo trouxe novos amores à casa e fez o gato que eu salvei na rua de morrer na enxurrada me esquecer. Tudo isso me fez pensar em como as coisas mudam muito rápido em pouco tempo. Lembrei-me de incontáveis versos de Caeiro sobre o correr da vida, a simplicidade, e a aceitação do curso das coisas. Cantei Tom Jobim dizendo que a vida tem sempre razão... Reparei também em como a gente coloca o que sentiu em tudo, esperando sentir de novo a mesma coisa. A coisa que não vem... Não importa o quão feliz eu fui nesses cômodos, essa casa não possui mais os meus ares. Minha escova de dente não está naquele lugar, a toalha no varal não tem o meu nome, as minhas coisas não estão espalhadas pela sala. Quanto tempo nós gastamos macerando pétalas que já foram maceradas para conseguir aroma? Quanto torcemos um tecido tentando achar gotas que o calor levou? A lembrança do lugar ocupado por essas coisas é tão forte que achamos que elas ainda existem. E justo isso, o que a memória amou, nos impede de seguir em frente. De deixar o rio correr, a planta crescer, o gato esquecer... Então, repito o que sempre digo: Viver é aprender o “deixa estar”. E é também sobre esquecer. O chuveiro da minha casa dá um choque danado. Nunca toco nele sem a toalha enrolada na mão e os pés metidos num chinelo de borracha. Embora saiba que o chuveiro da casa dos meus pais não dá choque, comporto-me com ele do mesmo modo que me comporto com o meu: Calço bem os pés e enrolo a toalha na mão. Para sentir as coisas como elas realmente são é preciso experimentá-las; e depois de provada a diferença é preciso esquecer as aprendizagens próprias da outra experiência para assim poder sentir o metal frio do abridor, os pés nos azulejos, a água correndo entre os dedos...
Posted on: Sun, 21 Jul 2013 22:23:38 +0000

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