Negócio consigo mesmo. Uma responsabilidade acrescida... "I) - O - TopicsExpress



          

Negócio consigo mesmo. Uma responsabilidade acrescida... "I) - O negócio consigo mesmo, também apodado na doutrina portuguesa de auto-contrato, acto jurídico consigo mesmo tem, na sua base, a emissão de uma procuração, o que coloca a questão dos poderes representativos, convocando o normativo do art. 258º do Código Civil. II) - Se a outorga de poderes representativos implica uma relação de fiducia do representado no representante, confiando aquele que os seus interesses são eficazmente defendidos, mais exigente deve ser a actuação do representante a quem, além da representação, são conferidos poderes para negociar consigo mesmo, sendo aqui claro que, a um tempo, representa o emitente da procuração e ele mesmo – evidente situação de auto-contrato. III) - É condição de validade do negócio consigo mesmo, que não haja conflito de interesses, no acto de constituição ou conclusão do negócio. O representante deve agir com imparcialidade, probidade, moralidade e fiducia, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado. IV) - O conflito de interesses pode decorrer de excesso ou abuso de representação. Não pode o representante, mesmo no caso de assentimento do representado, agir de modo egoísta, acautelando apenas os seus próprios interesses, compete-lhe; simultaneamente, a defesa dos interesses do contraente que representa. V) - Na execução do contrato, autorizado pela procuração, não estava o procurador dispensado de actuar segundo as regras da boa-fé – art. 762º, nº1, do Código Civil – mais a mais se, por via da procuração com poderes para vender a si mesmo, estava implicada uma forte relação de confiança, por via de laços familiares, o que desde logo, postulava um acrescido dever de zelar pelos interesses da representada. VI) - O facto da procuração autorizar, muito latamente, a procuradora a alienar a fracção “pelo preço, condições e cláusulas que achasse por convenientes podendo negociar consigo mesmo”, não poderia valer como carta branca para um negócio que descurasse o interesse do representado que, naturalmente, pretenderia que o imóvel fosse vendido pelo valor real e corrente, pelo preço de mercado como é usual nos negócios imobiliários, observada a exigível ética negocial, postulada pela actuação de boa fé. VII) Aquela declaração de vontade da representada deve ser entendida como o faria um declaratário normal – art. 236º, nº1, do Código Civil – colocado na posição da procuradora, ou seja, que o preço deveria ser um preço justo de harmonia com a regras da oferta e da procura no mercado imobiliário, e não uma venda por qualquer preço, nem tão pouco pelo preço que mais conviesse, apenas e tão só, aos interesses do comprador enquanto outorgante de contrato consigo mesmo. VIII) - Não dispondo o Tribunal de quaisquer elementos sobre o valor real da fracção à data do negócio feito pela recorrida, o certo é que, como consta de Q) e R) dos factos assentes, “Com referência à escritura de 1990, o Autor e Maria Manuela Pereira não pagaram o preço da compra declarado na escritura” e “a Ré e o seu marido, o interveniente Rui Vidal, não receberam o preço declarado na escritura 4 000 000$00”. IX) - Que o negócio consigo mesmo exorbitou de forma consciente o interesse da representada, está o ter-se provado – facto X) da matéria de facto – que “o Autor e chamada sabiam que com a escritura de compra e venda prejudicavam a Ré.” X) - Sabendo a interveniente procuradora que, com a compra e venda que ela e o seu então marido fizeram, prejudicaram a Ré e que, volvidos cerca de onze anos reportados à data da propositura da acção, não pagaram o preço da alienação, manifesto é que o negócio foi intencionalmente lesivo da representada, não tendo a sua procuradora actuado de boa fé e em protecção da confiança que nela depositou a emitente da procuração. XI) - O não pagamento do preço apenas significaria, se o negócio fosse eficaz em relação à representada, mora dessa obrigação inerente ao contrato oneroso de compra e venda – arts. 874º e 879º c) do Código Civil – não deixando o contrato de ter alcançado a perfeição, mas na perspectiva de ajuizar a conduta da procuradora, esse é um facto revelador da actuação intencional lesiva do direito da representada, que implicava a contrapartida do lesto pagamento do preço da alienação, preço esse que, inquestionavelmente, representasse o valor venal da coisa. XII) - Tendo a representante exorbitado os poderes representativos, agindo com animus nocendi, tal como o interveniente seu ex-marido, o negócio de compra e venda celebrado em 27.6.1990, pelo preço de quatro mil contos, relativo à fracção autónoma “BC” da Ré, por ter sido celebrado com abuso dos poderes de representação, é ineficaz em relação à representada e ao seu ex-marido, nos termos dos arts. 268º e 269º do Código Civil, sendo certo que não houve ratificação. XIII) - A força probatória da escritura pública, enquanto documento autêntico – arts. 363º, n.º2, e 369º, n.º1, do Código Civil – não abrange senão os factos que são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e os que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. XIV) - Pretende a recorrente procuradora que o pagamento do preço se tem de considerar confessado, e que, na qualidade de procuradora dos vendedores, recebeu o preço da compra no dia em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda. Esta declaração constante de documento autêntico à luz do citado nº2 do art. 358º do Código Civil, tem força probatória plena, pese embora a peculiar circunstância de por se tratar de negócio consigo mesmo, a confissão ser feita, paradoxalmente, ao confitente que, sendo o comprador, declara ter pago o preço àquele que representava (a ré vendedora). XV) - Da prova testemunhal, aqui admissível, resultou provado que o preço nunca foi pago à Ré vendedora, pelo que a declaração constante da escritura pública não foi verdadeira, não podendo a ora recorrente prevalecer-se da declaração por ela mesmo feita respeitante ao pagamento do preço. XVI) - Nada há a censurar à ilação que a Relação tirou para afirmar que o preço não foi pago pela compradora, com base na ponderação de se tratar de um negócio consigo mesmo tendo a compradora afirmado que pagou o preço – afirmação que não faz prova plena porque não percepcionada pelo documentador – não sendo da experiência comum considerar, paradoxalmente, que a compradora “pague a si mesmo” o preço para depois o entregar à vendedora, facto que, ademais, não resultou provado." (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 2013)
Posted on: Thu, 04 Jul 2013 21:01:32 +0000

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