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O “DOLOROSO” BARDO DA MORTE O bardo da morte acontece entre o momento que contraímos uma doença terminal ou caímos sob uma condição que acarreta a morte e a cessação da “respiração interior”. É chamado “doloroso” porque se não estivermos preparados para o que nos acontecerá na morte, pode ser uma experiência de tremendo sofrimento. Mesmo para um praticante o processo todo de morrer Pode ainda ser vivido com sofrimento, já que perder o corpo esta vida pode ser uma experiência muito difícil. Mas se tivermos recebido instruções sobre o significado da morte, saberemos que existe uma enorme esperança no momento em que a Luminosidade Base surge no momento da morte. No entanto, resta ainda a incerteza de se, vamos reconhecê-la ou não, e poro isso é tão importante estabilizar o reconhecimento da natureza da mente pela prática enquanto ainda estamos vivos. Muitos de nós, entretanto, não a tivemos a boa sorte de encontrar os ensinamentos, e não temos idEia do que a morte realmente é. Quando de repente percebemos que toda nossa vida, toda nossa realidade está desaparecendo, é aterrorizador: não sabemos o que nos acontece ou para onde estamos indo. Nada em nossa experiência prévia nos preparou para aquilo. Como todos que já cuidaram de pessoas que estão morrendo sabem, nossa ansiedade aumentará a experiência da dor física. Se não cuidamos das nossas vidas, ou nossas ações foram más e negativas, sentiremos arrependimento, culpa e medo. Assim, ter um pouco de familiaridade com esses ensinamentos sobre os bardos nos trará alguma serenidade, inspiração e esperança, mesmo que nunca os tenhamos praticado ou atingido a realização deles. Para os bons praticantes, que sabem exatamente o que acontece, não apenas a morte é menos dolorosa e assustadora como é o momento que eles estavam esperando; encaram-no então com equanimidade e até com alegria. Recordo como Dudjom Rinpoche costumava contar a história da morte de um iogue que atingira a realização. Ele estivera doente por alguns dias e seu médico chegou para examiná-lo. Percebeu que estava morrendo, mas não sabia se devida ou não dizer-lhe. Seu rosto ficou grave, e ele permaneceu à cabeceira do doente, olhando-o sério e solene. Mas o iogue insistia, com entusiasmo quase infantil, que o médico lhe dissesse o pior. Este finalmente cedeu, mas tentou falar de maneira a consolá-lo. Disse-lhe gravemente: “Tenha cuidado, o momento chegou”. Para espanto do doutor, o iogue ficou deliciado, tão emocionado quanto uma criança olhando um presente de Natal que ainda não abriu. “É verdade mesmo?”, perguntou. “Que doces palavras, que notícia feliz!”. Olhou para o céu, entrou diretamente num estado de profunda meditação e morreu. No Tibete todo mundo sabia que morrer uma morte espetacular era a maneira de ficar realmente famoso, se isso não houvesse acontecido em vida. Um homem de quem ouvi falar estava decidido a morrer de modo miraculoso e em grande estilo. Sabia que os mestres às vezes predizem o dia da própria morte, e reúnem seus discípulos para que estejam presentes à sua morte. Esse homem reuniu então todos os seus amigos para ma grande festa em torno do seu leito de morte. Sentou-se nele em postura de meditação, esperando a morte, mas nada aconteceu. Depois de várias horas seus convidados começaram a se cansar da espera e disseram uns aos outros: “Vamos começar a comer”. Encheram seus pratos e lançando um olhar para o futuro cadáver que tinham á frente, disseram: “Eles está morrendo, não precisa comer”. Com o passar da s oras e sem sinal da morte, o “moribundo” é que começou a se sentir faminto e a se preocupar com o fato de que dentro em pouco não sobraria nada para comer. Desceu do seu leito e se junto á festa. Sua grande encenação transformou-se num fiasco humilhante. Bons praticantes podem cuidar de si mesmos quando morrem, mas os praticantes comuns precisarão ter seu professor ao lado, se possível, ou então um amigo espiritual que possa recordar-lhes a essência de sua prática, inspirando-os para a Visão. Quem quer que sejamos, será de grande ajuda ter familiaridade com o processo de morrer. Se compreendermos os seus estágios, saberemos que todas as experiências estranhas e pouco familiares que estamos atravessando são parte de um processo natural. Quando esse processo começa ele, sinaliza a chegada da morte e nos lembra que temos que entrar em alerta. E para o praticante cada estágio da morte será um indicador, lembrando-o do que está lhe acontecendo e recordando a prática a ser feita em cada estágio. O PROCESSO DE MORRER O processo de morrer é explicado nos diferentes ensinamentos tibetanos com detalhes significativos. Essencialmente, ele consiste em duas fases de dissolução: uma dissolução externa em que os sentidos e elementos se dissolvem, e uma dissolução interna dos estados de pensamentos e das emoções, densos e sutis. Mas primeiro precisamos entender os componentes do nosso corpo e mente que se desintegram na morte. Nossa existência inteira é determinada pelos elementos: terra, água, fogo, ar e espaço. Por meio deles nosso corpo é formado e sustentado; quando eles se dissolvem, morremos. Estamos familiarizados com os elementos esternos, que condicionam o modo como vivemos, mas o que importa é a maneira como esses elementos externos interagem com os elementos internos dentro do nosso corpo físico. E o potencial e a qualidade desses cinco elementos também existem dentro da nossa mente. A habilidade da mente para servir de base a toda experiência é a qualidade terra; sua continuidade e adaptabilidade é água; sua claridade e capacidade de perceber é fogo; seu contínuo movimento é ar, e sua vacuidade ilimitada é espaço. O que se segue explica como nosso corpo físico é formado. Um antigo texto de medicina tibetana afirma: A consciência dos sentidos surge da nossa mente. A carne, os ossos e o órgão do olfato, bem como os odores sentidos por esse órgão, são formados pelo elemento terra. O sangue, os líquidos do corpo, o órgão do paladar e os sabores sentidos por esse órgão vêm do elemento água. O calor, a cor clara, o órgão da visão e a forma percebida por esse órgão vêm do elemento fogo. A respiração, o órgão do tato e as sensações físicas sentidas por esse órgão são formados pelo elemento vento. As cavidades do corpo, o órgão da audição e os sons percebidos por esse órgão são formados pelo elemento espaço. “Em resumo”, escreve Kalu Rinpoche, “é a partir da mente, que incorpora as qualidades dos cinco elementos, que o corpo físico se desenvolve. O próprio corpo físico está imbuído dessas qualidades e é por causa desse complexo mente/corpo que percebemos o mundo exterior – que por sua vez e composto das inço qualidades fundamentais da terra, água, fogo, vento e espaço”. A tradição tântrica do budismo tibetano oferece uma explicação do corpo totalmente diversa da que a maioria de nós conhece. É a de um sistema psicofísico que consiste numa rede dinâmica de canais sutis, “ventos” ou ar interno, e essências. Eles são chamados, respectivamente: nadi, prana e bindu, em sânscrito; e tsa, lung e tiklé em tibetano. Conhecemos alguma coisa parecida nos meridianos e na energia Chi da medicina chinesa e da acupuntura. Os mestres comparam o corpo humano a uma cidade, sendo os canais as suas estradas, os ventos um cavalo e a mente um cavaleiro. Há 72.000 canais sutis no corpo, mas são três os principais: o canal central, correndo paralelo à espinha, e os canais esquerdo e direito, correndo um de cada lado daquele primeiro. O direito e esquerdo fazem uma espiral em torno do central cruzando-o em certos pontos e formando uma série de “nós”. Ao longo do canal central situam-se alguns “canais circulares”, os chacras ou centros de energia, de onde se ramificam os canais como varetas de um guarda-chuva. Através desses canais fluem os ventos ou o ar interno. São inço ventos raiz e cinco ventos secundários. Cada um dos ventos raiz dá suporte a um elemento e é responsável por uma função do corpo humano. Os ventos secundários dão suporte ao funcionamento dos sentidos. Diz-se que os ventos que fluem através de todos os canais, exceto o central, são impuros e ativam padrões de pensamento negativo e dualista: os ventos do canal central são chamados “ventos da sabedoria”. As “essências” são contidas dentro dos canais. Há essências vermelhas e brancas. O principal centro da essência branca é o topo da cabeça, e o da vermelha é o umbigo. Na prática de ioga avançado, esse sistema é visualizado muito precisamente pelo iogue. Fazendo os ventos entrarem e se dissolverem no canal central pela força da meditação, um praticante pode atingir a realização direta da luminosidade, ou a “Clara Luz” da natureza da mente. Isso se torna possível pelo fato de que a consciência cavalga o vento. Assim dirigindo sua mente para qualquer ponto particular do corpo, um praticante pode trazer até ali os ventos; ao fazer isso o iogue imita o que acontece na morte: quando os nós dos canais se soltam, os ventos fluem para o canal central e a iluminação é experimentada momentaneamente. Dilgo Khyentse Rinpoche conta a história de um mestre orientador de retiros num mosteiro em Kham, que era muito próximo dos seus irmãos mais velhos. Ele se aperfeiçoara na prática da ioga dos canais, ventos e essências. Um dia falou ao seu auxiliar: “Vou morrer em breve e peço a você o favor de procurar no calendário uma data auspiciosa para isso”. O auxiliar ficou atordoado mas não se atreveu a contradizê-lo. Examinou o calendário e disse que na próxima segunda-feira as estrelas no céu estariam em posição auspiciosa. O mestre disse então: “Segunda-feira é daqui a três dias. “Bem, acho que consigo”. Quando seu auxiliar voltou ao quarto, um pouco depois, encontro-o sentado ereto na postura de meditação iogue, imóvel como se estivesse morto. Não havia respiração mas podia-se perceber um pulso tênue. Decidiu nada fazer e esperar. Ao meio-dia ouviu de repente uma profunda exalação e o mestre voltou à sua condição normal; conversou com ele de modo bem humorado e pediu seu almoço, que comeu com disposição. Tinha estado segurando a respiração durante toda a sessão de meditação matutina. A razão pela qual fizera isso é que o nosso período de vida é contado por um número finito de respirações e o mestre, sabendo que esse número estava próximo, segurou a respiração para não atingi-lo antes do dia auspicioso. Logo depois do almoço fez uma respiração profunda e a manteve até a noite. Fez o mesmo no dia seguinte e no outro. Quando chegou a segunda-feira, perguntou:> “É hoje o dia auspicioso?” “Sim”, respondeu o auxiliar. “Ótimo, irei hoje”, concluiu o mestre. E naquele dia, sem qualquer doença visível ou dificuldade, o mestre morreu durante sua meditação. Uma vez que temos um corpo físico, temos também o que se conhece como os cinco skandhas – os agregados que compõem toda a nossa existência mental e física. Eles constituem a nossa experiência, são a base para o apego do ego e também a base do sofrimento do samsara. São eles: forma, sentimento, percepção, intelecto e consciência, também traduzidos como: forma, sensação, reconhecimento, formação e consciência. “Os cinco skandhas representam a estrutura constante da psicologia humana, assim como o seu padrão de evolução e o padrão de evolução do mundo. Os skandhas também estão relacionados com bloqueios de diferentes tipos – espirituais, materiais, e emocionais”. Eles são analisados com minuciosa profundidade pela psicologia budista. Todos esses componentes se dissolverão quando morrermos. Morrer é um processo complexo e interdependente, em que grupos de aspectos inter-relacionados do nosso corpo e mente se desintegram simultaneamente. Logo que os ventos desaparecem, falham as funções corpóreas e os sentidos. Os centros de energia entram em colapso e, sem os seus ventos fundamentais, os elementos se dissolvem em seqüência, do mais denso aos mais sutis O resultado é que cada estágio da dissolução tem seu efeito físico e psicológico na pessoa que morre que se reflete em sinais físicos externos e também em experiências externas. Amigos às vezes me perguntam: pessoas como nós podem ver esses sinais externos em amigos ou parentes que estão morrendo? Meus estudantes que cuidam dos que estão para morrer me contam que alguns desses sinais físicos são observados em hospitais e hospices. No entanto, os estágios da dissolução externa podem ocorrer muito rapidamente e nem sempre de maneira óbvia, e via de regra, as pessoas no mundo moderno que cuidam dos que estão próximos da morte não procuram por tais sinais . É comum que enfermeiras de hospitais muito movimentados confiem na sua intuição e em muitos outros fatores, como o comportamento dos médicos e membros da família do paciente ou o estado da mente da pessoa, para prever a morte de alguém. Elas também observam, mas nunca de maneira sistemática, alguns sinais físicos como a mudança de cor da pelo certo odor que às vezes aparece e notáveis mudanças na respiração. Os medicamentos modernos, entretanto, podem muito bem mascarar os sinais que os ensinamentos tibetanos indicam, e no Ocidente há pouca pesquisa sobre esse tópico tão importante. Isso não indica o quanto o processo da morte é pouco respeitado e compreendido no mundo moderno? A POSIÇÃO PARA MORRER Tradicionalmente, a posição que em geral se recomenda para morrer é a da pessoa deitada sobre o seu lado direito, assumindo a postura do “leão adormecido”, que é aquele em que o Buda morreu. A mão esquerda descansa na coxa esquerda; coloca-se a mão direita sob o queixo, fechando a narina direita. As pernas ficam estendidas e levemente dobradas Do lado direito do corpo há certos canais sutis que encorajam o “vento cármico” da ilusão. Repousando na postura do leão adormecido e fechando a narina direita, bloqueiam-se esses canais e facilita-se à pessoa o reconhecimento da Luminosidade Base quando ela surge na morte. Isso também ajuda a consciência a deixar o corpo através de abertura do topo da cabeça, se todas as outras aberturas por onde ela pode sair estiverem bloqueadas. (SOGYAL RINPOCHE – FLS, 312 A 318 – O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)
Posted on: Fri, 01 Nov 2013 13:32:56 +0000

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