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Ora, você poderia estar de passagem hoje pela Cinelândia e observar por alguns minutos enquanto professores e solidários lançam dardos de borracha contra o alvo de ferro das políticas públicas, poderia comprar tapioca no ambulante e calcular se estar ali seria mais elucidativo sobre a gestão do mundo capitalista do que assistir o episódio final de Breaking Bad, poderia então pinçar com as unhas pequenos pedaços de coco ralado e enfileirá-los como uma carreira de cocaína, a sua espécie de arte contemporânea representativa, como aceitar que uma secretária de educação recuse o diálogo com manifestantes por ser assim que uma grande empresa como nosso Estado é gerida - se é que você entende - e encorajar professores de química a cozinhar - se é que você entende -, você poderia chorar com bombas, com sprays, com o fim de um seriado, com a sessão urgente que aprova os planos de cargos e salários, com os Amarildos, com as Vadias, com a vidraça do banco, mas especialmente com a condição humana a que o profissional da educação vive, retratada de forma tão forte no poema a seguir e no vídeo que fiz e está aí para adicionar um pouco mais de realidade ao primeiro dia de outubro. AUTORRETRATO (Nicanor Parra) Considerem, garotos Esta língua roída pelo câncer: Sou professor nalguma escola obscura Perdi a voz nas aulas, entre as classes. (Depois de tudo ou nada Quarenta horas semanais me invadem.) O que acham desta cara esbofetada? Verdade, inspira lástima de olhar-me! E o que dizer deste nariz comido Pelo cal deste giz mais degradante. Em matéria de olhos, três metros Não reconheço nem a própria mãe. O que me afeta? - Nada. Eles se arruinaram pelas classes. A dura luz, o sol, A venenosa lua miserável. E tudo, para quê Para ganhar um pão imperdoável Duro que nem a cara do burguês. E com perfume e com sabor de sangue. Para que nós nascemos como homens Se uma morte animal por fim nos cabe? Graças ao excesso de trabalho, às vezes Vejo formas estranhas se elevarem, Ouço corridas loucas, Risos, conversas criminais nos ares. Observem minhas mãos Minhas bochechas brancas de cadáver, Meus cabelos escassos e caducos, As negras rugas infernais que nascem! E no entanto eu fui como vocês, Jovem, dos ideais mais belos, grandes, Sonhei fundir o cobre Então limar as faces do diamante: Aqui estou agora Por trás desta pousada insuportável Embrutecido pela cantilena Dessas quinhentas horas semanais.
Posted on: Wed, 02 Oct 2013 01:00:48 +0000

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