PARTE II 3. A investigação criminal e o exercício da função - TopicsExpress



          

PARTE II 3. A investigação criminal e o exercício da função de Polícia Judiciária Para sustentar os poderes investigatórios do Ministério Público, argumenta-se que no ordenamento jurídico nacional, a Polícia Judiciária não tem a exclusividade da investigação criminal, na medida em que outros órgãos diversos dela podem exercer funções investigatórias . Constata-se tais circunstâncias, por exemplo, em relação às CPIs e aos delitos praticados por membros da Magistratura, que são investigados pela autoridade judiciária, bem como nos delitos atribuídos ao membros do Parquet, que são apurados pela própria Instituição. Outros exemplos ainda se podem agregar, como no caso das investigações realizadas pela Receita Federal ou pelo Banco Central, que investigam irregularidades administrativas ou mesmo financeiro-tributárias, próprias de suas atribuições; quando encontram, contudo, possíveis indícios da existência de crimes, encaminham referidos expedientes ao Ministério Público. Fácil perceber, portanto, que tais órgãos não têm atribuições investigatório-criminais, principalmente acompanhados de poder coercitivo, tanto que o surgimento de indícios da existência de crimes determina o encaminhamento de seus expedientes ao MP, que é o titular da ação penal. Os exemplos citados, por outro lado, constituem claras exceções à regra geral, consubstanciada no art. 144 e parágrafos da CF, e no art. 4º, “caput”, do CPP, que é a apuração das infrações penais pela Polícia Judiciária. As exceções à essa regra geral dependem, obrigatoriamente, de expressa previsão legal, o que não se verifica no caso de poderes investigatórios criminais atribuídos ao Ministério Público, como reconhece José Afonso da Silva , in verbis: “Argumenta-se que a Constituição não deferiu à Polícia Judiciária o monopólio da investigação criminal. É verdade, mas as exceções estão expressas na própria Constituição e nenhuma delas contempla o Ministério Público”. No mesmo sentido, é a orientação adotada por Ada Pellegrini Grinover : “A própria Constituição, como é sabido, atribui o poder de investigar a outros órgãos, como as Comissões Parlamentares de Inquérito - CPIs e os tribunais. E também é sabido que não confere expressamente essa função ao MP, sendo oportuno lembrar que as emendas à Constituição de 1988 que pretendiam atribuir funções investigativas penais ao Parquet foram rejeitadas, deixando portanto a salvo a estrutura constitucional acima descrita”. Por fim, o fato de ser o inquérito policial facultativo e dispensável para o exercício da ação penal por parte do MP não tem extensão que permita sustentar, a partir desse enunciado, o reconhecimento da existência de poderes investigatórios penais atribuídos ao órgão ministerial. Com o efeito, se o Ministério Público dispuser de elementos probatórios suficientes, poderá propor a ação penal independente de inquérito policial (art. 39, § 5º, CPP). Por isso, não raro depara-se com ações penais fundadas em procedimentos administrativos tributários e previdenciários. No entanto, o fato de dispensar, em situações específicas, a obrigatoriedade do inquérito policial, não significa, que, em decorrência dessa previsão, possa o Ministério Público investigar diretamente. A dispensa de inquérito policial, gize-se, está condicionada a serem oferecidos com a representação, “elementos que o habilitem a promover a ação penal” (art. 39, § 5º, do CPP), devendo oferecer, nesse caso, a denúncia em quinze dias. Alguns aspectos, nesse contexto, afastam interpretação que leve a admissão da possibilidade de o MP investigar diretamente: primeiramente, o fato de o CPP ter surgido em época em que se desconhecia a importância que o Ministério Público adquiriria no final do século XX; a dispensa do inquérito somente é autorizada se, “com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal”, significando dizer que a falta de tais elementos não autorizam a proposição da ação penal. E mais: nesses casos, não autorizam nem mesmo que o Ministério Público realize diretamente diligências complementares, além determinar que se abstenha de investigar ele próprio. Aliás, se o desejasse, seria a grande oportunidade para o legislador ter atribuído ao Parquet os discutidos “poderes investigatórios”, bastando ter consignado no texto legal o seguinte: “se com a representação não forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, o Ministério Público poderá diligenciar para obtê-los”. No entanto, conscientemente, o legislador não o fez, e deixou de fazê-lo deliberadamente, por que não achou conveniente atribuir essa atividade a um órgão que é o titular da ação penal e, portanto, parte acusatória, para evitar a disparidade de armas entre acusação e defesa na relação processual penal. Não dispondo dos elementos probatórios necessários, contrariamente ao almejado pelo Ministério Público, a Constituição, em seu art. 129, inciso VIII, autoriza-lhe requisitar a instauração do inquérito, que ficará a cargo da Polícia Judiciária. São, como vimos sustentando, coisas completamente distintas. A investigação criminal pelas polícias civis (federal e estaduais), como regra, é imposição do princípio da legalidade, sob a ótica administrativa, segundo o qual a Administração Pública somente poderá agir diante de texto de lei que a autorize. Ademais, é direito do cidadão e da sociedade saber, com antecedência, a quem incumbe investigar determinada infração penal, respaldado pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais. Esse direito é decorrência natural da segurança jurídica, que deve ser preservada nos Estados Democráticos de Direito. Por isso, não há como se afastar a regra geral de apuração das infrações penais pelas polícias, civil e federal, sem norma expressa a respeito, compatível com o texto constitucional. 4. Unilateralidade das investigações do Ministério Público: distanciamento da busca da “verdade real” Luiz Alberto Machado, emérito Professor da Universidade Federal do Paraná, questionando a pretensa neutralidade investigatória do Ministério Público, que, como titular da ação penal, beneficia-se diretamente do resultado dessas investigações preliminares, chega a inevitável conclusão: “... a lei não pode cometer as funções de elaboração de inquérito policial e de investigações criminais a quem não se revista expressamente de autoridade policial, segundo a Constituição Federal. A leitura que se deve fazer dessa atribuição administrativa constitucional é ser uma garantia individual, a garantia da imparcialidade e impessoalidade do Ministério Público, ‘dominus litis’ e que, por isso, não deve, e não pode, investigar ou coligir informações para o exercício da ação processual criminal” . A curta experiência brasileira tem demonstrado, à saciedade, que a realização de investigação criminal diretamente pelo Ministério Público compromete a neutralidade na apuração preliminar dos fatos, cujo resultado tem a finalidade de fundamentar o início da ação penal no sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em razão de que, nessa esfera, o Parquet é parte, pensa como parte e age como parte. Haverá nítida tendência a selecionar aqueles elementos probatórios que favoreçam a acusação, especialmente por que é atribuição do Ministério Público promover, com exclusividade, a ação penal pública. Não é por outra razão, que, invariavelmente, em todas as investigações procedidas pelo Ministério Público invoca-se o questionado “sigilo”, com notória infringência aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, com violação da paridade de armas, revestindo-se de inegável inconstitucionalidade. “Na verdade – sustenta Luis Guilherme Vieira - além do arbitrário e ilegal desequilíbrio entre as partes, violando o devido processo legal, há outro fundamento para não permitir ao Ministério Público proceder investigações criminais: quem investiga adota, de plano, um determinado ponto de vista, uma hipótese provisória, uma premissa maior, sem a qual nenhuma conclusão advirá. Tal hipótese seduz o investigador, de tal forma, que o torne indiferente a qualquer outra possibilidade, o que é extremamente danoso quando ocorre com um Ministério Público inquisidor” . Por todas essas razões, o Ministério Público não pode e não deve assumir as funções investigatório-criminais, num autêntico papel de polícia, sem mudarmos todo o sistema jurídico brasileiro, que é acusatório, repita-se, preservando-se o Parquet para o seu genuíno papel de acusador, quando os elementos para o exercício da ação penal se apresentarem, visto que, ao que parece, o Ministério Público abdicou da função de fiscal da lei e da sua fiel execução. Na verdade, de há muito o Ministério Público abandonou aquela sagrada função de custos legis em matéria criminal, agindo, por vezes, inescrupulosamente contra legis, no afã de conseguir, a qualquer custo, a realização de sua vocação acusatória. Razões como essa justificam que já se comece a exigir a criação de um órgão denominado Ombudsmann, para, na fase processual penal, exercer essa função que, outrora, se atribuía ao Ministério Público, talvez, até se pudesse atribuir essa função de custos legis à Defensoria Pública. 5. Poderes investigatórios do Ministério Público em alguns ordenamentos jurídicos alienígenas Os ordenamentos português e italiano adotaram – desde o Código Napoleônico, sendo ainda mantido - o juizado de instrução, que, no entanto, é bom que se registre, foi rejeitado pela Assembléia Nacional Constituinte de 1988. Mesmo assim, no ordenamento português, v.g., no qual a presidência do inquérito cabe ao Ministério Público, é clara a opção pela atividade investigatória coordenada e integrada entre o órgão ministerial e a polícia. Essa integração também é prevista na Constituição Federal brasileira, na medida que o art. 129 assegura ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, bem como o poder de requisitar diligências investigatórias. Quem tem a função de controlar e fiscalizar não pode concorrer com o controlado ou fiscalizado, que, mutatis mutandis, pode-se dizer numa linguagem figurada, faria “concorrência desleal”, beneficiando-se da função praticamente controladora da organização policial, em detrimento desta que não tem a mesma oportunidade. Nesse sentido, com a acuidade de sempre, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sentencia: “Ora, a função de controle da atividade policial evidentemente exclui a realização de atividade policial típica, qual seja a realização do inquérito. Quem faz não pode controlar, quem controla, não pode fazer” . Por outro lado, a admissão, mesmo parcialmente, de atividades investigatórias penais ao Ministério Público nos dois ordenamentos mencionados – português e italiano - não derivou, pura e simplesmente, da interpretação deste ou daquele dispositivo, como se pretende fazer no Brasil. Ao contrário, foi fruto da opção do legislador pela adoção de um determinado sistema, no qual se permite que o órgão ministerial presida as investigações criminais, implicando inclusive na elaboração de novos diplomas processuais penais, algo inocorrente em nosso ordenamento vigente, que se recente de expressa previsão legal. Convém ressalvar, ademais, destacava Evaristo de Moraes Filho, “que o novo Código italiano preocupou-se em estabelecer uma diversificação de funções, ainda na fase preliminar, instituindo a figura do giudice per le indagini preliminari (art. 328), incumbido de manifestar-se sobre certas questões de natureza probatória, e competente para examinar o pedido de arquivamento, e, sobretudo, para decidir sobre a abertura da ação penal, após uma audiência de caráter contraditório, com possibilidade de colheita de novas provas. A presença deste juiz é a forma de controlar, indiretamente, a atuação do Ministério Público, como que em resposta à famosa indagação de Juvenal: Quis coustodiet ipsos Custodes?” Realmente, quem investigará ou controlará o investigador Ministério Público? Em outros termos, quem fará o controle externo desse órgão investigador? Extrai-se daí que nem mesmo a inserção de dispositivo na Constituição da República atribuindo poderes investigatórios penais ao Ministério Público resolveria a questão, sem macular todo o sistema que foi idealizado pelo legislador constituinte e reproduzido na legislação infraconstitucional: o sistema acusatório. Isso porque, como destaca o Memorial dos Institutos Jurídicos, “uma simples mudança constitucional, não traria a necessária reformulação sistêmica para ordenar todas as Instituições (Magistratura, Ministério Público, Polícias, Defensorias e Advocacia, assim como demais órgãos auxiliares) de forma equilibrada e isonômica no desenvolvimento da persecução penal em suas fases. Faltaria, ainda, estrutura material e uma nova ordenação jurídica infraconstitucional a fim de determinar, segundo o princípio da legalidade, as novas esferas e funções para o atuar de cada órgão”.
Posted on: Tue, 25 Jun 2013 21:31:57 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015