O fim das locadoras O que ganhamos e perdemos com a desaparição - TopicsExpress



          

O fim das locadoras O que ganhamos e perdemos com a desaparição das últimas lojas de bairro LUÍS ANTÔNIO GIRON Toda vez que passamos de carro diante da loja vazia com placa de aluguel, minha filha mais velha, Giulia, diz que tem vontade de chorar. Naquele prédio ficava a locadora de vídeo do bairro, que frequentamos ao longo de quase todos os 21 anos de vida de Giulia. Ela talvez não tivesse motivos para isso, pois acessa tudo quanto é filme pelos serviços de assinatura pela TV digital ou pela internet, isso quando não compra os DVDs que deseja. Mas as coisas não são tão planas. A locadora em questão, a Verão 42 (o próprio nome era nostálgico, pois remetia a um filme nos anos 1970), representava para ela um espaço afetivo. Fazia parte da nossa história. Quando criança, ela gostava de escolher os DVDs de desenho animado. A gente sempre dava uma passada lá depois das aulas de balé. Foi numa dessas ocasiões que vimos na televisão da locadora uma cena de filme catástrofe: um ataque de avião ao prédio do Pentágono americano. Perguntei à atendente que filme era aquele, e ela me disse que a cena estava acontecendo de fato. Em seguida, apareceram cenas reais ainda mais cinematográficas: aviões se chocavam nas Torres Gêmeas de Nova York, e o século XXI começou. A chegada dos DVDs mais baratos, da televisão digital e dos serviços de assinatura de filmes pela internet e pelos dispositivos móveis tornou as locadoras obsoletas. Primeiro acabaram as grandes redes. Lembro que três anos atrás dizia-se que só restariam as locadoras de bairro. Mas elas também foram atingidas. Ainda vejo uma ou outra por aí, irremediavelmente vazias. Os donos esperam para falir ou passar o ponto. Claro, as locadoras pagaram o preço da corrida tecnológica. Uma das coisas mais chatas era o transporte de games, fitas e DVDs. Quantas vezes não paguei multa por atraso. Com os serviços digitais de assinatura, o consumidor ganhou em agilidade, flexibilidade, preço e conforto. Ao mesmo tempo, também perdemos muita coisa com isso. Havia o contato físico, presencial, com os filmes. Nada melhor que errar pelas estantes para buscar o que queria e encontrar o que não esperava. Cada locadora era um catálogo vivo e imprevisível, onde era possível encontrar filmes raros ou improváveis. Não conheço nenhum serviço de assinatura que substitua essa deliciosa sensação de acaso, e nem mesmo possa oferecer a quantidade e variedade os títulos das prateleiras físicas das boas locadoras. Elas simulavam um espaço de cinema, com cartazes dos lançamentos e venda de pipoca e refrigerantes. Contavam até com uma espécie de lanterninha, o atendente que sugeria os filmes e conversava sobre história do cinema. Aliás, as locadoras geraram pelo menos dois cineastas que trabalharam nessa função: o americano Quentin Tarantino e o francês Michel Gondry. Eles levaram ao cinema o conhecimento que adquiriram como atendentes de locadoras. Os filmes de Tarantino são sugestões de um atendente genial de locadora. Gondry fez uma pungente homenagem ao fim do VHS no filme Rebobine, por favor. Será que os novos servicos vao gerar cineastas do mesmo nivel? Duvido. As locadoras de bairro estão fechando e levando uma parte de nossa memória. Mais do que tudo, a ausência delas priva a gente de uma experiência agradável e nem sempre demarcada e controlada. Perdemos a relação pessoal com os filmes, algo único e irrecuperável. Mas a história tem de andar – e, salvo erro, até hoje ela só andou para frente.
Posted on: Fri, 23 Aug 2013 08:49:57 +0000

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