O mar sempre estava ali - o mar circular, infinito e profundo, - TopicsExpress



          

O mar sempre estava ali - o mar circular, infinito e profundo, movendo-se ruidoso e salgado sem parar. Sempre estivera ali, movendo-se parado sem fim. Era apenas. E estava sempre. Mas nunca sentiu; nunca ultrapassou a simples ideia líquida de fluir. O mar era o todo e não sabia; pois não se sabe o mar. Deitava-se ao sol, evaporando sal, esvaziando maré de espuma entre sóis e luas cheias de dias e noites silenciosas - enchendo-se da água que é sua - largando-se entre ondas no seu falso azul. O mar, ruidoso e calmo às vezes, nunca deixada de; era constante no subir e descer das marés. Nascido do nada, o mar era o parto obscuro, prematuro e natimorto - como a poesia; era o filho do lógico com a dúvida; do eterno com a finitude; do tempo com a ligeira presença das coisas esquecidas. Era o espaço e a manobra das horas. E estava sempre ali, mesmo que não se fizesse ouvir, mesmo que não se pudesse ver. Era indiscutível na sua profundidade intransponível e navegável - transitável, mas incógnito e indecifrável. Estava sempre e sempre, ainda que não houvesse navios ou barcos que o cortassem. Do lado de cá, a parte fixa que se opõe ao mar; que o delimita; que o empurra contra o que não é o mar e o faz voltar-se para dentro de si, para o sal e o líquido que o são. E essa parte - esta parte de cá - que detém o mar, também detém os homens que não se diluem, que não fluem. Que apenas olham e sonham a cidade do outro lado - a outra margem flutuante, que nas noites... A cidade está lá; sempre - com suas luzes e seus habitantes incertos; suas avenidas de água e seus brilhos de astros pingentes. Há tempos não espreito, em noites eternas como as de um dia, a vida dos habitantes que imagino viverem naquela cidade transitória que o mar embala. Há tempos não me diluo nas ondas que esbarram contra o cais daquelas montanhas que se movem paradas nas noites de espera. Mas, ainda que não olhe, que não me perca nas possíveis esferas que a ilusão, alimentada pela mão misteriosa do mar, torna verdade, a cidade da outra margem está - como está o mar - sempre.
Posted on: Sat, 02 Nov 2013 20:27:54 +0000

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