O BEIJO DO BEIJA-FLOR (MACISTE COSTA) Mais um dia de trabalho, - TopicsExpress



          

O BEIJO DO BEIJA-FLOR (MACISTE COSTA) Mais um dia de trabalho, meio de semana, acordar cedo, um cafezinho quente pra esquentar o estômago, um cheiro nos cabelos do filho, um beijo burocrático na mulher, já estou de saída. Um friozinho sacana me convida pra deitar ao seu lado, impossível, a emprego me aguarda com sua fome de assiduidade, seu hálito de monotonia e sua voz de cobrança. A via crusis dos meus dias enfadonhos. Ônibus lotado; como de costume, 45 minutos de chateação, até adentrar os grandes muros do meu exílio, que felizmente guarnecem meu farnel e passivamente me escravizam, nesse aprazível mundo familiar. Próximo à parada, já posso ver os semblantes amarrotados dos amigos de labuta, caminhando acorrentados por monstros invisíveis que falam a seus ouvidos da fome de seus filhos, da cobrança de suas esposas e da sobra de alguns trocados, os sagrados trocados da cerveja e do cigarro. O mesmo bater de cartão, a se repetir por longos e longos anos. Ouvir algumas piadas safadas de alguns amigos devassos, isso tem de sobra, parece que são escolhidos a dedo. Do portão, ao local de trabalho, alguns minutos de caminhada, devido à enormidade da área e a enrolação habitual. Sou um privilegiado, trabalho em um hotel de selva. Selva, por assim dizer. Mas, fica mesmo é no meio urbano. Só, que totalmente arborizado, o que dá a impressão que estamos realmente no interior da floresta. É o que me salva e, revigora minhas energias. O convívio salutar com a mãe natureza! Há construções por todos os lados, um verdadeiro formigueiro de homens. As coisas surgem de um dia para o outro, num frenético anseio de transformação. No dia anterior, alguns operários haviam erguido uma grande parede, cheia de vidraças, uma belíssima construção, pelo comentário que ouvi, ali seria um auditório. Como havia saído mais cedo naquele dia, para resolver alguns problemas pessoais, ainda havia visto. Mas, como era passagem obrigatória para o meu local de trabalho, certamente não iria passar despercebido. Foi então, que no dia seguinte, ao me aproximar do local, vi um minúsculo beija flor que agonizava, abaixo da infeliz edificação. O coitado colidiu com a vidraça. Estava lá, morre ou não morre. O juntei, mas que depressa, olhei para os lados, e vi uma torneira. Naquele momento, era tudo que precisava. O pobre era tão pequenino que mal cabia em minhas mãos. Seus olhos minúsculos pareciam implorar por ajuda. O incrível, é que pensei logo na água. Subconsciente, sabe como é! Lembro que era a primeira coisa que minha mãe gritava, no caso de acidente, quando criança. Até ouço o som de sua voz, falando: Joga água na cabeça dele! Não é que dava resultado. Alguns amigos que passavam pelo local, como era de se esperar, até fizeram chacota. - Ê, rapá! Tá perdendo tempo com esse bicho, num dô cinco minutos pra ele levar o farelo. (maneira ignorante de falar que a ave morreria) Que filhos da puta! Não quer ajudar, também não atrapalha. Pensei, cá comigo. E continuei colocando água em sua cabeça, abri o enorme bico e com a ponta do dedo, deixava cair alguns pingos, para que pudesse beber. No afã de ressuscitá-lo, quase o matei afogado. Era o que ele menos precisava naquele momento, morrer afogado. A avezinha já estava quase com pé na cova. Bem, o que eu poderia fazer, estava feito. Agora, achar um lugar, para que ele pudesse se restabelecer ou então, infelizmente, morrer sossegado. E, foi o que fiz, arrumei alguns pedaços de pano velho, e improvisei uma espécie de ninho, e o agasalhei confortavelmente, dentro de um pequeno paneiro. Em seguida, peguei outro paneiro maior, e coloquei por cima, uma espécie de proteção. Fiz tudo que estava ao meu alcance, tomado por uma enorme preocupação. Naquele momento, eu era o único responsável em não deixar o pobre beija flor, partir dessa pra uma melhor, ou pior, sei Ia! Olhava-o, a todo instante. Na verdade, sempre tive um enorme apego pelas aves, no meu entendimento, aves são criaturas especiais, não quero dizer que também não o somos. Mas, isso é outra história. Só elas, conhecem o verdadeiro caminho dos ventos, adentram a derme dos céus no silêncio de suas asas, sem as aves, as manhãs não seriam as mesmas. Vivem muito mais próximo de Deus. Vieram ao mundo, para trazer alegria e beleza, com suas músicas e cores. Não temos que pagar para ouvir seus maviosos cantos, e nem pelas obras de arte expostas em suas plumagens. Só temos que contemplá-las, nos céus, campos e bosques. E, não no interior das malditas gaiolas, como pensam alguns egoístas, que se intitulam seus donos. A manhã foi passando. Incrivelmente, ele apresentava uma significativa melhora. De vez em quando, ia até o pequenino, e colocava um pouco de água açucarada em seu bico. Ah! O açúcar? Peguei com dona Edileuza, na cozinha da empresa. Hora do almoço, ajeitei o paneiro com cuidado, coloquei um peso em cima, para que o vento não o derrubasse, e fui almoçar. Na ocasião do da refeição, alguns, ainda fizeram brincadeira com o trágico incidente. - E ai, o bicho já morreu? Ah, Ah, Ah....... Perguntavam alguns idiotas da torcida adversária. Não dei nem ouvidos. Apenas, pensei em alguns palavrões, daqueles cabeludos, que nem é bom mencionar. Após o ter almoçado, voltei para o local de trabalho com dois amigos, que costumavam tirar uma cesta, debaixo de algumas árvores e aproveitávamos pra por a conversa em dia. O local em que trabalhava, era todo aberto, não tinha paredes, o que me deixava em contato direto com a vegetação. Apertei o passo, curioso em saber como estava o pequenino. Quando olhei para o paneiro, nem acreditei, deparei-me com a avezinha debatendo-se, na bendita ânsia de liberdade. Para minha surpresa, estava aparentemente recuperada. Com bastante cuidado, a tomei em minhas mãos. Seus olhos brilhavam, virava a pequena cabeça de lá, pra cá. É, o beija flor estava realmente curado. Com o minúsculo ser na palma da mão, estendi o braço, e o direcionei rumo às grandes árvores e, fui abrindo lentamente a mão, até abri-la por completo. O pequenino estava livre, sem as amarras dos meus dedos, mas mesmo assim, permaneceu imóvel, como se não soubesse o que fazer. Pensei, será que com a trombada, ele esqueceu que é uma ave. De repente eriçou as penas, deu uma balançadinha e, como uma bala, adentrou a floresta, dando maviosos pios de liberdade. Fiquei surpreso com sua recuperação. Um ar de dever cumprido, meu dia estava ganho, paz, felicidade, alegria. Meu coração estava aliviado. Um bem estar escorria dos meus poros. Um dos amigos que presenciava tudo, até comentou. - Meu irmão, da maneira que vi esse passarinho, nunca imaginei que ia sobreviver. - É meu amigo, sobreviveu por milagre! Respondi, olhando para o interior da mata. E ali permaneci alguns minutos, pensativo. A fragilidade da vida, o tanto de beija flor que somos, um minúsculo ponto na imensidão do universo. Um aparente simples ato de curar a avezinha trouxe-me, para mais perto de mim. Olhei mais uma vez para o interior da floresta. E dei alguns passos na direção dos meus amigos, que estavam nos seus locais habituais. Nesse instante, ouvi alguns pios vindos em minha direção. Aquele som, não era de todo desconhecido. Foi quando, de súbito, ao levantar a cabeça, estava lá, bem na minha frente, olhando dentro dos meus olhos, o maravilhoso e pequenino ser. A avezinha voltara, sem que ninguém nunca pudesse imaginar. Por alguns segundos, levitou sobre minha alma e, fitou minhas carnes impuras e perecíveis. Uma atitude de agradecimento? Ou a constatação das nossas fragilidades? Ou quem sabe, a remissão dos meus pecados. Um vento de verdade e poesia. O tempo de uma existência dentre nossas dúvidas, A mágica de um ser vivo, sobre as asas da criação. Estamos sós, dentro de uma redoma de ansiedade. Um distante de céu, sobre nosso pouco tempo. Tentamos enganar nossos passos, vendendo riquezas a nossas gentis misérias. O tanto de beija flor que somos. O tanto de manhãs em nossas aves despercebidas. O tanto de beija flor que somos do alto de nosso chão. O tanto de pássaros que por descuido, deixamos fugir. Nossas estúpidas atitudes de vidraças, é o que nos resta. E assim, ele se foi. Após fitar-me por alguns segundos, nos deixando perplexos e cheios de duvidas. Voltou para o convívio vivido da imensidão da floresta, levando em suas asas, minha pesada carga de ser humano, o pouco de meu óleo e cheiro, o pouco de minha bondade de árvore, o pouco de minha triste e áptera matéria. Naquela tarde, ao sair do não mais enfadonho portão. Não era o mesmo homem que adentrara. Tinha um “Q”de humanidade no interior de minha camisa. O homem que adentrara naquela manhã, a gigantesca avezinha, o tinha levado, para o labirinto inigualável da floresta. Quem sabe, as flores decantem sua alma. Quem sabe! Após o trágico acontecimento, convenci os donos da empresa a instalarem uma rede de proteção em frente às vidraças, certamente os pássaros estão agradecidos, e eu também. Desde então, todas as manhãs que passo pelo local, lembro-me com saudades do minúsculo ser, de sua luta pela vida, da nossa luta pela sobrevivência, das nossas fragilidades frente as vidraças da existência. FIM
Posted on: Sat, 31 Aug 2013 19:10:06 +0000

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