Natal, o destemido caçador de notícias Aos 59 anos, jornalista - TopicsExpress



          

Natal, o destemido caçador de notícias Aos 59 anos, jornalista faleceu no Hospital São Vicente de Paulo, na Tijuca, onde estava internado desde o dia 17 de outubro, vítima de cirrose hepática JOÃO ANTONIO BARROS Rio - O homem que colocou no banco dos réus o poderoso e temido general Newton Cruz, o chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI), no período mais escuro da Ditadura Militar, era frágil. Seus 58 quilos, distribuídos em pouco menos de 1,60 metro, davam a impressão de que o jornalista Lucio Natalício Clarindo, 59 anos, era do tipo que não metia medo em ninguém. Mentira. Seu jeito franzino e saúde sempre debilitada não impediram Natal de atravessar a passarela de Vigário Geral, em uma madrugada de 1993, para conferir a história de que 21 trabalhadores foram assassinados por PMs. Guardou o conselho dos colegas de profissão para ter cautela e foi o único a entrar na favela antes do sol raiar e denunciar o massacre nas páginas do DIA . Livro conta várias histórias de Natal, que foi refém do bandido Maurinho Branco, em 1988 Foto: Fernando Souza / Agência O Dia Não era o arroubo de coragem que impulsionava Natal nas coberturas jornalísticas, mas a necessidade da precisão antes de mandar a notícia para o papel. Anos antes, em 1988, deu o mesmo passo ao entrar na casa, em Teresópolis, onde um menino de 13 anos era mantido sob a mira de armas pelo grupo do assaltante Maurinho Branco — que ficaria famoso depois, com o sequestro do publicitário Roberto Medina. Natal e os companheiros de profissão se juntaram ao refém na longa negociação para a polícia não invadir a residência. Com uma pistola apontada para a cabeça, Natal foi escudo para o criminoso em algumas das vezes em que apareceu na janela para conversar com os policiais. Guerrilheiro por opção, fez do jornalismo a sua trincheira em favor dos descamisados. Caminho que o levava a percorrer sempre o pedaço mais humilde da rua e ouvir histórias como a do bailarino Claudio Werner Polila, o Jiló, testemunha do sequestro do jornalista Alexandre Von Baumgarten — dono da Revista ‘O Cruzeiro’, que apareceu morto 12 dias depois. Com o depoimento e investigação, Natal emoldurou o rosto do responsável pela operação montada nos aparelhos de repressão para assassinar Baumgarten: o general Newton Cruz. Mais uma primeira página em O DIA , onde passou 35 anos. BAÚ DO NATAL’ Sempre se orgulhava dos feitos e, há oito anos, passou a carregar um amontoado de papéis para tudo que era lugar. “Aqui está o rascunho do meu livro”, exibia, como um troféu, as folhas redigidas no computador. Repórter do tempo da máquina de escrever, colocou no livro ‘Baú do Natal’, as histórias engraçadas que costumava contar aos jornalistas mais jovens. Casos verídicos, colhidos ao longo dos 41 anos de redação — além do DIA , trabalhou na ‘Última Hora’ e na ‘Luta Democrática’ —, que, diante dos mais incrédulos, garimpava rápido uma testemunha para confirmar a autenticidade. “Jornalista não pode ser desmentido, perde o crédito”, batia o martelo. O gosto pela música quase o fez mudar de carreira. Adorava compor e tocar guitarra, sempre o som mais estridente do Rock — Janis Joplin, Pete Townshend e Eric Clapton eram seus eleitos. Nesta quinta-feira, Natal faleceu no Hospital São Vicente de Paulo, na Tijuca, onde estava internado desde o dia 17 de outubro, vítima de cirrose hepática. O jornalista era casado com Regina Lima e tinha uma filha: Amanda Raiter, repórter do DIA . Ainda escuto a voz dele, aqui ao meu lado Por Luarlindo Ernesto, repórter e melhor amigo do Natal A presença dele é inevitável. Na empresa, no bar, na padaria, no restaurante, na memória. Onde vou, lá está ele. Todos se acostumaram à dupla. Até nos bancos, devemos juntos. São 40 anos, dois meses e uns poucos dias. Lado a lado, na tristeza, na riqueza, na alegria, na dor, na pobreza, na gozação, nas brigas e na esbórnia. Eu mesmo tinha batizado nossa dupla de Lúcido (ele) e Sóbrio (eu). Natal chegava a ligar duas, três vezes ao dia, nas férias, doente, de folga, para saber o que estava fazendo, com quem estava. Ainda escuto a voz dele, aqui ao meu lado, me chamando para sair da redação e ir até a calçada, para fumar. Carinho da filha, Amanda Raiter, que seguiu os passos do pai na profissão e é repórter do DIA Foto: Reprodução Pô, 40 anos ao lado dele. Não aguentei nem a primeira mulher, a segunda, a terceira, a quarta e por aí afora, esse tempo todo. Mas Natal foi diferente. Aturei a ranhetice, as queixas, as mágoas e as alegrias. Vai ser triste viver sem a sua companhia. Ele aprendeu a trabalhar levando broncas minhas. Elogios, também. O cara, certa vez, avisou que iria até a minha casa. Concordei, claro. Mas ele chegou às 6 horas da manhã! Não tive tempo de curar o porre do dia anterior. Dividíamos o salário, as dívidas, o cigarro, a bebida. As mulheres, não. Amarrei ele em uma árvore, na porta do jornal. Bem, ele não iria cair. Parecia São Sebastião diante dos algozes. Mas impedi que ele caísse no chão. No dia seguinte, estávamos no trabalho. De ressaca, mas Lúcido e Sóbrio. Ninguém desconfiaria da dificuldade que foi chegarmos em casa, ele e eu. Pô, como ficar sem a parceria desse tempo todo? É difícil. E, para não deixar passar a oportunidade em dar um exemplo e, ainda, para mostrar como éramos unidos, a última da dupla foi quando eu estava internado, me recuperando de um enfarte, e soube que o Natal havia sido internado também. No mesmo hospital. Eu saí no dia 17 de setembro, e ele entrou no dia 15, dois dias antes. Então, quando o Chico Alves, nosso chefe direto, me ligou para saber como estava a saúde, respondi usando jargão de jornal: “Já estou bem, aguardei a rendição no local do crime e cheguei em casa. O Natal me rendeu”. O difícil foi fazer o chefe acreditar que o Natal estava internado, no mesmo hospital... Tive que jurar, pô. Então, Chico ainda perguntou o que havia acontecido. Foi difícil explicar. Não sabia detalhes. Não me contaram nada, estavam poupando meu coração. Somente sabia que ele estava lá, internado. E me recusei a ir vê-lo, entubado, desfigurado. Até o médico me aconselhou a não ir visitar o amigo. Telefonei diariamente para o hospital e acompanhei o drama da luta dele para sobreviver. Bem, agora, em breve acho eu, está quase na hora de retribuir a rendição. DEPOIMENTOS SOBRE NATAL Alexandre Medeiros, Editor Executivo do DIA Desde que voltei ao DIA , no final de 2012, o Natal batia ponto na minha mesa todos os dias. Vinha vender pautas como se fosse um foca querendo mostrar serviço. Como nos tempos em que eu chefiava a Reportagem e ele ficava na escuta, no velho DIA , no início dos anos 1990. Quando saía da salinha em minha direção e dizia essa tem que correr, eu nem discutia. Carro e fotógrafo. Mesmo com a saúde debilitada, ao longo deste ano Natal emplacou algumas matérias bem legais, como a da violência em Santa Teresa e a do mercado negro de peças de automóveis. Aquele velho faro pela notícia, ele ainda guardava como poucos. Natal era um digno representante daquele jornalismo quase romântico, que incomoda por ser desconcertante. E ele ainda gozava de sua própria condição de orbitar, de quando em vez, outras esferas da percepção humana. Um dia me disse, num canto da redação: Medeiros, eu posso ser louco. Mas aqui tem gente pior do que eu. Olhando assim, de relance, pura verdade. Na redação, na rua, na vida. Lá de cima, ele vai rir de nossas loucuras aqui embaixo. Enquanto a gente se acha um poço de sensatez... Valeu, Natal! A redação do Além ganhou um puta reforço. Marcelo Moreira, Rede Globo Natal foi uma das primeiras referências pra mim no jornalismo. Era estagiário e convivemos no começo dos anos 90. Era fascinante ouvir as histórias das coberturas que ele fazia. Natal era jornalista puro, completo e de uma geração que não se encontra mais. Luiz Carlos Cascon, Editoria Rio do Jornal O Globo Tive o privilégio de conviver com o Natal por mais de 30 anos, correndo atrás de notícias pela rua, durante um período como chefe dele no DIA e sobretudo como amigo. Era uma figura humana muito especial e um repórter extremamente compromissado. Lembro que em meados de 1988 protagonizamos juntos uma complicada cobertura de assalto a banco em Teresópolis. Os bandidos em fuga invadiram uma casa levando um menino de 10 anos como refém. Eu e o Rodrigo Taves, repórter do extinto JB, entramos na casa para que os assaltantes libertassem o menino e se entregassem, como haviam combinado com os policiais que faziam o cerco no local. Mas, como palavra de bandido não vale, acabamos ficando também como reféns. O Natal, que chegara atrasado na cobertura, se ofereceu para ficar entre os reféns. Muito franco e engraçado, confessou que fez aquilo não por solidariedade aos colegas, mas para não ser furado no dia seguinte. Paulo Oliveira - secretário de redação do jornal A TARDE, Salvador Lúcio Natalício, meu caro Natal, nunca passava imperceptível pela redação, mesmo quando estava na pequena e isolada sala de rádio escuta de O DIA , sabíamos que ele estava presente. Falava alto ao telefone e datilografava com dois ou três dedos com uma força incrível. Todos o ouviam. Certa vez, ouvi de um chefe que admirava que os bons jornalistas podiam ser esquecidos, mas suas matérias, quando bem feitas, sempre eram lembradas. Foi Natal quem localizou na Praça 15, o bailarino Cláudio Werner Polila, testemunha do Caso Baumgarten, que identificou o general Nilton Cruz como um dos envolvidos no desaparecimento do jornalista ligado à ditadura. Natal também fez uma matéria sensacional quando foi sequestrado por Maurinho Branco, bandido que ficou famoso por sequestrar o empresário Roberto Medina. Nas horas em que ficou sob a mira de um revólver, ele negociou com o Bope, tranquilizou o bandido e conseguiu ser solto. Lembro até do título da matéria: Eu, refém. Poderia ficar horas escrevendo sobre Natal, de quem sempre guardarei lembranças, mas os espaços dos jornais são cada vez menores. Por isto, paro por aqui minha homenagem. Para mim, os jornais celestes já devem estar enchendo Natal de propostas para que ele reforce uma de suas redações. Leslie Leitão - repórter da Veja Coragem é uma das características mais marcantes de um repórter que escolhe para sua vida o jornalismo policial. Sem essa coragem ele vira um burocrata na notícia, agarrado nas versões oficiais, que quase sempre estão longe da verdade integral dos fatos. Sagaz, perspicaz, chato. Natal tinha todas essas qualidades do bom repórter. Mas era, acima de tudo, corajoso. Até um pouco Natalouco. Foram seis anos de convívio na redação de O DIA . Anos de conversas, gargalhadas e lições para toda a vida. Descanse em paz, amigo. Marcellus Leitão - Editor do Caderno de Automóveis do DIA A velha águia da imprensa, Natal, brindou seus amigos com o espírito da notícia e da picardia. Natal leva consigo a qualidade do bom papo e o companheirismo das redações com as quais conviveu. Luz e paz.
Posted on: Fri, 15 Nov 2013 10:43:54 +0000

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