O homem que queria ser livre Fausto Wolff La Insignia. Brasil, - TopicsExpress



          

O homem que queria ser livre Fausto Wolff La Insignia. Brasil, maio de 2004. Leitores gentis têm escrito dizendo que gostariam de ser livres como eu. Sinto decepcioná-los mas não sou um homem livre e não conheço nenhum homem livre. Venho, isso sim, tentando ser um homem livre desde minha mais remota lembrança. Aliás, se tivesse de adivinhar - pois a minha ignorância é colossal e posso afirmar apenas alguns poucos axiomas que se sustentam por si mesmos - diria que nossa função na terra é a de tentarmos ser livres a cada milésimo se segundo, acordados e até mesmo quando adormecidos. A liberdade, porém, não é algo que se peça, não é algo que se compre, pela qual se implore, pois se existe alguém que pode dar liberdade este alguém também tem condições de tirá-la. Liberdade é algo que se conquista e se conquista de dentro para fora e vice-versa. O primeiro lugar onde devemos procurar a liberdade é dentro de nós mesmos. Como disse num dos meus poemas, porém, ela é muito fugidia e pode ser uma carcereira terrível e isso porque nos obriga a usar uma ética humanista contra uma sociedade doente que habituou-se à ética autoritária. A liberdade, como diz Stockman em O Inimigo do Povo, de Ibsen, conduz à solidão, ao desprezo popular, ao ostracismo, rejeição, ao desespero e eventualmente à loucura, à tortura, à prisão e à morte. A liberdade é uma dama difícil de ser cortejada pois ela também é isolada não só por aqueles que querem acabar com ela como por aqueles que se iludem pensando que são livres; que transferem a decisão para terceiros: pais, irmãos, filhos, família, líderes políticos, religiosos e jurídicos e, principalmente, à forma de poder mais próxima. A liberdade obriga o ser humano a pensar e para a grande maioria este é um exercício muito doloroso. A liberdade gera responsabilidade e com ela a culpa. A liberdade está ligada indissoluvelmente ao caráter do homem e este é determinado biológica e sociologicamente. Erich Fromm, (o grande pensador do século XX e por isso desprezado por seus pares uma vez que falava língua de gente e não escondia-se atrás do palavrório acadêmico) achava que a biologia de Freud e a sociologia de Marx tinham a chave do futuro. Os dois grandes pensadores estão em aberto para evolução humanística do homem. Se eu pudesse gostaria de promover um encontro num bar entre Marx, Freud e Fromm. Fromm talvez conseguisse explicar a Marx que o homem só pode ser feliz se parir a si mesmo; à sua personalidade e a Freud que o homem, mesmo conhecendo a si mesmo, para ser feliz precisa viver numa sociedade que o respeite mais do que ao lucro; que respeite mais o ser do que o ter. Depois disso só precisamos convencer aquela parte mínima da população mundial que nos escraviza e para a qual a liberdade é o próprio diabo. Isso porque a liberdade leva ao pensamento e o pensamento à descoberta da escravidão. É claro que os animais, principalmente, aqueles mais elementares na escala biológica não estão preocupados com a liberdade. As minhocas não se preocupam com o amanhã, não temem a solidão e a morte. Não precisam decidir o que serão pois continuarão sendo minhocas e fazendo o seu belo trabalho para o homem. Recentemente estive em Itaipu que ilumina uma quarta parte do Brasil e todo o Paraguai e vi como o homem dominou a natureza e levou a ciência a progressos inimagináveis. Como ser humano e tudo a ele inerente de positivo - arte (capacidade de Van Gogh dar a eternidade de presente à uma criança modelo ou de Beethoven entender tanto a mecânica da música a ponto de compor surdo) o amor (da mãe que levanta quinhentos quilos para salvar o filho), a cordialidade, a solidariedade, a gratidão, a dignidade - vem regredindo a ponto de se tornar nada mais que um ser mesquinho e ganancioso, violento ou medroso e principalmente ignorante e submisso. Não me espantaria nada se - depois que acabarmos com o planeta - golfinhos, macacos ou cavalos se tornassem formas superiores de uma vida mais decente. Há muitos anos entrei com uma namorada num templo na Índia onde os macacos - centenas deles - andavam livremente. Levei comigo algumas bananas. Os macacos me ignoraram até que um deles aproximou-se temerariamente e roubou o cacho de bananas da minha mochila. Estava comendo as bananas sozinho - nenhum outro ousou aproximar-se - quando viu nas mãos da minha namorada outro cacho. Aproximou-se dela e roubou-o também. Irritado com a atitude do bicho, peguei um bambu e dei-lhe uma varada nas costas. Ele deu um guincho, um pulo para trás e outros guinchos. Para meu espanto, todos os outros aproximaram-se organizadamente para nos atacar e acabamos fugindo. Lembrei-me desta história há pouco ao repensar o lugar comum que diz "minha liberdade termina onde começa a do outro." Ora, em verdade eu havia invadido o espaço dos macacos, eles não tinham nenhuma lei que proibisse o roubo de bananas e ainda assim ousei atacar o líder. Com algumas raras exceções na História da Humanidade os homens sempre se comportaram como minhocas ou macacos. Essas exceções se deram na Grécia, em Roma, Alexandria, na Renascença, nas revoluções francesa, americana, russa, chinesa e cubana. No resto do tempo até os dias de hoje se não somos animais, somos escravos. Aliás, não foi à tôa o espanto de um senador romano diante da revolta de Spártacus, ao dizer: "Pela primeira vez na História um escravo toma ciência (consciência e creio que foi nessa ocasião que surgiu o vocábulo) da sua condição e se revolta." Somos escravos de uma nojenta corja de preguiçosos mas aparentemente não queremos nos dar conta disso. Como bem disse o excelente jornalista (outro dinossauro) Carlos Chagas recentemente, no feudalismo o príncipe ao menos se obrigava a defender o povo provendo suas necessidades em casos de calamidade e estando à frente do seu exército em caso de guerra. No feudalismo também o camponês não questionava sua condição, esperava que seu filho fosse camponês e acreditava em Deus do mesmo modo que acreditava no ar que respirava. O feudalismo e as monarquias por direito divino pareciam ser o paradigma mas a burguesia jogou água no chope da aristocracia e aos poucos algumas mudanças sociais foram se impondo na era industrial e o próprio trabalhador brasileiro (imaginem!!!) com Getúlio chegou a ter não só direito a emprego como à indenização e em alguns casos (IAPI, IAPC, IAPTEC e outros) casa própria. Filho do nazi-capitalismo o neoliberalismo global - disfarçado de democracia - acabou se impondo como o paradigma do nosso tempo. Até a ditadura de 64 vivíamos razoavelmente - apesar da matéria plástica, das concessões à gasolina e de Brasília) pois tínhamos os escravos oficiais ( a maioria), a classe média sem ideologia alguma e a minoria de ricos exploradores. Pensávamos que um dia as nossas riquezas seriam distribuídas entre todos. Sarney, Collor e principalmente Fernando Henrique Cardoso, porém, todos eleitos indiretamente pelo consenso de Washington fizeram no Brasil o que outros canalhas fazem em outras partes do mundo; que retornássemos à selva oscura de Dante, à selva sem piedade de Conrad, às leis do mercado que dizem que vence o mais forte, o mais apto, o mais capaz que em 99.9% dos casos é o mais rico. Nos últimos anos não só os mendigos, os flanelinhas, as prostitutas, as empregadas domésticas, as caixas de supermercado, os office-boys operários, os comerciários mas também os bancários, os gerentes, os profissionais liberais, os jornalistas começaram a se dar conta de sua condição de escravos. Começaram a se indagar se a vida era apenas isso: estudar, trabalhar, casar, ter filhos, trinta anos depois conseguir comprar um apartamento a prestações e morrer. A televisão já havia imbecilizado o povo mas a classe média ainda fazia a sua cabeça. A contragosto votaram em Lula e - tudo leva a crer - era em Lula que o poder, O COISO queria que votassem. Hoje - depois de fazer o que nem o grande delinqüente FHC teve coragem de fazer - Lula e seus "rebeldes" nos informam que a palavra de ordem é "Cada um por si de acordo com a esperteza de cada um." Estão nos informando que devemos nos dar por muito satisfeitos por termos um emprego e por pagarmos impostos para serviços (luz, gás, telefone, saúde, escola, transporte) que não recebemos. Pior ainda: que em breve os empregos terão desaparecido e serão substituídos por mão de obra automática, autônoma e independente. Pobres empregados sabem muito bem que somente o maior capacho chegará a gerente mas mesmo assim estão satisfeitos com um emprego, pois a mulher trabalha, os filhos trabalham e a instituição familiar vai para o brejo. Nunca imaginei que escreveria isso: o brasileiro estava contente com sua função de escravo desde que assalariado (os americanos também são escravos mas com um número maior de aparelhos eletrodomésticos) mas nem isso lhe querem dar. Os que ainda não estão nas favelas para lá se encaminham; os que ainda não estão no crime para lá se encaminham; os que ainda não estão na cadeia para lá se encaminham. É claro que isso não teria sido possível sem o auxílio da grande imprensa que um dia diz que o Brasil é país de alto risco e outro informa que o Brasil já não é um risco tão grande porque Lula ganhou uma medalha do rei da Espanha. Risco para quem, cara pálida? Transformar o Brasil no maior país agrícola do mundo e dar de comer a todos os seus filhos através de uma séria reforma agrária é risco? Para quem? Risco é abrigar transnacionais e aceitar suas regras. Risco é permitir que o governo americano construa uma base nuclear em Alcântara e não ter ninguém interessado em saber quem a explodiu. Risco é querer exportar sem ter o que comer em casa. Risco é não nos desatrelarmos das forças internacionais que nos mantém de joelhos. Risco é encher a cadeia de ladrões pé de chinelo e deixar os verdadeiros genocidas fora da prisão. Risco é acreditar que o homem pode ser feliz sem educação. Segundo Millôr Fernandes, Deus quando projetou o Brasil, o fez para ser uma sala de visitas e os poderosos o estão transformando numa pocilga, num zoológico humano. Mas temos os nossos intelectuais, os nossos filósofos, os nossos artistas e até os nossos comunistas não é verdade? Mas onde estão eles que não se pronunciam? Foi preciso um protesto de intelectuais estrangeiros contra a expulsão de Heloísa Helena e seus companheiros para que alguns jornais se pronunciassem. Para que serve este PPS que mais parece o partido do Oscar Wilde que não ousa dizer seu nome? É estarrecedor, perdemos a capacidade de nos estarrecermos. Minto, ainda nos estarrecemos quando uma menina rica mata os pais ou quando um miserável psicopata de 17 anos mata um casal de namorados da alta classe-média. Senhores moralistas de plantão, neste momento centenas de mocinhas pobres estão sendo estupradas, centenas de pais estão sendo mortos por causa de um par de tênis anunciado por charmoso galã de novelas de televisão. Este inferno é o dia a dia dos pobres que vivem no inferno onde os isolaram. Somos todos escravos uns mais outros menos. Os que sabem que são escravos como é o meu caso devem usar a arma dos escravagistas - a Internet e tentar trancar o corredor sem portas que conduz à tragédias coletivas. Os que não sabem e não querem saber terão dois caminhos: a miséria, a morte pela fome, pela humilhação, pela tortura e prisão ou a violência, pois por mais que o animalizem um homem jamais será uma coisa, jamais será um bicho. Lembrem-se, porém, que liberdade isolada não é liberdade. Não posso ser livre se meu vizinho não for livre; não posso ver meus filhos felizes se não lutar contra os que exploram os filhos dos pobres que moram nas ruas.. Entre os macacos na Índia, eu era minoria e tive de fugir. No mundo, esses loucos que chamamos de ricos e poderosos, esses assassinos que praticam genocídio quando exportam dinheiro ilegalmente, são uma minoria. Quando o poder (a máfia que for) tiver acabado com a fome e a miséria porque terá matados todos os famintos, todos os miseráveis, todos os pobres, quem servirá a mesa desses monstros endinheirados, dessas caricaturas de seres humanos? Voltarão a comprar escravos na África? Voltando a Freud, Marx e Fromm que achavam com razão que o fim que dá significado ao homem é a felicidade e não o lucro. O que diriam eles de um partido chamado dos Trabalhadores cujos líderes tornaram-se escravos das benesses que conquistaram? Está na hora de voltarmos a 1922 e refundarmos o Partido Comunista; está na hora de voltarmos a cantar a Primeira Internacional. Mas não, aparentemente, está na hora de educarmos as crianças para o crime e assim que as tivermos formado, enjaulá-las para serem sodomizadas. PS: Por essas e por outras é que vocês jamais me verão escrevendo num desses jornalões. Com exceções que podemos contar na ponta de dez dedos, a maioria dos jornalistas, dos cronistas de bom senso, falam para seus iguais: a maioria burguesa embevecida. Eu não, violão. Eu vejo o Brasil a partir do meio-fio da calçada, a partir da lágrima da criança no meio da rua às três da manhã.
Posted on: Sun, 04 Aug 2013 14:48:35 +0000

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