O médico da Rua Voluntários da Pátria. Por Ana Helena - TopicsExpress



          

O médico da Rua Voluntários da Pátria. Por Ana Helena Tavares(*) Era uma vez um estudante de medicina, que sonhava montar um consultório na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, RJ. Era um jovem bem nascido, sempre bem vestido e que se dizia bem resolvido. Ele havia estudado, em seu ensino médio, algo sobre a Guerra do Paraguai, mas nada que lhe explicasse que, naquela época, o Brasil mandou escravos negros para o país vizinho prometendo-lhes, em troca, a alforria. Despreparados para o combate, muitos morreram lá. Dos que voltaram, alguns receberam a liberdade, outros não. Esses eram os “voluntários da pátria”. Sem nunca ter se preocupado com a História de seu país, entrou para uma universidade pública para cursar medicina, mesmo podendo pagar uma particular. Afinal, o Estado tem que servir a gente como ele, o que não quer dizer que tenha que ficar dando bolsa aos mais humildes. “Um absurdo esse assistencialismo!”, ele sempre repetiu. O que ele não imaginava é que estaria prestes a se formar bem na hora em que o governo resolveu criar um tal de “Mais médicos”. Alvoroço no meio acadêmico. “A formação de vocês tem que se basear nos serviços que prestarão à saúde privada. O negócio é ficarem dizendo que tudo é virose e atendendo à indústria de antibióticos. Palhaçada colocá-los em lugares ermos.”, confidenciou a ele um professor. Convidado a servir à população de pequenas cidades no interior do Brasil, ganhando para isso um salário com o qual muitos brasileiros nem sonham, esperneou alegando que é preciso lutar por melhorias das condições de trabalho antes de colocar médicos para operar sem equipamentos adequados. Tanto ele, como muitos de seus colegas, bateram o pé e disseram um redondo “não!” ao programa do governo. Disseram “não!” ao juramento de servir ao povo e preferiram jurar que é possível lutar por melhorias no interior do Brasil morando num confortável apartamento em Botafogo. Não querem ir e não querem que ninguém mais vá. Nosso médico é daqueles que espalham que comunista come criancinha e não tem a dignidade de admitir quantos pobres já foram salvos pelos médicos cubanos ao redor do mundo. Afinal, pobre tem que morrer à míngua. Enquanto isso, inúmeros professores aceitam trabalhar em lugares onde não há giz nas salas nem calçamento nas ruas. “Ah, mas uma aula mal dada é menos perigosa do que uma operação mal feita”, alega o nosso médico. Imaginem o perigo de uma aula dada pelo atual presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, que afirmou: “Vou orientar meus médicos a não socorrerem erros dos colegas cubanos.” (vide aqui) Enquanto aguardo o dia em que seja criado no Brasil o “Mais jornalistas”, para que sejam feitas mais reportagens que mostrem a realidade dos rincões de nosso país e também a realidade de um país embargado como Cuba, que prioriza a medicina preventiva, só posso lamentar que o nosso médico não tenha tido aula com o Dr. Adib Jatene: “O sujeito não estuda medicina para conquistar posição social, acumular patrimônio, isso até pode acontecer. Ele estuda medicina para ajudar as pessoas que estão sofrendo a se sentir melhor. Esse é o objetivo da profissão. É isso que faz a profissão respeitável”, sentenciou Jatene. (vide aqui) Como professor, também poderia ter tido o Zé Simão: “Se eu estivesse doente, no interior do Ceará, eu queria um médico humano. Tanto faz cubano, paulistano ou marciano” Eis o ponto. Precisamos muito mais de humanidade do que de tecnologia. Precisamos também de humildade, aquela palavra que vem do latim “humus” e que, numa tradução livre, pode ser entendida como “filhos da terra”. Ou seja, o homem humilde, em sua origem, é aquele que jamais se esquece de onde veio – da terra – e para onde voltará – para a terra. O nosso médico, filho de um cearense, sempre teve vergonha do pai. Sonhou tanto em montar um consultório num endereço nobre que conseguiu. No entanto, escravizado pelo corporativismo, nunca percebeu que, no nome da rua, havia uma promessa de liberdade. *Ana Helena Tavares, jornalista, editora do site “Quem tem medo da democracia?”.
Posted on: Sat, 24 Aug 2013 12:10:28 +0000

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