Opinião Prioridades erradas nos exames António Jacinto Pascoal - TopicsExpress



          

Opinião Prioridades erradas nos exames António Jacinto Pascoal Já muitos articulistas se dedicaram ao tema e, em especial, ao exame de Português de 9º ano. Aliás, a Associação de Professores de Português (APP) foi muito eloquente a esse respeito, denunciando uma série de pechas a que o exame se prestou. Para começar, e a persistirmos neste sistema, assistiremos a um cenário em que as didácticas essenciais serão preteridas por esquemas que visarão, a longo prazo, preparar os alunos para exames. Ou seja, no afã de protegerem os seus alunos, os professores acautelarão, tanto quanto possível, as notas internas (para que não haja surpresas) e, ao longo do ano lectivo, desdobrar-se-ão em trabalho sobre provas de exame de anos anteriores, mais as baterias de provas-modelo que por aí há, criando, eventualmente, mais uns quantos materiais do género, de forma a tornarem os seus alunos uma espécie de autómatos preparados para quizzes de sequência, escolha múltipla, gramática de particularidades e excepções, respostas de extensão média sob tratamento de tópicos, etc. É evidente que uma prova de exame é uma prova de exame: nunca se sabe o que lá aparece. Mas não se trata dessa questão. O que lá aparece tende a desrespeitar um trabalho de extenso alcance feito ao longo do ano. E o que o Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) ultimamente sugere é um modelo que parece estabelecer prioridades que privilegiam automatismos, em vez de conhecimentos sediados em saberes organizados e em regras gerais. Sobretudo, trata-se o aluno (e a escola) como um concorrente a esses duvidosos concursos televisivos. Da Parte B do exame (agora chama-se prova final) nada tenho a dizer - afigura-se-me aceitável e dentro de um espírito de circunstância académica. Reconheço que nas escolas se trabalha muito pouco a linguagem simbólica, o que deve ser contrariado de alguma forma. Já a Parte A, em que se visa, por norma, avaliar as capacidades de interpretação, afectava um texto pejado de estrangeirismos ("empréstimos" é o modismo actual) capazes de dispersar a atenção dos alunos o suficiente para os confundir, perante um contexto e referências históricas e onomásticas de monta - sabemos que a cultura "geral" dos alunos roça um grau demasiado rasteiro, em contradição com a oferta informativa que os envolve. Mas já a APP chamava a atenção para o glossário do texto. A mesma APP referiu o grau de complexidade dos conteúdos gramaticais, considerado "mais elevado" do que o pedido para o 12.º ano. Com efeito, os tempos verbais exigidos compreendiam formas pouco usuais de verbos irregulares e o exercício de pronominalização era quase inacessível à maioria dos alunos. Também a questão que exigia a transcrição de uma oração subordinada não era de todo acessível, tendo em conta que a frase em causa continha três orações - e não se compreende que, num universo tão lato no respeitante a subordinação, não sejam escolhidas possibilidades muito mais usuais. Ou seja, os produtores da prova preferiram a artimanha da irregularidade às vantagens dos conhecimentos gerais e organizados que as escolas trabalham. Para terminar, a Parte C, versando autores de leitura obrigatória, incluiu duas estrofes de Os Lusíadas. Acontece que as duas estrofes escolhidas não apresentam informação suficiente sobre o episódio a que se referem para que pudessem ser facilmente identificadas. Essas duas estrofes, ainda que familiares a um bom leitor da obra de Camões, facilmente se poderiam confundir com o episódio de O Concílio dos Deuses para um leitor desprevenido, dado o carácter ameaçador presente no discurso. O facto de a não identificação do episódio implicar a desvalorização de toda a resposta foi mais um factor de inibição da prestação dos alunos. Em resumo, tivemos um exame feito de rasteiras. Muito bem: a lição que se tira é a de que os professores deverão de futuro, em detrimento de um ensino amplo e consistente, preparar alunos para evitar armadilhas. De futuro, não interessa exactamente conhecer a importância da obra Os Lusíadas nem o seu significado essencial (muito distante do cliché da apoteose dos navegadores), mas saber a que episódio pertencem certas estrofes, independentemente da sua inserção na totalidade polifónica da obra. De resto, e com o que vamos colhendo neste tempo estival (apesar das diligências feitas, na escola onde lecciono, por exemplo, só abrirão três turmas de 30 alunos no 7º ano), é cada vez mais óbvio que a preparação dos alunos tenderá a roçar os conteúdos de superfície e a evidenciar uma escola pública preparada, não para instruir, mas para responder a provas-inquérito e a questionários assentes em curiosidades. Este é o panorama que nos prepara continuamente o ministério. Encher as escolas públicas até que rebentem pelas costuras. E do saber - que já é pouco - não ficará nada, como convém. Professor Público 2013-08-01
Posted on: Thu, 01 Aug 2013 15:19:54 +0000

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