O POETA DA LUA - capítulo primeiro (parte 17) Responderam com um - TopicsExpress



          

O POETA DA LUA - capítulo primeiro (parte 17) Responderam com um acenar de cabeça. Vestiram-se tão depressa quanto puderam e dirigiram-se ao escritório no primeiro andar cujas janelas enormes permitiam visualizar todo o labor na cozinha. Atrás da secretária, com cara de poucos amigos, aquele homem forte mas ainda novo, rondando os trinta e sete anos, cabelo grisalho muito curto, olhos negros e sobrancelhas carregadas. Correu para as persianas quando Daniel entrou. Viu o amigo passar pela porta, cabisbaixo, sem olhar para trás. Naquele instante sentiu-se o pior dos criminosos. Em todas as paredes via um dedo predador que o acusava. Tudo o que o rodeava tinha o amargo sabor da culpa. Via-se um ser humilhado, ultrajado, ferido. Maior que a culpa, maior que a vergonha, o medo que se sobrepunha a tudo. As considerações do chefe, a hipótese da mãe vir a saber, possibilidade acrescida pelo facto de ser menor, manifestavam-se dentro de si como se tivesse pisado uma granada e esta aguardasse apenas o retirar do pé para explodir. Pensou no amigo... Os imensos cuidados para ocultar o envolvimento não foram suficientes para impedir aquela cena catastrófica. Que lhes aconteceria? Ele bem o avisara para prestar atenção... mas levado pelo ímpeto da brincadeira beijara-o. O delito era um martelo que lhe batia incessantemente na nuca. Estava atordoado! Não conseguia descortinar a falta cometida. Onde errara? Porque é que estar apaixonado por Daniel era um erro? Reconhecia que o amava... Ainda se fossem um rapaz e uma rapariga... Será que agiriam da mesma forma? Provavelmente não.Corariam e calar-se-iam. Seria uma atitude apaixonada, fruto da juventude e como tal perdoável. Porque não poderia ser o mesmo com eles? Também eram jovens! Também eram impetuosos! Como impedir qualquer represália? Tentar chamar sobre si toda a culpa seria a única solução. Queria sair dali a todo o custo. Ainda pensou fugir, mas não adiantava. Fugir para onde? Isso seria trair o amigo dos longos beijos ardentes. jamais o faria. Claro que não sairia dali! Quanto não daria para saber o que se passava dentro do gabinete... No silêncio escuro daquela sala de espera impessoal queria precisava apenas de uma voz de conforto. Só uns sussurros breves repassavam a porta e pareciam-lhe espinhos de arame farpado. Sentiu vontade de entrar, de ficar lado a lado com Daniel. Afinal não eram os dois os culpados? Estava disposto a abraçá-lo e a beijá-lo diante do chefe. Um acesso de coragem motivava-o a gritar: "Deixe-nos em paz! Gostamos um do outro!" Engendrara mil desculpas mas todas lhe pareciam vagas e surrealistas. Alegar que tinha sido a primeira vez... Que fora uma brincadeira... Que não se repetiria... Não adiantava. Como negar o que o chefe vira? Será que o chefe os desculparia? Era bem provável que não... Esperava-os o despedimento. Como diria à mãe que tinha sido despedido? Que mentiras teria de inventar? Que seria feito de si dali em diante? Os minutos pareciam-lhe semanas. A angustiante ansiedade como choques eléctricos arrasava-lhe os nervos. Uma fúria incontida rasgava-lhe o cérebro enquanto maldizia o presente e aquela maldita hora em que aquele tipo tinha ido ao balneário - coisa que nunca fizera. Não se lembrava de o ter visto... Ele até tinha uma casa de banho particular...! Dava-se conta de que falhara em todos os aspectos. O mundo desmoronava-se devido a uma revoltante frustração causada por um prazer inconsequente, mas que o fazia feliz. Haveria outros como ele? Excluindo Leonardo, que já esquecera, haveria mais alguém? Teria o médico suspeitado de alguma coisa e anotado na ficha, daí o terem-no espiado? O chão tremia-lhe por debaixo dos pés... Um sismo abalava-lhe os intestinos. Doía-lhe o estômago. Tinha vontade de vomitar... E Daniel que demorava mais de um século. Por fim saiu de cabeça baixa, passou-lhe a mão pelo ombro e seguiu. Alex entrou. Sentado à secretária o chefe alisava o coiro cabeludo. Pediu que se sentasse. Levantou-se e trancou a porta. - Já sei da vossa história. - Intimidou-o com um sorriso sarcástico. páginas 47, 48 e 49 livro O POETA DA LUA autor António Casado editora Chiado Editora
Posted on: Fri, 23 Aug 2013 21:39:02 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015