O artigo abaixo é do José Roberto Lopes Padilha, o Zé Roberto, - TopicsExpress



          

O artigo abaixo é do José Roberto Lopes Padilha, o Zé Roberto, que atuou durante vários anos como ponta-esquerda do Fluminense, Flamengo e Santa Cruz (PE). Eu e o Zé Roberto somos amigos desde 1974 quando morávamos no mesmo prédio no Leblon. Adeus, Abel Certo dia do ano passado, após dezenas de mudanças, preservando em caixas e gavetas recortes, panfletos, um pouco da nossa história, conseguimos pela caixa a realidade da casa própria. Nela, dentre outras fixações, tenho organizado pôsteres, camisas, fotografias outrora empilhadas e, no meu aniversário de 60 anos, inaugurei, com a presença dos pais, irmãos, filhos e netos o meu memorial. Se não preservar a minha história esportiva, de jogador de futebol, que outro jornalista senão o próprio catalogaria a carreira de quem não foi um, mas teve o privilégio de jogar a lado de monstros sagrados como Gérson (1974), Rivelino (1975) e Zico (1976)? Dentre as minhas relíquias, encontrei duas camisas da seleção brasileira de 1970, tricampeã mundial e considerada pela Revista Times a mais bonita de todos os tempos. Que a nossa seleção sub 20 herdou um lote, jogou e venceu o Torneio de Cannes uma ano depois. Foi a primeira seleção brasileira das categorias de base. Uma camisa da marca Athleta, de nº 20, a outra da malharia Superball, de número 3. Alguém deveria ter ficado com a minha onze, mas eu sabia quem jogara com a numero 3 : Abel Braga, nosso capitão. Aproveitando minhas férias no Rio de Janeiro, embrulhei a camisa incrivelmente conservada graças aos cuidados da minha esposa, e fui até o Fluminense FC dar de presente ao amigo treinador. Era um bela manhã de julho, Abel dirigia um treinamento coletivo onde o Carlinhos, lateral esquerdo, dera um show de bola, digno de Junior, Marcelo, dos grandes laterais que vi por ali atuar. Após o treino, aguardei que tomasse banho para lhe entregar o presente. Antes, na arquibancada, mostrei a camisa ao diretor Marcelo Ribeiro, que ficara encantado com ela: “ele vai ficar feliz de receber esta relíquia. Nem ele deve ter esta preciosidade!”. Afinal, não é todo ia que conquistamos um mundial sub-20, com direito a medalha de ouro, uma semana com tudo pago em Paris aos 19 anos de idade. Quando o Abel me recebeu, reconheceu a camisa e antes de agradecer desferiu uma bomba na nobreza dos sentimentos que me levaram até lá : “Obrigado. Mas porque só agora você me trouxe a minha camisa?”. Joguei 8 anos no Fluminense e se voltei um dia por lá foi para lançar meu livro. Deixá-lo depois à venda na Flu Boutique. No Flamengo, que defendi por um ano, fiquei 37 anos sem ir até à Gávea, voltei semana passada como secretário de esportes de uma cidade que acolheu sua equipe feminina de ginástica artística. Diz a lenda que quando um jogador volta ao seu clube, após tantos anos, é para pedir favor, dinheiro, emprego nas divisões de base e auxílio para deixar AA. E eu voltara apenas para abraçar um amigo e lhe devolver sua camisa. Sem ar como resposta, completamente sem graça, que o trauma embutido traduzia por “ta querendo o quê em troca?”, fiquei inerte enquanto ele foi buscar no vestiário uma camisa da Unimed que o trauma insistia ser um objeto de troca. Sei que não é fácil a vida de um amigo que, segundo os conceitos efêmeros e capitalistas deu certo na via por ganhar meio milhão de reais por mês, ser campeão brasileiro, mundial, morar num confortável apartamento no Leblon, o metro quadrado mais chique da cidade maravilhosa. Sem saber, Abel, e tantos outros, construíram uma cerca de arame farpado invisível, outra elétrica que os protege dos amigos que julgam não ter dado certo e se dignam a ir até lá trocar não de abraços, mas de camisas.
Posted on: Tue, 30 Jul 2013 13:26:11 +0000

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