O CONVITE À VIAGEM IMAGINÁRIA NA POÉTICA DE MÁRIO - TopicsExpress



          

O CONVITE À VIAGEM IMAGINÁRIA NA POÉTICA DE MÁRIO QUINTANA Resumo: O autor procura caracterizar os limites e possibilidades do convite à viagem na poética de Mário Quintana, referenciando-se em filósofos e poetas, que seguem um rumo similar. Tal proposta justifica-se para identificar os elementos contidos no convite à viagem imaginária, quais sejam: diante do contraste com a cultura televisiva, com a morte do espectador, Quintana propõe um a leitura de poemas para descobrir da vida, do amor e outras novidades poéticas. Palavras-Chave: convite, viagem imaginária, imagens poéticas, filosofar onírico. O poema “Invitation au Voyage” contém os elementos necessários para percorrer a viagem imaginária proposta pela poética de Mário Quintana. Em termos estruturais, podemos perceber este convite em diversas partes, quais sejam: Primeira, um convite aos seres formados pela cultura televisiva, gerados por ela, culturalmente dependentes dela, escravizados a ela. É um convite e também um desafio aos..... vós outros da televisão..... porque diante dessa cultura que a tudo molda o seu formato, como cultura individual e cultura de massas, convidar já é um gesto, que por si só inaugura a possibilidade mesma de olhá-la de fora, de compreender seu mecanismo necrófilo e mortificardor de sonhos, como quem observa no tubo de imagem da televisão as sombras da Caverna de Platão. Segunda, ao relativizar a “cultura do espetáculo” televisiva, olhada de fora, o poeta descreve seus espectadores típicos. Estes são os que.... viajam inertes como defuntos num caixão.... É uma cultura televisiva que prima por exigir de seus telespectadores, que estejam “bem informados”, de uma notícia rápida e descartável, que não sabemos bem para que serve. Além disso, nos exige o assassinato coletivo de nossas esperanças, agora reduzidas ao cardápio restrito e pobre daquilo que a televisão nos oferece, principalmente pela banalização da morte, e conseqüentemente, da vida. Terceira, ao recomendar que .... se cada um de vós abrisse um livro de poemas..... faria uma verdadeira viagem...... nos mostra quantas viagens imaginárias são possíveis de serem feitas na poética de Mário Quintana, e através dela, quantos livros e imagens de outros poetas aprendemos a ler com atenção e cuidado. Ler Quintana é passar o tempo..... pois eles passarão.... e eu com ele..... passarinho.... E ao passarinhar com ele, voamos a terras nunca vistas, a mundos imaginados por ele e nos tornamos tão leves quanto ele. Quarta, que um livro de poemas é um mundo de possibilidades de descobertas..... de tudo, de tudo mesmo..... inclusive o amor e outras novidades...... Mas Quintana mostra que ler um livro de poemas é uma necessidade humana e não um adereço cultural. É um modo de se manter saudável num mundo que produz e cultiva a doença e a morte. E, ao invés de novidades mercadológicas supérfluas e descartáveis, Quintana nos apresenta as novidades de uma vida imaginada, que nos ensina – inclusive - a amar os outros seres humanos, nossos irmãos na terra. E, nessa direção, Mário Quintana está muito próximo da poética de Gaston Bachelard que tem como objetivo primordial “trazer à plena luz a tomada de consciência de um sujeito maravilhado pelas imagens poéticas” (Bachelard, PR, 1988). Tal qual os poetas, que “convidam à viagem”, brincam e ensinam, Bachelard também vasculha e insere em seu texto as imagens, que testemunham o maravilhar (Bachelard, DR, 1985), que provocam e desreferenciam, dando asas ao pensar onírico, que se torna consciência sonhadora, enquanto consciência de maravilhamento diante do mundo criado pelo poeta, abrindo-se em toda a sua novidade, com total ingenuidade. Nesse processo Bachelard observa que, através das imagens poéticas surge o convite à viagem para recomeçar a imaginar profundamente, despertando a função de habitação das imagens. “Parece que habitando tais imagens, imagens que nos tornam estáveis também, recomeçaríamos outra vida, uma vida que seria nossa, nas profundezas do nosso ser” (Bachelard, PE, 1988), redescobrindo-nos na imaginação vivida por nosso ser imaginante, enquanto pacientemente vai sendo revelada a dimensão onírica como primeira e originária do nosso ser. Esse processo de mudança interior encontramos nas imagens de Fernando Pessoa: A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos (Pessoa, 1982, v.2). Por essa via, tal qual a poética de Mário Quintana, Gaston Bachelard faz uma descoberta fundamental, que o leva a aproximar-se dos poetas, de seus próprios sonhos e de sua própria formulação filosófica, qual seja: que a intimidade e aprofundamento é negada no cotidiano, que esse prende o homem num ambiente refratário aos sonhos. Nessa atmosfera habitual, o sonho é exceção e aberração. É um acontecimento negado antecipadamente pela utilidade e praticidade, porque não resolve de modo automático problemas, nem é um manual de soluções úteis imediatas e respostas práticas. O cotidiano é regido pela lógica social da produção de necessidades imediatas a serem satisfeitas cotidianamente, onde o sonho é compreendido como uma perda de tempo útil, uma desgastante tentativa de ruptura impossível com esse ritmo - não percebido, como produzido socialmente – mas como um dado “natural da vida cotidiana”, ao ponto de fazer aquele que quer sonhar carregar uma pesada carga de culpa por se dedicar a essa tarefa improdutiva. Mário Quintana, assim como Gaston Bachelard intercala a dinâmica do mestre-aprendiz, despertando-nos para a imprevisível viagem no universo imaginário. Diante do mundo “desgastado pela vida cotidiana” (Bachelard, PR, 1988), é necessário estabelecer o despertar dos sonhos como finalidade da viagem, num deslumbramento diante das novidades do real, partindo dos devaneios familiares. Ao comentar as viagens imaginárias propostas por Edgar Allan Poe, Gaston Bachelard alerta-nos: “Para gostar de partir, é preciso saber se desprender da vida cotidiana. O gosto pelas viagens decorre do gosto por imaginar. Parece que uma franja de imaginário é sempre necessária para conferir interesse aos espetáculos novos” (Bachelard, DR, 1985). Tais observações de Gaston Bachelard nos permitem perceber o quanto através da poética imaginária de Mário Quintana, podemos nos perguntar: Que tal uma viagem imaginária pelo mundo e pelo tempo, sem sair da nossa cidade? Tu sabes o quanto precisas encher de poesia a tua rotina, para que possas escutar e perceber de outros modos teu mundo mais próximo? Percebes que necessitas embriagar tuas mais remotas utopias citadinas, para encontrares com os sonhos que ninguém mais pode comprar, bem guardados que estão em teu baú de recordações infantis? Compreendes realmente a vida que tens a ganhar quando seguires, com exclusividade, as viagens alucinadas de uma alma alucinante, através das palavras sonhadoras de um poeta? Segundo Bachelard, antecedendo a Mário Quintana, podemos perceber que a novidade da palavra poética estabelece o movimento dinâmico do imaginário, como princípio motor da imaginação. “Pois essa novidade é evidentemente o signo da potência criadora da imaginação”( Bachelard, Tv, 1991). A produção de imagens novas refaz esse dinamismo, acompanhada pela vontade de criação do poeta, enquanto este anima as forças criadoras da imaginação. “A imagem literária nos dá a experiência de uma criação de linguagem. Se examinamos uma imagem literária com uma consciência de linguagem, recebemos dela um dinamismo psíquico novo”(Bachelard, Tv, 1991). Através da imagem literária o poeta participa dos segredos da criação(Bachelard, Tv, 1991). “Reanimar uma linguagem criando novas imagens, esta é a função da literatura e da poesia”(Bachelard, Tv, 1991). Diante de uma cultura que tende a esterilizar a vontade poética de imaginar, a imaginação poética realiza sua autogênese, enquanto produz uma cultura poética instauradora. Ao colocar-se diante do silêncio de si mesmo o poeta pode escutar a voz do mundo, pois a voz do poeta é a voz do mundo. Sua voz fala através de imagens primeiras, que nos faz escutar os poemas como palavras ditas pela primeira vez, fazendo da poesia uma admiração(Bachelard, FC, 1989). Para Bachelard, palavras e imagens cósmicas vinculam homem e mundo, tornando a imaginação poética uma imaginação cósmica. As palavras engrandecidas pelos poetas são chaves cósmicas, como “chaves do universo, do duplo universo do Cosmo e das profundezas da alma”( Bachelard, PE,1988). De modo bem semelhante, é resgatando o caráter saudável da leitura, que nos diz Marcel Proust em “Sobre a Leitura”: “a leitura é para nós a iniciadora cujas chaves mágicas abrem no fundo de nós mesmos a porta das moradas onde não saberíamos penetrar, seu papel na nossa vida é salutar”(Proust, 1989). Na perspectiva bachelardiana, a palavra poética é expressão da imagem literária em sua autonomia, pois expressa o poder criador da imaginação(Bachelard, Tv, 1991) como manifestação da novidade criadora, colocando-nos na origem do ser falante, despertando a profundeza do ser que fala. A imagem poética é produto da imaginação, de onde retira o seu ser(Bachelard, PE, 1988), como fenômeno específico do ser falante. A palavra poética expressa o ser subterrâneo das imagens como uma confidência íntima. Quando a palavra poética é falada aumenta o volume do ser (Bachelard, Eau, 1991), isto é, “em sua função maior, nos faz reviver as situações do sonho”(Bachelard, PE, 1988) resgatando o compromisso do homem com sua alma sonhadora. Além disso, e abre espaço ilimitado de sonhos enquanto nos ensina a respirar “o ar que repousa no horizonte, longe das paredes de prisões quiméricas que nos angustiam. Tem uma virtude vocal que trabalha no âmago potencial da voz”( Bachelard, PE,1988). Descobrimos com Gaston Bachelard que o poema ouvido ressoa em nós (ressonância) e nos faz participar de sua criação (Bachelard, PE, 1988). Na medida em que uma imagem ressoa na alma do leitor, este experimenta a alegria de escrever, de co-devanear com o autor, em uma referência à liberdade de criar. A fenomenologia das imagens desenvolvida por Bachelard não visa a descrever empiricamente os fenômenos poéticos, mas a viver a intencionalidade poética que se estabelece na ressonância de uma imagem, como fenômeno da imaginação, na alma ativa do leitor, não sendo possível que seja reduzida a uma imagem objetiva a ser descrita. Para Bachelard, o fenômeno poético não é um objeto, mas uma ressonância na alma e no ser, sendo único e irrepetível. O poema falado por nós repercute em nosso ser o momento de instauração da palavra poética, como instante da novidade(Bachelard, PE, 1988). A poesia tem por fim um efeito criador, num instante concentrador que sintetiza a relação do homem diante de si mesmo, do seu mundo e da sua linguagem. Bachelard observa que “quando é um poeta que fala, a alma do leitor ecoa, ela conhece essa repercussão que [...] dá ao ser a energia de uma origem”( Bachelard, PE, 1988). A repercussão faz a passagem do falante ao escritor para ler materialmente, já que os poetas ouvem o que escrevem no momento em que escrevem, seguindo a dinâmica sugerida pelos sonhos. O sonhador de palavras ouve certas palavras “como a criança que ouve o mar numa concha [...] escuta os rumores de um mundo de sonhos” (Bachelard, PR,1988). Para o homem entrar no mundo sonhado é preciso ter ouvidos para o novo, para ouvir o que nunca se ouviu, fazendo com que a força das imagens enriqueçam as palavras em todo o potencial de inovação. Bachelard, aprendiz dos poetas, diz que “como disseram tantos poetas, para quem escuta a natureza é falante. Tudo fala no universo, mas é o homem, o grande falante, quem diz as primeiras palavras”( Bachelard, Air, 1990). No labirinto do ouvido ecoam as falas da natureza, expressas nas palavras dos poetas. Nossos ouvidos gregários estão habituados a escutar as palavras gastas, a conviver com elas em sua ausência de novidade e inquietação. Enquanto permanecermos dizendo o já dito, estamos cultuando a paralisia do pensamento, que oniricamente nos clama por um outro ouvir, que pretende compreender o mundo. Por isso, Bachelard ressalta sempre que “a alma deve ser mobilizada para receber as visões de todo convite à viagem” (Bachelard, Air, 1990). É quando o homem aceita esse convite que pode realizar a “experiência imaginária” de aprendizagem para escutar o habitualmente inaudível, em uma viagem de descoberta das potencialidades auditivas sufocadas pela audição cotidiana. A audição usual não pode sugerir tais possibilidades, sendo necessário buscar nos poetas esses referenciais imaginários, que são amplificadores da audição usual. Para finalizar o sem fim das possibilidades do convite à viagem imaginária de Mário Quintana, que critica a massificação de nossa cultura televisiva - que padroniza o olho e o ouvido - esterilizante da imaginação criadora, indutora à viagem imaginária, explicita a necessidade deste convite ao mundo imaginário em seu poema “Invitation au Voyage”, leremos em voz alta, na ressonância de nosso ser poético, sua provocação. Se cada um de vós, ó vós outros da televisão - vós que viajais inertes como defuntos num caixão - Se cada um de vós abrisse um livro de poemas... Faria uma verdadeira viagem... Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo! - inclusive o amor e outras novidades (Quintana, 1986).
Posted on: Tue, 03 Sep 2013 16:24:22 +0000

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