O MISTERIOSO HÓSPEDE E OS MIGRANTES “Já estou chegando a - TopicsExpress



          

O MISTERIOSO HÓSPEDE E OS MIGRANTES “Já estou chegando a batendo à porta; quem ouvir minha voz e abrir a porta, eu entro em sua casa e janto com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS Mesmo sem ser convidado, um misterioso Hóspede bate à porta. Não somente para sentar à mesa jantar comigo. Ele traz luz e bontade, conforto e paz. A luz irradia-se de seu rosto, penetra os ângulos mais obscuros de meu coração, desvenda segredos inconfessados e inconfessáveis. Seus reflexos, da mesma forma que os raios do sol, além de iluminar até o âmago as entranhas de mina alma, aquecem os recantos mais úmidos, frios e mofados, desnuda as teias de aranha acumuladas, desata os nós de inúmeras dúvidas, inquietudes e contradições. Mais ainda, convida a abrir as janelas de toda a casa para que a luz, alegre, viva e radiante, possa chegar às ruas e praças, clareando os caminhos dos outros. A luz não tem origem em mim, mas eu a recebi gratuitamente. Logo devo disponizá-la de forma igualmente gratuita. A bondade se expressa através do olhar cativante e encantador desse misterioso Hóspede. Límpido, transparente e compassivo. Nada esconde, nada dissimula, nada distorce. Puro e simples reflexo do que lhe vai pela alma. Seus braços parecem querer abraçar toda a criação, todo o universo, toda e qualquer espécie de ser vivo; mas, ao mesmo temo, manifestam um carinho especial por cada coisa, cada ser vivo, cada pessoa e cada acontecimento. Partilha a ternura de seu coração com todos, mas chama a cada um pelo próprio nome. Como se falasse a uma imensa multidão e, simultaneamente, sussurasse ao ouvido de cada pessoa. É visível seu desejo ardente de abrir o coração em festa para que ninguém seja privado do banquete de sua alegria sem par. Um oxigênio puro e renovado precede-lhe os passos, nutrindo a esperança de quem está ao seu redor. Ardor vibrante que não pode ser contido nos quartos, salas e corredores e ouras partes da casa. Transborda para o ar livre, o céu azul, tomando as asas do vento e as acrobacias dos pásaros. Trata de levar um sopro de vida a quem agoniza sem raiz, sem teto e sem rumo. O conforto vem da presença a um tempo singela e inefável do misterioso Hóspede. De fato, Ele jamais dá as costas àqueles que o procuram com insistência e perseverança, jamais deixa do lado de fora um espírito contrito e humilde, jamais desilude quem ardentemente o busca. Trata-se de um conforto singular: não resolve meus problemas nem cicatriza automaticamente minhas dores e temores, mas me faz saber que não estou só em meio à tempestade. Minha pequena embarcação, embora frágil e exposta às ondas revoltas da tormenta, leva consigo o Senhor dos ventos e das águas bravias. Ele dorme, é verdade, mas não deixa de vigiar. Ao menor sinal de naufrágio, desperta e inspira coragem para a travessia. Como a luz e a bondade, também o conforto transborda pelas janelas escancaradas, pousando sua mão amiga sobre o ombro de quem sofre. “Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso de seus fardos, e eu lhes darei descanso” (Mt11, 28). Seu toque é inconfundível: não aponta o dedo em riste sobre a ferida e o pecado, como faria um juiz rígido e acusador, mas distribui o dom do perdão e da misericórdia, da cura e da salvação. Por outro lado, apesar de nunca abandnar o pecador ou pecadora ao próprio desespero, Ele não se faz cúmplice do mal: “Eu também não te condeno, vai e não peques mais!” (Jo 8,11). A paz brota da certeza de que o misterioso Hóspede é mensageiro de uma grande notícia. Diante de uma época marcada por tantas tensões e conflitos; guerra, violência e deslocamentos forçados, ele traz a aurora de um tempo novo. Longe de fechar-se sobre o despotismo e a tirania do mercado, dos totalitarismos, a história se reabre e se descortina a novos horizontes. Sobre as cinzas e escombros das últimas batalhas, novas veredas vão surgindo. Iniciativas populares floescem e se multiplicam por toda parte. Nem tudo é escuridão, nem tudo é deserto estéril, nem tudo é indiferença, nem tudo é perplexidade e desencanto. Ainda que tímidos e longínquos, já se fazem ouvir os sinos da paz, anunciada como a Boa Nova do Reino de Deus. Sinos cujo som metálico, novamente aqui, rompe todas as fronteiras, percorre campos e cidades apontado para a Jerusalém Celeste, onde o misterioso Hóspede “ergue a tenda de Deus com os homens. Ele vai morar com eles, eles serão o seu povo e Ele, o Deus-com-eles será o seu Deus. Ele vai enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor” (Ap 21,3-4). No fundo, a luz e a bontade, o conforto e paz do misterioso Hóspede têm como pano de fundo o amor que, ao mesmo tempo, inspira e fortalece a fé. Amor como causa e efeito das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. De acordo com a Encíclica Lumen Fidei (Luz da fé), ebaborada conjuntamente pelo ex-Papa Bento XVI e o atual Papa Francisco, a fé amplia os espaços da alma humana, ilumina as relações entre os homens e mulheres e alarga os horizontes da história. Faz-nos superar qualquer apego aos bens materiais e às formulações político-econômicas, à tendência de cristalização histórica, conduzindo-nos à cidade de Deus, “uma cidade construída sobre relações onde o amor de Deus é o fundamento”. De fato,”a luz da fé” – diz ainda o documento – “põe-se ao serviço concreto da justiça, do direito e da apz” (LF, nº 51). É assim que, seguindo as diretrizes básicas do Concílio Ecumênico Vaticano II, a fé se torna “uma luz para iluminar todos os relacionamentos sociais” (LF, nº 54). O amor do misterioso Hóspede, porém, bem como a fé n’Ele, longe de pairar indiferentemente sobre os embates da trajetória humana sobre a terra, encarna-se concretamente nela. Respeitando a liberdade dos homens e mulheres, age nas coordenadas da história, “ilumina o caminho do futuro, e faz crescer em nós as asas da esperança para percorrê-lo com alegria”. (LF, nº 6). Enquanto a cultura contemporânea tende a isolar e fragmentar as diversas dimensões do ser humano, “o amor de Deus, ao invès, unifica todos os elementos da nossa pessoa, tornando-se uma luz nova em direção a uma vida grande e plena” (LF, nº 27). Com os óculos da fé, “o olhar oferece uma visão ple de todo o percurso, permitindo situar-se no grande projeto de Deus” (LF, nº 29). Além de visitar e iluminar a alma humana e a casa onde vivemos, o misterioso Hóspede faz brilhar e resplandecer sua face sobre a cidade como símbolo da obra humana, reveste-a de graça e luz, como também a toda a sociedade eo conjunto da humanidade. Mesmo diante do sofrimento pessoal e coletivo, que permanece um mistério, “a fé ajuda a tornar mais solidárias as relações entre os seres humanos”. Quando vivido em sintonia com a paixão e morte de Cristo na cruz, o sofrimento pode inclusive “ser uma etapa de crescimento da fé e do amor” (LF, nº 55-56). É nessa perspectiva que, não raro, “aqueles que sofrem tornam-se como que mediadores de luz”, pois “é na debilidade e no sofrimento que emerge e se descobre a força de Deus”, como afirma o apóstolo Paulo (LF, nº 56-57). Convém, entretanto, não despertar expectativas falsas. Tanto no sofrimento em particular quanto na vida em geral, a fé não pode reduzir-se a magia. Nas palavras conclusivas da nova encíclica, “a fé não é luz que dissipa todas as nosas trevas, mas lâmpada que guia na noite os nossos passos, e isso basta para o caminho. Ao homem que sofre, Deus não oferece uma razão que explique tudo, mas oferece a sua resposta na forma de uma presença que acompanha, de uma história de bem que se une a cada história de sofrimento para abrie, nesta, um raio de luz” (LF, nº 57). Da mesma forma que os hóspedes de todos os tempos, em especial os épicos Ulisses e Enéias, por exemplo, mas também os migrantes, o Hóspede misterioso poderá ou não encontrar a porta aberta e a mesa farta, se assim o permitirmos. Diferentemente deles, porém, logo se transforma em anfitrião. Como no episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35), mesmo sendo o convidado, é Ele que acaba oferecendo pão e salvação, após dar graças ao Pai e abençoar o alimento. Se confrontarmos esse episódio com o chamado Juízo Final (Mt 25, 31-46), veremos que “todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”. Abre-se então uma possibilidade nova e extraordinária. Os protagonistas do texto citado – o faminto, o sedento, o estrangeiro, o desnudo, o doente e o prisioneiro – se e quando aceitos em casa e à mesa, também podem converter-se de hóspedes em anfitriões. A imensa multidão dos “sem” tem algo a nos oferecer, desde que estejamos dispostos a abrir-lhe a porta! Anfitriões que nos enriquecem com o intercâmbio de valores culturais e religiosos diferentes, nem melhores nem piores em princípio, apenas diferentes. Eis a grande novidade: o convite a passar do multiculturalismo ao interculturalismo. O que significa o desafio intepelador de superar a mera tolerância ou pacífica convivência pelo confronto e o diálogo, num movimento circular, em espiral crescente, que favorece o crescimento recíproco, além de uma recíproca depuração ou purificação. No mundo da economia globalizada, também os migrantes circulam por toda a parte, não obstante os muros (visíveis e invisíveis) e as leis cada vez mais rígidas. A exemplo do Hóspede misterioso, batem à porta, e podem ser portadores de luz e bondade, conforto e paz. Constituem muitas vezes um verdadeiro potencial de sangue novo e de oxigênio primaveril em não poucas sociedades que, lenta mas irremediavelmente, se encaminham para o declínio.
Posted on: Thu, 18 Jul 2013 18:44:54 +0000

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