Ontem, um maestro, cujo nome talvez não valha a pena citar, concedia entrevista no talk show do humorista Falcão, quando um amigo me ligou indignado: "Gabriel, você não vai acreditar! Tem um cara aqui no programa do Falcão dizendo que o Paulo Abel era contratenor e que ele lançou 15 discos, incluindo cinco no Brasil. Não tive tempo de ver a entrevista, mas um riso quase debochado teimou em forçar meus lábios. Ocorre que eu realizei, há alguns anos, um documentário em longa-metragem sobre o músico e educador cearense Paulo Abel do Nascimento (1957-1992), a quem o maestro equivocado se referia. Na realidade, Paulo não era um contratenor, mas sopranista e contraltista, ou, de modo mais simples, um homem que possuía um tipo de voz que lhe permitia alcançar notas acutíssimas naturalmente (obviamente, com técnica e prática também), sem recorrer à falsetes ou outros artifícios que ajudam os homens a alcançar notas muito agudas. Uma voz tão rara que, ainda hoje, passados mais de vinte anos da sua morte, ainda soa como algo estranho e fenomenal para a maioria das poucas (infelizmente) pessoas que tiveram acesso às poucas gravações registradas por Paulo. Pois é, quem dera o maestro estivesse certo, pois aí teríamos muito mais do que apenas os dois únicos discos que Abel gravou - nenhum deles no Brasil, onde, até hoje, nunca foram lançados -, além de uma faixa para a trilha musical do filme Ligações Perigosas. Paulo morreu muito precocemente, e seu perfeccionismo não lhe permitia gravar um disco atrás do outro. Até aí, tudo bem. De bobo e ignorante todo mundo tem um pouco, mas o senhorzinho lá poderia ter tido pelo menos a humildade de admitir a própria ignorância e, quem sabe depois, pesquisar algo sobre a pessoa sobre a qual ele, descuidadamente, deu informações erradas sob vários aspectos. Fontes não lhe faltariam: há a biografia escrita pelo professor Elvis Matos, lançada há alguns anos, e, mais recentemente, um site, dedicado à memória de Paulo (pauloabel). Nem digo nada sobre o documentário, afinal, ele ainda não foi muito divulgado, mas acredito que , ao se deter sobre algum objeto de interesse, todos devemos ter o máximo de cuidado. Lembro bem que, quando eu não sabia absolutamente nada sobre Paulo Abel (nem sequer seu nome), fui à fonte primária, a biografia da Coleção Terra Bárbara, e fiz questão de procurar o autor, que, combinando esforços comigo e outras pessoas, conseguiu dar maior visibilidade a uma personagem histórica que estava praticamente esquecida em sua própria terra. Trabalhos legais e apaixonantes são assim: esforçados, lentos, às vezes um tanto desalentadores, mas muito mais satisfatórios e compensadores que o descuido da opinião impensada e arrogante, já que usada para não admitir a própria ignorância. Felizes os que ignoram, pois, quem sabe de tudo, geralmente sabe de tudo muito por cima - para não dizer rasteiramente. Para quem tiver curiosidade sobre quem realmente foi Paulo Abel do Nascimento, veja o trailer do documentário, leia a biografia escrita pelo professor Elvis, visite o site, enfim, informe-se e não peque pela afetação de sabedoria. Isso é no mínimo tolo e fútil. youtu.be/51timdloG3M
Posted on: Sat, 24 Aug 2013 02:52:26 +0000
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