O Perfil do Juiz no Novo Direito da Criança e do - TopicsExpress



          

O Perfil do Juiz no Novo Direito da Criança e do Adolescente. João Batista Costa Saraiva Desde o advento da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança estabeleceu-se um novo paradigma na atuação do Sistema de Justiça relativamente à questão da Infância e da Juventude, compreendido aqui todos os operadores deste sistema, considerado seu conteúdo interdisciplinar – Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública, Serviço Social, etc. A Convenção tem uma história de elaboração de dez anos, culminando com sua aprovação em 1989, no trigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança. Desde então os Direitos da Criança passam a se assentar sobre um documento global, com força coercitiva para os Estados signatários. Inaugura-se um novo momento histórico no trato da questão da infância. Instala-se um “Novo Direito”. Assim somente há de se falar sobre o perfil do Juiz em face o Direito da Infância e Juventude tomando como referenciador deste perfil os princípios e mandamentos insculpidos na Convenção e a nova ordem dela decorrente, retirando a figura do “menor” de sua condição de objeto do processo para inseri-lo em uma nova categoria jurídica, qual seja, a de sujeito do processo, titular de direitos e obrigações, respeitada sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Posta esta premissa; indissociável no que pertine ao delineamento do que seria o perfil do trabalhador deste sistema, notadamente do juiz da infância e juventude em face a nova ordem estabelecida, com o marco de um novo paradigma para sua atuação; cumpre, preliminarmente, no esforço que se faz visando explicitar o conteúdo dessa nova postura, socorrer-se da lição de Michel Mialle, quando leciona, em Introdução ao Estudo de Direito, dispondo que toda propositura de apresentação, de exposição, supõe que seja feita de “uma certa maneira”, reportando-se à parábola da visita ao Castelo. “Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num novo lugar. Ora, ao contrário do que se poderia facilmente pensar. Esta deslocação de um lugar para o outro, este movimento, não pode ser neutro. Não há introdução que se imponha por si mesma, pela lógica das coisas. Tomemos um exemplo para nos convencermos desta afirmação. A visita a uma casa desconhecida, sob a orientação de um guia, é sempre uma estranha experiência: o guia introduz-vos na casa, faz- -vo-la visitar, faz-vos, de facto, descobrir as suas diferentes divisões. Mas há sempre portas que permanecem fechadas, zonas que não se visitam, e, muitas vezes, uma ordem de visita que não corresponde à lógica do edifício. Em suma, vocês descobriram esta casa ‘de uma certa maneira’: essa introdução foi condicionada por imperativos práticos e não necessariamente pela ambição de dar um verdadeiro conhecimento do edifício. É, aliás, admissível que, se vocês conhecessem bem o guarda, tivessem podido passear sem restrições na casa, abrir as portas proibidas e visitar as zonas fechadas ao público. Em resumo, teriam tido um outro conhecimento dessa casa, porque teriam ai sido introduzidos de forma diferente. Que dizer, então, se vocês fossem um dos habitantes dessa casa? Conhecê-la-iam ‘do interior’ – conheceriam os seus recantos familiares, as escadas ocultas, o desgaste produzido pelo tempo e a atmosfera íntima. Tudo se passa como se, nas tres hipóteses que acabamos de imaginar, não houvesse uma casa, mas tres edifícios diferentes, no fundo muito diferentes pelo conhecimento que temos deles”. Nesta linha de raciocínio, de quem pretenda discorrer sobre o perfil do Juiz neste Novo Direito, ilustro ainda com o que o próprio Mialle afirma em sua proposta de fazer uma Introdução Crítica ao Estudo do Direito: “O direito não tem a consistência material de uma casa, não é delimitado no espaço por paredes e portas. Quando eu tomo a iniciativa de vos introduzir no direito, tomo a responsabilidade de abrir certas portas, de conduzir os vossos passos num determinado sentido, de chamar a vossa atenção para este elemento e não para outro. Ora, quem poderá dizer se as portas que eu abri eram boas? Se o sentido da visita era instrutivo para o visitante?” Assim sendo, o traçar, ou a pretensão de traçar, o perfil do Juiz nesta nova Ordem, parte, por evidente, de uma visão pessoal, da experiência que se tem tido no Brasil na busca da efetivação em todos os níveis do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece no plano infraconstitucional a normativa nacional relativa às questões da infância e da juventude. Passados tantos anos, ainda se depara no Brasil com a resistência de diversos setores em libertar-se dos primados da vetusta Doutrina da Situação Irregular, ainda presente na cultura nacional e, por evidente, em setores do próprio Poder Judiciário, espaço onde a resistência ao novo e ao inovador, seja no Brasil, seja onde for, sempre se faz de modo mais manifesto, às vezes de forma expressa, às vezes de forma subliminar. Esta última, aliás, mais perversa do que aquela, pois se diz estar cumprindo a nova ordem, porém apenas o fazendo aparentemente, aplicando a velha doutrina travestida do novo. Logo, o perfil do Juiz a que passo a me referir diz com uma visão comprometida com a efetividade da Doutrina da Proteção Integral, com a efetividade da Normativa Internacional e Nacional, que a recepcionou, na atuação do Poder Judiciário. No que respeita a comprometimento não há como deixar de referir aqui uma figura de linguagem utilizada pelo Pedagogo Ernest Sarlet, que estabelece um paralelo entre o que é comprometer-se e o que é participar. Para tanto utiliza a quase prosaica parábola do omelete com bacon. Diz Sarlet que nesta elaboração a galinha participa, porque entra com o ovo; mas o porco se compromete. Por certo a proposta que nos move não é uma proposta de morte, como a do porco, que se sacrifica; mas uma proposta de vida, de entrega. De qualquer sorte, o que se busca ao pretender traçar o perfil do Juiz neste novo modelo, parte de uma visão comprometida com este ideal. Assim, retomando Michel Mialle, há de se compreender que se discorre sobre o Perfil deste Juiz sob um certo ponto de vista, uma certa maneira de vê-lo, ou seja, comprometido com a efetivação plena da Doutrina da Proteção Integral em uma sociedade ainda contaminada pelo germe da Doutrina da Situação Irregular. Na definição do perfil deste Juiz há que se ter em mente a mudança paradigmática estabelecida a partir da Convenção dos Direitos da Criança. Esta mudança, que transita, para sua efetivação, por uma necessária alteração de condutas, supõe um câmbio conceitual. No Brasil, esta modificação conceitual passa pela adoção pelo texto legal de conceitos como criança e adolescente, abandonando a antiga conceituação de menor e o significado doutrinário dessa distinção. Estabelecidas as premissas de que a Convenção Internacional de Direitos da Criança elevou este agente da condição de objeto do processo para sujeito do processo, titular de direitos e obrigações que lhe são próprias, observada a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, com repercussão imediata no ordenamento jurídico interno dos países signatários, faz-se possível, então, lançar considerações sobre o perfil do Juiz neste novo contexto. Ao menos até o advento da Convenção Internacional o chamado Direito do Menor, e, por consequência, a Justiça de Menores, eram vistos pelos operadores do Direito como uma justiça menor. Lembro por exemplo, de minha própria experiência pessoal, quando, em 1991, após sucessivas promoções por merecimento em minha carreira, anunciei a colegas meus que havia aceitado classificar-me no Juizado da Infância e Juventude. A sensação que tive, em face a reação de colegas, alguns que até verbalizaram isso, era de que iria “enterrar” minha carreira nesta jurisdição menor. Na verdade, o imaginário norteador de muitos operadores do Direito de então – presente ainda hoje – é de que o Juiz da Infância e Juventude não se ocupa da “nobreza do mundo jurídico”, e que trataria de questões ajurídicas, não “científicas”, naquela ideia de uma jurisdição subalterna. Este equívoco de concepção se constitui no seio da organização judicial latinoamericana – pois este não é um mal brasileiro – em um total desconhecimento do que seja o Direito da Infância e Juventude, e, pior, o desconhecimento deste próprio Direito no sistema de Justiça, norteado pelo Direito Constitucional. Há, sim, um Novo Direito e na aplicação deste Novo Direito há que existir um Novo agente, um novo Juiz e assim por diante. O perfil do Juiz, do Novo Juiz, neste Novo Direito, pressupõe um operador qualificado, com sólido conhecimento de Direito Constitucional, na medida em que lida com Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, havendo de transitar com naturalidade pelo Mundo Jurídico com domínio das Regras Fundantes deste Sistema. Não está o Juiz deste Novo Direito atuando em uma esfera parajudicial, ou meramente administrativa, mas de pleno exercício da jurisdição, cumprindo o papel de julgador de conflitos, seja na órbita cível, seja na órbita criminal. É exigível conhecimentos sólidos para que possa atuar no Direito Penal Juvenil, incorporado de todas as garantias e prerrogativas próprias do Direito Penal e do Processo Penal, mesmo que, na área da Infância e Juventude se cogite em sanções de natureza própria. Na mesma intensidade no que respeita aos direitos fundamentais atinentes às garantias de convivência familiar e comunitária, por exemplo, a pressupor sólidos conhecimentos de Direito Civil e Processual Civil. Igualmente há que estar habilitado para pronunciar-se nos conflitos que versarem sobre Direitos Coletivos ou Difusos, onde prevaleça o interesse da criança, conflitos estes afetos a este segmento especializado do Direito. Portanto, o perfil deste Juiz para aplicação deste Novo Direito, onde o Poder Judiciário é recolocado no devido papel que o sistema de tripartição de poderes lhe impõe, supõe um profissional altamente qualificado. Destaco, neste particular, o avanço no Brasil nas Ações Civis Públicas, na órbita de competência da Justiça da Infância e Juventude, inclusive com decisões determinando ao Estado-Executivo a criação de Programas de atendimento para Adolescentes Infratores. De resto, a par desta formação profissional, há de estar comprometido com a transformação social, apto a assegurar no exercício desta jurisdição as garantias próprias da cidadania a quaisquer de seus jurisdicionados, independente de sua condição econômica ou social. Extingue-se a vetusta figura do Juiz de Menores como mero instrumento de controle da pobreza, com decisões não fundamentadas, com procedimentos sem observância de garantias constitucionais e processuais. Enfim, ao se pretender traçar o perfil deste Juiz estar-se-á falando de um Magistrado qualificado e comprometido, apto a trazer para o cotidiano de sua jurisdição a eficácia das normas do sistema, incorporando uma Normativa Internacional que deve conhecer tão bem quanto as normas de seu sistema nacional. Não poderá, porém, em momento algum este profissional deixar de indignar-se com a injustiça, tampouco perder a qualidade de, mesmo mantendo-se em sua posição de julgador, ser capaz de emocionar-se com a dor de seu jurisdicionado. Aqueles que endurecem nesta atuação, que não mais se emocionam, não servem mais para o que fazem. Há, sim, um Novo Direito, e deve existir um Novo Juiz. Aliás, se não existir um Novo Juiz, apto a operar este Novo Direito; Novo Direito não existirá, pois ao Juiz compete dar eficácia às normas. Pelas tantas de seu Ensaio “Contra a Pena de Morte”, Norberto Bobbio cita John Stuart Mill: “Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costumes e instituições, uma após outras, foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas”. A doutrina da Situação Irregular e o velho Juiz de Menores cumpriram, em determinado momento histórico seu papel, fazendo incluir o Direito do Menor como instrumento do Estado. Esta etapa se faz vencida. O Novo Direito, a Doutrina da Proteção Integral, a elevação da criança e do adolescente à condição de sujeito de direito, faz com que se constate que a antiga doutrina e o velho direito cumpriram sua etapa. Na atuação deste Juiz deve se levar em conta a melhor hermenêutica, tão bem esplanada por Lenio Luiz Streck quando enfoca a necessidade de uma interpretação do Direito à luz dos princípios constitucionais, que contaminam as normas e a estas sobrepairam. Assim, este Juiz na aplicação e interpretação da lei há de ter sempre presente a lição de Carlos Maximiliano, que ensinava que a relação existente entre o Juiz e o Legislador, é mesma que existe entre o Ator e o Dramaturgo (“o juiz está para o legislador, assim como o ator está para o dramaturgo”). Da qualidade da interpretação do texto, da carga criativa emprestada a esta interpretação, do comprometimento do operador jurídico, se extrairá a qualidade do trabalho, que, no caso da Lei, é a Justiça. Como nos ensina Norberto Bobbio, na Era dos Direitos, em se tratando de Direitos Humanos o problema que nos aflige não é tanto de fundamentação destes Direitos, e sim, fundamentalmente, de implementação destes Direitos. Na afirmação de um Novo Direito, para o qual se exige um Novo Juiz, o que se constata é que “conquistas” do passado são tidas hoje como plenamente superadas, na medida em que se afirmam os direitos de cidadania e se estende estes direitos a todos os cidadãos, em especial àqueles em peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, respeitada esta condição sem lhe sonegar as garantias da cidadania. É para operar este Novo Direito que se espera de cada operador uma nova postura, que se espera, em especial, um Novo Juiz, não necessariamente um juiz novo, mas um Juiz capaz de agir e interagir na sociedade, na condição de Magistrado, investido e imbuído de uma nova ordem de direitos, qualificado e, acima de tudo, comprometido com um ideal.
Posted on: Sun, 14 Jul 2013 15:24:58 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015