Nota do Editor de "O Príncipe da Privataria". Luiz Fernando - TopicsExpress



          

Nota do Editor de "O Príncipe da Privataria". Luiz Fernando Emediato* Conheci o sociólogo Fernando Henrique Cardoso em meados dos anos 70, quando pequenos grupos de esquerda enfrentavam a ditadura militar pelas armas, sem nenhuma possibilidade de vencer, e outros — entre os quais nos incluíamos — tentávamos fazer este enfrentamento no nível das ideias e das ações desarmadas, políticas. Já em meados dos anos 80 — quando a ditadura saíra de cena e a chamada Nova República preparava--se para entusiasmar e logo em seguida decepcionar o povo brasileiro — conheci também o ex--presidente da UNE e economista José Serra, que chegara ao país em 1977, de volta do exílio. Eu o vi pela primeira vez dançando numa festa em Brasília, um pouco antes da posse — que não houve — do presidente Tancredo Neves. A partir daí eu o veria muitas vezes mais, em campanhas cívicas, como a do parlamentarismo, e eleitorais. A partir de 1978, quando fui trabalhar como jornalista e depois editor no jornal O Estado de S. Paulo, algumas poucas vezes eu entrevistei Fernando Henrique Cardoso em seu apartamento da rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Quando se elegeu presidente da República, em 1994, eu já não era jornalista, mas consultor de politicas públicas. Não foram poucas as ocasiões em que, a serviço de organizações da sociedade civil, participei — junto com o governo de FHC — do desenvolvimento de políticas de emprego e renda, o que me obrigou a privar da intimidade de ministros e altos funcionários da República. E de reuniões com o próprio presidente, nos palácios do Planalto e da Alvorada. Naquele período, privei também da intimidade do poderoso ministro Sérgio Motta, a quem admirei, apesar de seus métodos ocasionalmente pouco convencionais. Publiquei um livro sobre a vida dele, Sérgio Motta — um trator em ação, depois de sua morte. Fiz questão de citar minha presença pessoal ao lado dessas três grandes personalidades da história e da política de nosso país porque, como editor da Geração Editorial, devo, assim creio, explicar por que estamos publicando este livro que você tem nas mãos — depois de ter publicado, com enorme estrondo, recentemente, o “Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr., com os negócios estranhos de familiares do senhor José Serra, e pelo qual nossa editora está respondendo a meia dúzia de processos, dos quais sem dúvida sairemos vencedores, pois a verdade é uma só. A Geração Editorial, “uma editora de verdade”, publica — ao lado de clássicos da literatura e outros livros de interesse geral — obras sobre nossa história recente, a chamada “história imediata”. Publicamos “Mil Dias de Solidão”, de Claudio Humberto, sobre os menos de três anos do governo de Fernando Collor; “Memórias das Trevas”, de João Carlos Teixeira Gomes, que precipitou a renúncia do então poderoso senador Antônio Carlos Magalhães; “Memorial do Escândalo”, de Gerson Camarotti, sobre o chamado “mensalão”; “Honoráveis Bandidos”, de Palmério Dória, sobre o controvertido uso do poder pela família Sarney no Maranhão e o referido “Privataria Tucana”, entre outros. Assim como defendemos a liberdade de expressão para os jornais e revistas, a defendemos também para os livros. Estranhamente, o judiciário brasileiro tem tratado de forma desigual a imprensa e os livros. Poderosos afetados por denúncias em livros têm recorrido ao judiciário para impedir a circulação das obras e obter indenização por danos morais incomprovados, tentando inibir a liberdade de expressão. No caso presente, não poderíamos deixar de dar guarida, em nossa editora, a este “O príncipe da privataria”, de Palmério Dória, o autor de “Honoráveis Bandidos”. Ele trata de questões dramáticas de nossa história: o governo dos chamados tucanos, sua política econômica neoliberal, sua proclamada relutância em priorizar ações sociais — substituídas pelas chamadas “políticas compensatórias” —, o uso de seu poder político para impedir investigações sobre denúncias de corrupção entre seus pares, a criticada venda do patrimônio público, a qualquer preço, com base em um modelo em que muitos podem ter enriquecido ilicitamente e, finalmente, a espantosa compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, governadores e prefeitos em todo o país. As inéditas revelações do ex--deputado Narciso Mendes para esta edição — na qual ele revela ter sido o “Senhor X” que colheu gravações de colegas confessando terem recebido R$ 200 mil cada para apoiar a reeleição — comprova que a base da corrupção e do modelo supostamente democrático que a preserva é o sistema eleitoral baseado no financiamento privado. As revelações de Narciso Mendes são bem mais graves, em dimensão e valor, que as contidas no caso do mensalão. O que nos obriga a ir direto ao ponto, o que pode ser, como se verá, bastante doloroso. Em meados do governo Collor, no primeiro trimestre de 1991, quando o controvertido e incômodo amigo do presidente, Paulo Cesar Farias, já se tornara conhecido no meio político e empresarial, a atriz e empresária Ruth Escobar — adida cultural do governo em San Francisco, na Califórnia — ali promoveu um seminário sobre a cultura brasileira, com apoio do Itamaraty e da empresa Hidrobrasileira, de Sérgio Motta, o principal amigo de Fernando Henrique Cardoso. Participei deste seminário, viajando com recursos próprios da entidade privada para a qual eu prestava consultoria. A variada e numerosa “troupe”, levada graciosamente em classe executiva pela Viação Aérea São Paulo — VASP, recém--comprada por Wagner Canhedo, que depois faliu, era composta, entre outros, pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, do PSDB e sua esposa Ruth, pelo senador Eduardo Suplicy, do PT e sua então esposa Marta, o sociólogo Bolívar Lamounier, o economista João Sayad, um dos autores do Plano Cruzado, o deputado José Fogaça, do PMDB gaúcho, o sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, da recém fundada Força Sindical, o patrocinador Sérgio Motta e sua esposa Wilma, a agitadora cultural Lulu Librandi e algumas socialites paulistanas. A festa cultural durou uma semana, ao longo da qual Fernando Henrique, com seu inglês esplêndido, discursou no campus de Berkeley, da Universidade da Califórnia, sobre as especificidades da democracia brasileira. De público, falou o que se podia falar sem escândalo. No entanto, numa manhã tediosa em que José Fogaça, em inglês macarrônico, falava algo ininteligível para americanos e brasileiros, Fernando Henrique levantou--se conosco e foi para o fundo da sala. Ali, de frente para mim e ao lado de Bolívar Lamounier, falou um pouco sobre o governo Collor e as primeiras denúncias de corrupção. O nome de PC Farias surgiu e, sem que ninguém o provocasse, Fernando Henrique defendeu que era urgente uma nova lei eleitoral. De forma clara e sem censura, falou sobre o financiamento das campanhas eleitorais por empresas privadas, com recursos não contabilizados — o caixa 2 — e admitiu que nenhum partido e nenhum candidato podia naquela época prescindir desses recursos ilegais. E observava: — Assim é, mas a diferença entre nós e “eles” é que nós gastamos o dinheiro nas campanhas, enquanto “eles” enfiam uma boa parte em seus próprios bolsos. Nada comentou sobre o que poderia vir depois — as licitações viciadas para devolver aos financiadores o que haviam investido. Anos depois, já presidente da República, Fernando Henrique Cardoso receberia no Palácio da Alvorada os sindicalistas que haviam apoiado sua eleição e com os quais negociava mudanças na economia que pudessem trazer, a estes sindicalistas, prestígio em suas bases. Um jogo competentemente combinado, para alegria dos dois lados — salvo quando o governo não podia ceder. Ainda assim, o presidente era gentil e paciente. Até que surgia o “trator” Sérgio Motta. Numa dessas noites, em que o presidente e seu ministro do Trabalho Paulo Paiva tomavam seu uísque no Alvorada com o presidente da Força Sindical, Luiz Antônio de Medeiros, o sindicalista histórico José Ibrahim e o ainda desconhecido Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, que Medeiros faria seu sucessor, de repente surgiu — sem que tivesse sido convidado — o ministro das Comunicações Sérgio Motta. — Mas como é possível, Fernando, que vocês estejam aí sem minha presença? — rugiu Serjão. — Mas é que não queríamos mesmo você aqui — respondeu o presidente jocosamente. — Mas é bom que você tenha chegado, Serjão — interrompeu Paulinho. — Ouvi dizer que você está comprando deputados para votar a favor da reforma da Previdência, mas vou colocar mil ônibus de trabalhadores na Esplanada para pressionar o Congresso. — Economize seu dinheiro, rapaz — respondeu Motta — porque a votação está decidida. Já almocei com todo mundo. Paulinho levou os ônibus, mas os sindicalistas foram derrotados. Isso não os impediu, entretanto, de continuarem apoiando o governo. Quando da campanha pela reeleição, eles apoiaram a emenda do deputado pernambucano Mendonça Filho e todos os atos de apoio a ela. Quando Fernando Henrique se recandidatou, houve um grande ato das centrais Força Sindical e CGT em Brasília. Por uma obra do espírito santo, as centrais não tiveram que desembolsar muito dinheiro pelo fretamento das centenas de ônibus que transportaram os milhares de trabalhadores, nem pelas “quentinhas” que os alimentaram. Os sindicalistas da Força Sindical apoiaram efusivamente o programa de privatização do governo tucano. Quando tomaram o Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga das mãos da Central Única dos Trabalhadores — CUT, apoiaram a privatização da Usiminas e se deram bem. Em Volta Redonda, sede da histórica Companhia Siderúrgica Nacional — CSN, também assumiram a direção do sindicato dos metalúrgicos local e como o Clube de Investimento dos Trabalhadores tinha 10% das ações da usina privatizada, ele seria o fiel da balança que daria o controle da empresa — ou não — a um dos grandes investidores que disputavam o comando da empresa. Paulo Pereira da Silva era então o já influente presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo quando um dia surgiu na sua porta um empresário que ele não conhecia, e que se identificou como Benjamin Steinbruch, do grupo Vicunha — um dos donos da CSN privatizada que disputaria o controle com outros investidores, entre eles o banqueiro e ministro José Eduardo de Andrade Vieira, do Bamerindus. Steinbruch revelou a Paulinho que Vieira poderia estar “comprando” (com dinheiro) os sindicalistas que controlavam o Clube de Investimento dos Trabalhadores. Paulinho negou — de fato ele ignorava isso — e, sem nada pedir em troca, como sempre foi seu hábito, garantiu que os trabalhadores apoiassem o que considerassem a melhor proposta, que parece ter sido a de Steinbruch, pois ele ganhou o ambicionado controle. Anos depois, Paulinho candidato a prefeito de São Paulo, bateu à porta de Steinbruch e pediu apoio para sua campanha, que não era competitiva, mas pelo menos o iniciava na política. — Não tenho negócios na prefeitura de São Paulo, por que o ajudaria? — perguntou Steinbruch, com um sorriso irônico. — Mas eu também não vou ganhar, Benjamin. Só quero a sua ajuda oficial, dentro da lei, para fazer uma boa campanha. — Eu já disse, Paulinho, não tenho motivos para lhe ajudar NESTA campanha. Por que eu faria isso? — Porque eu lhe dei a CSN, não foi o bastante? — cobrou Paulinho. — Ah! Então é isso! Naquela época eu lhe daria isso e muito mais, peão — redarguiu Steinbruch. — Mas isso é passado. Por que não pediu naquela época? — Porque não era candidato, seu FDP! — resmungou Paulinho. E desde então a relação dos dois azedou. Porque é assim que funciona. Quando um empresário financia uma campanha eleitoral, ele tanto pode compartilhar o programa do partido daquele candidato — essa hipótese não está totalmente descartada — como terá em mente ter apoio do deputado ou senador para seus propósitos no Congresso ou alguma obra ou negócio no estado ou prefeitura cujos mandatários está financiando. Mas quando Sérgio Motta, coordenador da campanha de José Serra prefeito, em 1996, precisou de recursos urgentes para pagar outdoors, não foi em alguma empresa privada que o “trator” foi buscar recursos. Acionou a direção da estatal Telefônica de São Paulo, Telesp, quando o governador era outro tucano, Mário Covas, e esta se prontificou a fazer imediatamente uma campanha publicitária de outdoors em todo o Estado de São Paulo. Mas na cidade de São Paulo a maioria dos cartazes efetivamente colocados não tinha nenhuma imagem de telefone — só a cara do candidato Serra e sua mensagem eleitoral. Convivi, portanto, com os tucanos e seus dramas. Não são diferentes de qualquer outro drama, quando se trata de chegar ao poder e mantê--lo. Daí que, apesar de toda a minha simpatia pelo bonachão Fernando Henrique Cardoso, assim como pelo saudoso Sérgio Motta, não tenho — como editor da Geração Editorial — como recusar a publicação deste livro de Palmério Dória. Ele trata, de forma seca e dura, de uma realidade com a qual convivemos e haveremos de conviver enquanto não houver uma reforma política e eleitoral e não encontrarmos um novo sistema de governo que não essa suposta democracia representativa. O menos pior sistema inventado até agora pela humanidade, mas já com sinais de fadiga. É no interior, nos intestinos desse sistema que se movem os partidos, com seus cabos eleitorais, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e presidentes da República. O mais cândido dos candidatos não consegue livrar--se dos tais recursos “não contabilizados”, eufemismo para “caixa dois” imortalizada pelo ex--tesoureiro do PT Delúbio Soares. Daí que quando terminamos a leitura desse livro fascinante de Palmério Dória, em certo momento, estupidificados, seremos obrigados a nos perguntar: onde estava, no reinado dos tucanos, o ministério público, o procurador geral da República, os Joaquim Barbosa daquele tempo? O chamado “mensalão” — tenha existido ou não — parece coisa de amadores diante do profissionalismo de empresários, burocratas e políticos daquele tempo. Nenhuma CPI. Nenhuma investigação que chegasse ao fim. Nenhuma denúncia capaz de levar a um processo e a uma condenação! Justiça seja feita: os jornais, as revistas, todos, cumpriram com seu papel de denunciar negociatas, comissões pagas a privatas, desvios, atos de pequenas e gigantescas corrupções. Ler — com os olhos de hoje — o que se denunciou no passado chega a ser, mais do que desconfortável, revoltante. A reprodução de capas de revistas e manchetes de jornais, neste livro, mostram que a imprensa naquele tempo cumpriu com o seu papel. Com destaque para o grande jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, que com a ajuda do “Senhor X” (agora revelado como Narciso Mendes) contou com gravações periciadas a história de como votos foram comprados com dinheiro e financiamentos para ajudar na reeleição. Finalmente: este livro já estava na gráfica quando um bom amigo do PSDB, extremamente próximo ao presidente Fernando Henrique Cardoso, telefonou-me, já alertado da publicação, para fazer um apelo — não publicar. Do Wikipédia: *Iniciou a carreira na sucursal mineira do Jornal do Brasil, ainda quando estagiário, em 1973, cursando jornalismo na UFMG. Transferiu-se depois (1978) para O Estado de São Paulo, onde permaneceu por dez anos - tempo em que foi premiado com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha, em 1982. Com o jornalista Marcos Wilson, dirigiu o jornalismo do SBT quando da contratação do âncora Boris Casoy.1 Em 1991, deixou as redações para montar sua empresa a Geração Editorial, onde atualmente é o publisher. De agosto de 2007 a agosto de 2009, foi eleito presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, "Codefat", enquanto representante da Força Sindical.
Posted on: Thu, 05 Sep 2013 03:23:07 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015