Opinião Carta aberta aos pais e aos alunos por um professor que - TopicsExpress



          

Opinião Carta aberta aos pais e aos alunos por um professor que fez greve dia 17 Paulo P. de Carvalho* Caros pais e alunos, No rescaldo da recente greve aos exames nacionais, parecem não restar dúvidas de que os professores saíram mal na fotografia. Aliás, a imagem de que a greve era absurda e injusta, levada a cabo por pessoas insensíveis e irresponsáveis, vinha ganhando forma na mente de muitos, dias antes de acontecer. Quando o golpe de misericórdia, por assim dizer, foi desferido – os directos das televisões imagem já estava nítida, aguardava apenas por confirmação. Num desses directos, à caça das emoções como é próprio do "picante" dos directos, uma jornalista perguntou: "De quem é a culpa, do Ministério ou dos professores?" Feita a alunos que passaram as semanas anteriores e até a noite anterior ao exame a estudar sem que soubessem se ia haver exame; feita aos pais que, impotentes, tinham assistido à ansiedade dos filhos, a resposta não se fez esperar: "Dos professores, claro; foram eles que fizeram a greve!" – era síntese que faltava. O que eu quero mostrar, caros pais - e os vossos filhos poderão confirmar com a sua experiência diária como alunos -, é que esta imagem criada por alguma irresponsabilidade jornalística é superficial e perigosa e perguntas como a que referi, ao contrário de esclarecerem e contribuírem para a resolução do terrível problema da educação pública em Portugal, adensam o nevoeiro que Ministério da Educação, sindicatos e certa Comunicação Social criam em torno do assunto nestas alturas. Antes de mais, é preciso desfazer um equívoco: esta greve não resultou de uma guerra entre Ministério e sindicatos. Obedecendo ambos a agendas políticas e/ou economicistas – a ordens vindas de cima (o Ministério) e a estratégias obscuro-partidárias (os sindicatos) – deixam nos a nós, pais, alunos e professores, uma vez mais, impotentes para a mudança urgente. Acontece que os professores não lidam pacificamente com a impotência: o seu trabalho é dar poder (saber, competência, espírito crítico) aos que à partida o não têm (as crianças, os adolescentes). Esquecer isto é esquecer o essencial: esta greve, tendo por objecto as condições de trabalho dos professores, teve por objectivo o interesse mais amplo dos alunos, ou seja, dos cidadãos portugueses do futuro. Aquilo que talvez leviana, se não depreciativamente, se tem chamado "reivindicações dos professores", afinal mais não são do que "reivindicações da cidadania". Sim, uma mensagem justa pode ser inquinada pelo meio que a transmite. A mensagem límpida deveria ter sido esta: sem professores, não há escola pública. Mas é preciso esclarecer de que professores e de que escola pública falamos. Falaremos de professores calões e faltosos, que se refugiam em baixas médicas fraudulentas e que atentam contra os direitos dos alunos de fazer um exame, como sugere Miguel Sousa Tavares, na sua mais fresca amplificação das excepções, fazendo-as passar por uma prática universal? Ou falaremos, pelo contrário, de pessoas preparadas pedagógica e cientificamente, com tempo e com condições para desenvolverem um trabalho de qualidade e continuado, capaz de formar bons profissionais e cidadãos conscientes (de que o direito a fazer um exame é uma parcela ínfima do direito a aprender todos os dias)? A verdade é que a maioria dos professores, não tendo aquela figura repelente, pintada por alguns opinion makers da praça, lutam diária, abnegada e às vezes desesperadamente (a percentagem de depressões efectivas na classe o atestam) por se aproximar do segundo tipo de professor de que falei… muitas vezes, também é verdade, sem o conseguir. E os alunos sabem que assim é, pois - a despeito do discurso do psicologismo oco das últimas duas ou três décadas e não obstante o uso vulgarizado das novas tecnologias, incapazes de iludir que a aprendizagem depende antes de mais de um vínculo afectivo de mútua confiança – o que muitas aulas hoje são é câmaras de tortura, tortura que tanto recai sobre alunos como professores. "Mútua desmotivação", dizia a legenda lapidar do cartaz da manifestação de sábado que exibia uma gaiola guardando uma turma e seu professor. Raramente são expostos os verdadeiros problemas da escola no debate sobre a escola pública. Se a escola foi criada para esbater diferenças sociais e promover a justiça social, então está a falhar. Os professores estão a falhar! Mas como se pode ser bom professor, se não resta tempo e energia - depois da preparação de aulas para seis ou sete turmas de trinta alunos, que perfazem 200 alunos, depois de corrigir fichas e testes em finsde-semana roubados à família -, como se pode ser bom professor, dizia, se não resta tempo e energia para uma coisa tão simples como ler, digo, actualizar-se sobre os novos trabalhos feitos ao nível científico na sua área disciplinar, ler romances e poesia, ler sobre os tremendos desafios que as novas crianças e adolescentes da era digital representam hoje para o pedagogo? Como se pode ser bom professor se, para além das turmas atribuídas, sem redução alguma no horário, se é ainda director de turma, muito provavelmente de turmas com graves problemas de absentismo e de disciplina? Como se pode ser bom professor cumprindo apressadamente checklists de tarefas ou fazendo escrupulosamente constar de actas propostas de mudança que, apesar de fundadas na experiência, nunca terão repercussão na realidade escolar, por falta de autonomia das escolas? Como se pode ser bom professor, se não se pode comprometer com projectos pedagógicos a médio prazo na escola onde se está actualmente colocado, se no final do ano não se sabe para que nova escola se vai ou se se vai ao menos ter emprego - e isto durante anos a fio? Se o problema são as 40 horas, desafio o Ministério a fazer com que cada professor só trabalhe na escola, "picando o ponto". Em pouco tempo se perceberá que as 40 horas não chegam, nem haverá condições ou lugar para esse trabalho ser feito convenientemente. Se o problema é a baixa da natalidade, desafio o Ministério a reduzir o número de alunos por turma: terá então o direito a cobrar dos professores o sucesso pedagógico - que, recorde-se, não é ter mais alunos a transitar, por meios artificiais que configuram uma farsa, mas aprender, efectivamente ter aprendido e saber usar essa aprendizagem. A redução de custos é compatível com a melhoria pedagógica? É, mas terá de ser à custa do desperdício do património intelectual e humano de quem se formou para formar? Terá de continuar a ser à custa da heroicidade de uns tantos? Por mim, não vejo por que ser professor tenha de ser uma expiação ou coisa de herói (empregado ou desempregado). E contudo, independentemente de qualquer greve, longe de artigos que raiam o ódio aos professores ou de perguntas levianas em directos televisivos, aquilo a que se assiste diariamente nas escolas e é exigido aos professores é precisamente isso: heroicidade. A menos que se defenda que, como no passado, os professores que restarem da sangria se tornem celibatários para terem disponibilidade total para a missão… *Professor Público 2013-06-26
Posted on: Wed, 26 Jun 2013 10:22:56 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015