O aspecto político não esconde o abismo tecnológico que separa - TopicsExpress



          

O aspecto político não esconde o abismo tecnológico que separa os dois países, diferença que deixa o governo americano numa imensa vantagem para conhecer os segredos de parceiros em todo o planeta. Na vanguarda do conhecimento tecnológico mundial, seja pelo vigor único de suas pesquisas, seja pelo volume dos recursos que foram capazes de mobilizar, os Estados Unidos construíram a internet – essa maravilhosa rede que conecta bilhões de cidadãos e empresas de todo planeta – como uma “colônia americana”, conforme definição crua do jornal “The New York Times”. A ausência de um sistema eficiente de defesa no Brasil e em outros países é a contrapartida de uma história tímida no campo das pesquisas autônomas e da produção própria. Conforme vários especialistas ouvidos por ISTOÉ, a ação de espionagem é apenas a ponta de um iceberg. Em caso de conflito grave, a ausência de uma proteção digital eficiente coloca em risco, por exemplo, o funcionamento de hidrelétricas, linhas de transmissão, plataformas petrolíferas, oleodutos, aeroportos e metrôs, como experimentaram países que enfrentaram confrontos internacionais em posição desvantajosa, como ocorreu recentemente com o Irã e seu programa nuclear. No governo Fernando Henrique Cardoso, quando duas multinacionais disputavam a concorrência para os radares do sistema Sivam, da Amazônia, vários segredos do governo brasileiro foram interceptados. Nada garante que, de lá para cá, a situação geral tenha se modificado, como admitiu o ministro da Defesa, Celso Amorim, em depoimento ao Senado. “A situação em que a gente se encontra hoje é de vulnerabilidade”, admitiu o ministro, assegurando que, na falta de proteção tecnológica eficiente, procura resguardar-se de forma singela: evita escrever e-mails importantes em seu computador. No depoimento, Amorim recordou os contratos “por trás da porta” de empresas americanas com o governo de seu país. Mantendo uma relação de grande proximidade, que torna difícil enxergar onde termina a instituição privada e onde começa o Estado, esses acordos permitem o acesso indevido a informações privadas. Os documentos liberados por Snowden sugerem um caso de colaboração estreitíssima entre a Microsoft e a NSA. Conforme a denúncia, a Microsoft auxiliava a agência a quebrar o sistema criptográfico que protegia seus usuários. 4.jpg Uma semana antes das revelações de Snowden, autoridades do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) se reuniram em Brasília, preocupados com a entrada de empresas estrangeiras na área de segurança e inteligência dos aeroportos brasileiros. Presente ao encontro, um coronel alertou para a entrega do aeroporto internacional de Brasília ao consórcio Inframérica, liderado por um grupo argentino. “Eles terão acesso ao controle do espaço aéreo brasileiro. É uma temeridade”, disse. De acordo com os documentos vazados por Snowden, a base de operações da NSA no Brasil teve acesso ao tráfego de dados dos satélites da Embratel, de propriedade do mexicano Carlos Slim, e ainda dos cabos submarinos de fibra óptica, nas mãos da Global Crossing, do grupo Level 3, multinacional com sede no Colorado, nos Estados Unidos. Facebook, Skype, Microsoft e Google também são frequentemente acusados de abrir dados privados de seus usuários para a NSA, atividade que todas negam. “É prática corrente nos Estados Unidos o governo implantar um representante ou mesmo uma célula da NSA nas empresas que são concessionárias de serviços estratégicos como a telefonia”, diz o analista de segurança nacional Salvador Raza. Autor do estudo sobre maturidade da segurança cibernética no Brasil, ele integrou o grupo de especialistas que desenhou o atual modelo de defesa digital dos Estados Unidos. “Não há como grampear telefones e e-mails, saber de seu conteúdo, sem autorização das empresas de telefonia”, garante Raza. Em sua opinião, uma das primeiras medidas para mitigar essa fragilidade estrutural é criar um órgão específico de segurança digital. A administração pública federal possui 320 redes de computadores, incluída aí a de uso restrito da Presidência da República. A segurança dessas redes é feita por um pequeno departamento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O Exército também possui um núcleo de defesa cibernética, criado há apenas dois anos e cuja atividade ainda é incipiente. Na semana passada, o embaixador americano Thomas Shannon foi recebido por Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores. Na audiência, Shannon confirmou a fama de diplomata bem-humorado. Referindo-se à sua saída do posto em Brasília, lembrou que sua passagem ficará marcada por episódios ligados a informações confidenciais. “Cheguei no caso do WikiLeaks e vou embora com as denúncias de espionagem”, disse Shannon, que não ofereceu nenhum esclarecimento que pudesse aliviar o mal-estar entre os dois países. O episódio pode se transformar num trunfo para a diplomacia brasileira. Ao lado da Índia, o Brasil tem se mobilizado, em organismos internacionais, para a produção de acordos capazes de criar regras destinadas a equilibrar duas forças antagônicas – a liberdade que todos apreciam na internet com o controle sobre atividades criminosas, como a espionagem, que pode ser cometida através da rede. 3.jpg Antes da denúncia de Snowden, o governo americano recusava toda tentativa de interferência na internet, com a alegação de que tinha condições de manter a situação sob controle, sem sacrificar a liberdade dos usuários. Agora, esse argumento perdeu força. Até porque a denúncia não se limita ao Brasil. Revelações de espionagem americana se tornaram assunto quente na campanha eleitoral alemã, deixando o governo de Angela Merkel na desconfortável posição de oferecer explicações. O chanceler Antonio Patriota anunciou que pretende recorrer à ONU, a fim de buscar uma definição sobre normas de comportamento para os países quanto à privacidade das comunicações. Os antecedentes mostram que não se trata de uma iniciativa simples. Aprovada em 2005 pelos países da União Europeia, a Convenção de Budapeste prevê o chamado “acesso transfronteiriço”, pelo qual um Estado membro pode acessar diretamente informações em servidores localizados em outro país, sem autorização prévia. É uma ideia que até faz sentido num continente que se vê como uma realidade supranacional e possui uma moeda própria. Mas teria difícil aplicação em outras partes do mundo, onde as nações travam uma competição encarniçada pelo conforto de suas populações.
Posted on: Mon, 15 Jul 2013 14:22:49 +0000

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