O quanto vale aquilo que nasce, cresce e se mantém cheio de vigor - TopicsExpress



          

O quanto vale aquilo que nasce, cresce e se mantém cheio de vigor e beleza a despeito da falta de cuidados, à guisa de planejamentos, sem que um querer que o dirija e o reconheça desde a aparição à morte? Quanto vale flores sem jardim? É menos bela, menos valiosa, menos admirável uma coisa que não foi conformada para ser, mas ainda assim o é? Coisa que é - sendo- apesar- de. Mais que belas, flores assim são Supresas. Quedei-me surpresa de ver um canteiro de flores saindo de uma fresta aberta entre o meio fio e a rua asfaltada. Oh! Vi. Flores magnificamente repletas da fortidão das flores regadas e adubadas que nem flores de um jardim de casa. Flores com aspecto de flores cultivadas. Caberiam tranquilamente num vaso ou num buquê de uma casa de moça rica. Lindas, diriam , lindas...Eram bonitas, frescas, fortes. Passei pelas flores e senti o mal-estar de estar estranhando esse encontro com o jardim da fresta. A beleza que vi não poderia provir de flores geradas em terra pouca, no espaço de uma fresta, supridas pela água destinada às bocas- de - lobo, cheiradas por baratas, esquecidas pelas formigas. Uma vigorosa beleza como aquela quase que exige determinadas condições. Assim se pensa, e assim pensando, senti. Belas quando não poderiam ser, ainda que sendo...Flores de um canto de rua. Belas. Fortes. Surpreendentemente aparecidas. Quando eu era menina por todo canto de rua brotavam flores de aspecto meio margarida – marginal. Margarida-Marginal, porque eram alaranjadas, porque as pétalas embora lembrassem as de margarida eram um tanto quanto separadas umas das outras. Margarida-Marginal porque eram semeadas pelo vento, regadas pelas chuvas e venciam em crescimento, independentemente da terra que lhes prendia a raiz . Desqualificadas, porque nasciam a despeito do querer humano. Mas eu gostava delas. Aliás, gostava não. Amava. Achava lindo e ficava tempos e tempos olhando as touceiras alaranjadas. Vez ou outra elas portavam uma cor de branco- não –muito-branco com laivinhos de rosa. Alguma coisa nelas incitava minha fantasia. Não eram fantasias povoadas de fadas, rainhas, sapos ou maçãs. Mas uma fantasia cujos seres pertenciam ao meu folclore particular. Ainda hoje, quando vejo uma touceira de minhas margaridas-marginais (cada vez mais raras) eu lembro que tive um canto e um conto só meu. Flores de buquê. Sempre lamento quando vejo um buquê de flores. Parecem recém-defuntinhos. Sempre uma sofrida cena de degradação. Um cadáver que terei que acompanhar a decomposição. Lamentar dia a dia até que o lixo o leve. Chato demais. Admirar a beleza que as florezinhas tinha em vida, depois a perda gradual do frescor, depois o enegrecer das pétalas, depois o despetalar, depois os restos amarronzados jogados no lixo. Ah...A vã tentativa de manter o aspecto de flor que vive. Cortar enviesado o caule. Melhoral, açúcar, o escambau na água. Troca de água uma vez por dia, depois a desistência de trocar, porque a fragilidade do corpo morto de uma flor provoca queda das pétalas e folhas que sempre tento segurar em vão .... Retirada das flores que murcham, como se o murchar que marca uma flor fosse acelerar o murchar das outras. O meu amor pelas flores as prefere pequenas, miúdas, cheirosas às abelhas e atraentes às borboletas, dadas ao sol, precisadas de chuva, cansadas de orvalho, sem precisão da mão humana. Flores vivas para Deus.
Posted on: Fri, 23 Aug 2013 18:15:23 +0000

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